Em filme, Lula sugere relação melhor com republicanos do que com democratas
É difícil prever quem vencerá a disputada eleição dos Estados Unidos: Kamala Harris ou Donald Trump. Mais difícil ainda é saber qual será a melhor gestão para as relações com o Brasil.
O presidente Lula já teve a oportunidade de, ao governar o país, se relacionar tanto com democratas quanto com republicanos. No primeiro mandato, em 2003, era o Partido Republicano, com George W. Bush. Em 2009, o Partido Democrata venceu com Barack Obama.
Ao que parece, a experiência de Lula com Bush filho foi melhor do que com Obama. Pelo menos, é o que ele afirma em entrevista ao cineasta norte-americano Oliver Stone, para o documentário "Lula".
No filme, o presidente sugere que Bush reconhecia a importância do Brasil no continente, diferentemente de Obama, apontado por ele como pouco experiente para as sérias questões geopolíticas. Lula também demonstra ressentimento com Hillary Clinton, secretária de Estado de Obama. Lula é enfático ao dizer que Hillary odeia a América Latina.
O próprio Obama é lembrado no filme pela descoberta da espionagem contra vários líderes como a presidente do Brasil e a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel. "Para Merkel, Obama foi até lá pedir desculpas. A Dilma ele nunca se desculpou", cobra Lula.
Talvez, a mensagem mais direta do documentário, diante da eleição mais importante da política mundial, é que os interesses dos Estados Unidos estão acima de qualquer ideologia ou partido. Cada país que cuide do seu povo e suas instituições.
Difícil dizer se os republicanos e democratas de hoje mudaram
De um lado, os posicionamentos xenofóbicos de Trump, seu alinhamento com a extrema direita e a provocação ao golpismo antidemocrático nos fazem pensar nele no sentido contrário às políticas progressistas que venceram as últimas eleições presidenciais no Brasil e derrotaram o projeto político do ex-presidente brasileiro, seu fã e discípulo, que tentou copiá-lo até no golpe.
Seria então a candidata do Partido Democrata a melhor interlocutora para os diálogos sobre preocupações urgentes do mundo como direitos humanos, sustentabilidade ambiental e a paz entre as nações? Basta ver os investimentos dos governos democratas em guerras e o negacionismo ambiental para ter desânimo.
Filme acusa golpe com apoio dos Estados Unidos
Depois de ser aplaudido no Festival de Cannes deste ano, o filme "Lula", dirigido por Oliver Stone e Robert Wilson, teve duas concorridas sessões no prestigiado Festival Internacional de Cinema Doclisboa, realizado na capital portuguesa na última semana de outubro.
Lula revive sua trajetória política, do desinteresse por política partidária à indignação com a situação dos trabalhadores, de líder sindical até a Presidência do Brasil. O foco da obra são as acusações que Lula enfrentou durante a Operação Lava Jato, que resultaram na sua prisão em 2018, o que o impediu de concorrer na eleição daquele ano.
Os diretores constroem a narrativa para explicar como todo processo, que incluiu o afastamento da presidente Dilma Rousseff e a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, foi um grande golpe com apoio dos Estados Unidos.
O filme relembra o descontentamento do governo norte-americano com a liderança política de Lula na América do Sul, que fortaleceu as parcerias econômicas dos países do Mercosul em detrimento da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), proposta por Washington para manter sua hegemonia na região.
Assim, presidentes como Hugo Chávez, da Venezuela, Nestor Kirchner, da Argentina, Rafael Correia do Equador, e o próprio Lula, foram alvo de denúncias e investigações para deslegitimar seus governos em uma estratégia de utilização do poder judiciário para fins políticos, chamado de lawfare (guerra jurídica).
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Quero receberO documentário também apresenta a Operação Lava Jato e a atuação do ex-juiz Sergio Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol como parte deste esquema de interesse da Casa Branca. Há outras entrevistas, entre elas, com os advogados de defesa de Lula e com o jornalista Glenn Greenwald.
Fatos excêntricos da política brasileira
O filme faz lembrar como foi árdua a jornada, não apenas de Lula, mas de boa parte da população brasileira, para enfrentar um período de trevas, que tentou minar nossa democracia, com o ódio e a violência como ferramentas de gestão contra instituições, movimentos sociais, comunidades mais carentes e defensores dos direitos humanos.
Na tentativa de contar ao mundo o que se passou na maior democracia da América do Sul, os diretores fizeram um bom trabalho de montagem para editar, em 90 minutos, tantos acontecimentos surpreendentes, dignos de criativos roteiristas, como o caso do hacker do interior de São Paulo, que conta como, de forma despretensiosa, teve acesso às trocas de mensagens entre os operadores da mais midiática operação da Justiça brasileira.
Ainda assim, faltaram fatos determinantes, como o negacionismo do ex-presidente diante da pandemia e sua responsabilidade no número excessivo de mortos no Brasil. Também estão ausentes os ataques à democracia e contra o resultado das urnas que estimularam a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023.
São passagens que fazem temer uma eventual vitória de Donald Trump, já que são passos muito parecidos com o que o Brasil experimentou de pior na gestão do país e que não teria mais controle em uma eventual reeleição, como lembrou uma das falas do filme. Por isso, não esquecer esse passado, tão recente e tumultuado, é tão essencial.
Declaradamente fã do presidente Lula, o premiado Oliver Stone coloca toda a atenção na jornada do seu herói, traçando o perfil de um líder popular, obstinado em provar sua verdade, defender seu legado e dar sua contribuição à democracia e aos que mais precisam dela.
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