Como liberação da maconha impacta vendas de sorvete, álcool e camisinha
Segundo pesquisadores, logo após a liberação do uso recreativo de maconha em Estados americanos houve um aumento de 3,1% no consumo de sorvete, 4,1% de biscoitos e 5,3% de salgadinhos. A análise se baseia nas vendas registradas em lojas varejistas entre 2006 e 2016.
Porta de entrada ou estímulo para outras drogas? Explosão do número de usuários? Aumento dos casos de violência e de doenças mentais? Alta da venda de bebidas alcoólicas? Avanço da natalidade e da obesidade? Afinal, o que pode acontecer ao comportamento da sociedade que libera o consumo de maconha?
Pesquisadores têm mapeado há décadas efeitos diversos da liberação dessa droga em Estados americanos, onde foi possível perceber recentemente, por exemplo, tanto um consumo menor de álcool e camisinha quanto um aumento das vendas de junk food.
"Identificamos que maconha e junk food são complementares, ou seja, a venda de guloseimas cresce com a legalização dessa droga", afirmou Michele Baggio, um dos autores do artigo e professor do departamento de Economia da Universidade de Connecticut, à BBC News Brasil.
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Segundo ele, logo após a liberação do uso recreativo de maconha houve um aumento de 3,1% no consumo de sorvete, 4,1% de biscoitos e 5,3% de salgadinhos. A análise se baseia nas vendas registradas em lojas varejistas entre 2006 e 2016.
Ele ressalta que esse estudo foi feito com base em informações concretas de consumo, e não em respostas que entrevistados de uma determinada amostra dá por meio de questionários e entrevistas.
Os pesquisadores compararam dados estatísticos de condados localizados nas divisas de Estados que liberaram o consumo de maconha com outros localizados nos vizinhos proíbem a substância. O objetivo foi evitar que outras variáveis pudessem influenciar os resultados dos estudos, que levaram em conta também recessos estudantis, sazonalidade e aumento da população.
Mas o que mais pode acontecer com a liberação além dos conhecidos efeitos ligados ao uso medicinal?
'Larica' e obesidade
Uma série de estudos científicos apontou que o THC (tetrahidrocanabinol), componente ativo da maconha, atua na região do cérebro responsável pelo apetite, e pode afetar a fome sentida, o olfato, o prazer em comer e a saciedade, por exemplo.
Para Michele Baggio, da Universidade de Connecticut, e Alberto Chong, da Universidade Estadual da Georgia, o estudo que associa liberação da maconha e aumento do consumo de junk food pode municiar políticas públicas de Estados que discutem a legalização de drogas enquanto lidam com a obesidade da população.
Mais de 30% dos adultos na América do Norte são considerados obesos. O excesso de peso tem um impacto de até US$ 210 bilhões por ano em gastos diretos e indiretos em saúde nos Estados Unidos, segundo estimativa do governo americano.
A liberação da maconha para uso recreativo tem impacto no peso da população ou pode agravar a atual epidemia de obesidade?
Estudos publicados nos Estados Unidos na última década dizem não.
Um dos mais recentes foi produzido pela Universidade de Michigan a partir de dados de 33 mil pessoas ao redor dos Estados Unidos ao longo de três anos.
O trabalho acadêmico identificou, por exemplo, que o consumo de maconha tem pouca correlação com a obesidade - e costuma levar a um ganho de peso pouco significativo. No grupo estudado, houve ganho generalizado de peso entre todos os ouvidos, mas em menor grau entre aqueles que dizem consumir maconha.
Há uma série de hipóteses, entre elas a mudança de neurônios relacionados à saciedade (compensando o aumento de apetite), a adoção de hábitos mais saudáveis para compensar o uso de uma droga e um impacto positivo da maconha sobre a incidência de desordens ligadas à obesidade, além de diferenças metabólicas entre as pessoas presentes no estudo.
Menos álcool, uso medicinal incentiva o recreativo
A correlação entre o consumo de maconha e de álcool já foi tema de dezenas de estudos que tentavam entender: uma substância substitui a outra ou elas são consumidas juntas?
Segundo uma revisão crítica de 39 deles, feita pela bioestatística Meenakshi Subbaraman, da entidade americana Grupo de Pesquisas sobre Álcool, 16 desses trabalhos indicam que maconha e bebida alcoólica são substitutas e 12 apontam que elas são complementares.
Em agosto passado, Baggio e Chong, desta vez acompanhados de Sungoh Kwon, da Universidade de Connecticut, publicaram um artigo novamente baseado em vendas do comércio varejista. Mas desta vez o trio de pesquisadores investigou a correlação entre o consumo de álcool e a liberação da maconha para uso medicinal.
Segundo o estudo, os condados que liberaram a droga para esse fim registraram uma queda de 12,4% nas vendas de bebidas alcoólicas, principalmente cerveja e vinho.
"A legalização da maconha medicinal nesse caso é relevante porque há uma extensão significativa dessa liberação para pessoas que usam a droga de modo recreativo", explica Baggio à BBC News Brasil.
O pesquisador afirma que essa queda das vendas de álcool não indica, no entanto, que pessoas que usavam cerveja e vinho como automedicação trocaram essas substâncias por maconha medicinal.
Mais sexo inseguro, maior natalidade
É consenso no meio acadêmico que o uso de maconha impacta negativamente tanto a fertilidade masculina quanto a feminina - há efeitos colaterais como queda na contagem de espermatozoides e desregulação do ciclo menstrual.
Por outro lado, estudos apontam desde os anos 1980 uma correlação positiva entre o consumo dessa droga e um comportamento sexual de risco, como a prática de sexo sem camisinha e com múltiplos parceiros. Mas essas pesquisas têm dificuldade de provar que uma atitude é causa da outra.
Em novembro passado, um terceiro estudo liderado por Michele Baggio procurou entender o impacto da liberação da maconha medicinal nas vendas de camisinha e nas taxas de natalidade. Foram analisados dados entre 2004 e 2014.
Segundo o artigo, a taxa de nascimentos por 10.000 mulheres em idade fértil passou de 4 para 5,3 em Estados que liberaram o uso da droga para fins medicinais.
Já a venda de camisinhas no varejo caiu 4,3%. "Não é possível falar com confiança se esse impacto é uma clara evidência de atividade sexual de alto risco", afirmam os pesquisadores.
O trio de cientistas ressalta em todos os estudos, por fim, que as pesquisas precisam ser aprofundados e as mudanças de comportamento em decorrência da liberação da maconha, acompanhados.
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