Eleições na Argentina: que economia Macri herdou e como está agora
Presidente argentino assumiu em 2015 com compromisso de corrigir desequilíbrios de décadas e eliminar a pobreza no país, mas, para além de pequenas vitórias e mais abertura ao exterior, enfrenta indicadores ainda problemáticos.
Quando, em 2015, Mauricio Macri venceu as eleições presidenciais na Argentina, organismos internacionais e mercados financeiros consideraram o político de centro-direita ? que neste domingo (27/10) busca sua reeleição ? como a pessoa que colocaria o país no caminho da disciplina fiscal.
Seu programa de campanha prometia reverter alguns dos males que assolam os argentinos há décadas.
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Para alguns, sua vitória marcou um ponto de inflexão depois da crise de 2001, quando o país protagonizou a maior moratória de dívida soberana da história, seguida pelo "corralito" (congelamento bancário de bilhões de dólares que gerou corrida aos bancos, rebeliões populares e conflitos que deixaram dezenas de mortos) e no meio de uma profunda crise econômica.
Desde então, a Argentina arrasta desequilíbrios que não foram solucionados por sucessivos governos ? nem pelo de Macri.
Nas eleições deste domingo, Macri não é favorito à reeleição, e a economia tem papel importante nisso.
Quando assumiu a presidência, deparou-se com um entrave ? o controle cambial ? imposto em 2011 pelo governo de Cristina Kirchner (hoje candidata a vice na chapa de Alberto Fernández) para evitar a fuga de dólares, que são muito presentes no dia a dia econômico dos argentinos comuns.
A economia do país estava fechada ao exterior, e a Argentina não tinha acesso a crédito para fazer frente a seus gastos.
Diante disso, as autoridades começaram a pagar os desequilíbrios com reservas do Banco Central, algo que levou à progressiva descapitalização desse órgão ? e algo que Macri conseguiu corrigir.
O presidente teve de lidar também com uma distorção de preços relativos gerada pela política de subsídios aplicada pelos governos Kirchner no transporte público de passageiros, no preço de combustíveis, de gás e eletricidade.
O kirchnerismo também havia congelado tarifas desses serviços, fazendo deles alguns dos mais baratos da América Latina, embora seu custo real, em dólares, fosse muito mais alto.
'Cansaço do kirchnerismo'
O governo de Cristina chegou ao fim com uma inflação de quase 27% em 2015, um pouco menor do que a do ano anterior.
"Ela foi embora (deixando) uma economia que tinha uma grande quantidade de desajustes, mas que crescia cerca de 3% ao ano, e a inflação estava ancorada no controle cambial", afirma Marina Dal Poggetto, diretora-executiva da consultoria argentina Eco Go.
"Havia uma enorme quantidade de desajustes macroeconômicos que não eram sustentáveis no tempo, mas não foi a economia que definiu aquelas eleições. O que a definiu foi um cansaço do kirchnerismo", opina, em alusão à força política que por 12 anos (2003-2015) governou o país com uma forte intervenção estatal sobre a economia e uma retórica antimercado.
O primeiro ato de Macri na Presidência foi reabrir a Argentina ao exterior e levantar o controle cambial.
Isso fez o peso argentino se desvalorizar 40% perante o dólar, mas o impacto não foi tão brusco, já que muitos preços já tinham como referência o dólar informal conhecido como "dólar blue".
E, embora momentaneamente ele tenha conseguido recuperar o controle da economia, isso durou pouco. Em maio de 2018, em um contexto de forte alta do dólar e aumento nas taxas de juros nos EUA, muitos investidores estrangeiros decidiram tirar seu dinheiro da Argentina.
Sem crédito, Macri se viu obrigado a pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e acertar um empréstimo de mais de US$ 50 bilhões.
E, passados quatro anos desde sua chegada ao poder, o "efeito Macri" se desinflou.
A economia argentina segue marcada por recessão, inflação galopante e uma desconfiança geral por parte de investidores, como consequência da deterioração de seus principais indicadores.
Antes se falava da "herança de Cristina" e, agora que o peronismo desponta como favorito para voltar ao poder, os kirchneristas falam da herança que será deixada por Macri.
Mas como Macri encontrou a Argentina, e como ela está agora?
A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, analisa a evolução de alguns dos principais indicadores econômicos:
Produto Interno Bruto (PIB)
Segundo dados oficiais do governo atual, a Argentina está em recessão oficial desde setembro de 2018, depois de acumular dois trimestres consecutivos de retração do PIB.
Macri herdou o país crescendo 2,7%, depois de um período de vaivém do governo anteiror, e chega às eleições presidenciais com o PIB em queda forte.
As estimativas do FMI preveem que a economia do país encolha até 3,1% neste ano.
"Um dos erros de Macri foi tratar cada problema da economia como um compartimento separado, em vez de lidar com o todo", opina Dal Poggetto, afirmando que o presidente encarregou o ministro de Energia com a resolução da questão tarifária, o presidente do Banco Central com a questão da inflação e o ministro da Economia com o tema fiscal, quando acha que, na verdade, todos os temas macroeconômicos estão entrelaçados.
De um lado, altas nas tarifas de serviços básicos impactam a inflação e, do outro, se o governo decide usar subsídios para que o bolso dos cidadãos não sofra tanto com a alta dos preços, é o equilíbrio fiscal que se deteriora.
"Não houve um programa econômico consistente", afirma.
Para a analista, em 2017 o mercado ainda estava se perguntando se "o governo Macri era um governo de transição entre dois populismos ou um que havia chegado de verdade para mudar as coisas".
Os resultados das eleições deste domingo trarão respostas a isso.
Inflação e pobreza
Se há algo difícil na convulsão econômica argentina é conseguir uma série histórica de seus principais indicadores.
Isso em parte se deve ao fato de que o Indec, instituto encarregado das estatísticas (equivalente ao IBGE brasileiro), sofreu intervenções por parte do governo entre 2007 e 2015, e seus números não eram considerados confiáveis.
Costuma-se dizer que o país viveu uma "emergência estatística nacional" na época de Cristina Kirchner, e diversas organizações independentes passaram a contabilizar por conta própria a inflação, que era muito mais alta do que a divulgada pelo governo.
Uma das primeiras ações de Macri foi devolver credibilidade às estatísticas. Mas, hoje, se as cifras já não são mais questionadas, elas tampouco mostram um quadro positivo.
Segundo o FMI, a Argentina terminará 2019 como o terceiro país do mundo com mais inflação, atrás apenas de Venezuela e Zimbábue, e terá preços 57,3% mais altos do que os do ano anterior.
Esses níveis de inflação são incompatíveis com o crescimento e asfixiam a vida econômica das famílias, que perdem poder aquisitivo, o que por sua vez freia o consumo.
Quando chegou ao poder, Macri prometeu reduzir a inflação e "zerar" a pobreza. Mas tanto o aumento de preços quanto a pobreza pioraram durante seu governo.
Se em 2015 a inflação foi de 30%, a equipe de Macri não apenas não conseguiu contê-la, como ela hoje é quase o dobro dessa cifra.
A origem do aumento é atribuída ao início de seu governo, quando foi extinta a política de subsídios do kirchnerismo: o fim do congelamento tarifário fez os preços subirem e a inflação decolar.
Mas, a despeito do profundo descontentamento social, Macri conseguiu, por exemplo, que os cortes de eletricidade e gás fossem minimizados, e a Argentina passou a recuperar seu autoabastecimento energético.
Em contrapartida, a correção desse desequilíbrio refletiu na pobreza, que passou de 30% em 2016 para 35,4% da população urbana, segundo o mais recente dado oficial disponível, no primeiro semestre de 2019.
Desemprego
Os desequilíbrios econômicos sofridos há anos pelos argentinos são palpáveis também no mercado de trabalho.
A taxa de desemprego, segundo organismos internacionais como FMI, Banco Mundial e Cepal, está em torno de 10% (no Brasil ela é ainda mais alta, 11,8% segundo a medição mais recente do IBGE, do trimestre entre junho e agosto), com um mercado altamente precarizado.
"O maior problema do país é o subemprego", afirma Eduardo Donza, sociólogo e pesquisador do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina. "Quase a metade dos trabalhadores ocupados, 49%, desempenham suas atividades em setores informais da economia, com empregos de muito baixa qualidade. São empregos de subsistência, como recicladores de resíduos que recolhem plásticos, (além de) vendedores ambulantes e limpadores de para-brisas de carros."
Ou seja, muitas dessas atividades estão próximas da mendicância.
Os 49% citados por Donza incluem também empregos ligados a políticas estatais, "em que o Estado inventa postos de trabalho quase sempre associados a obras públicas ou à economia social", muitas vezes em caráter temporário e com salários abaixo dos pagos pela economia formal.
Os outros 50% do mercado de trabalho estão repartidos entre 15% do setor público e 35% do setor privado formal, que são os que contribuem para o sistema previdenciário.
Em 2017, houve uma melhora dos indicadores, mas de pouca duração e, com a piora das condições econômicas no ano seguinte, freou-se a atividade empresarial e caiu o consumo interno, impactando para pior um mercado de trabalho já debilitado.
Macri assumiu a presidência com o desemprego na casa dos 9,2%, e o índice aumentou para cerca de 10% agora.
Reservas de dólares
As reservas em dólares são de grande importância para uma economia como a argentina: servem de ferramenta da política monetária, para frear a desvalorização do peso.
Além disso, são o indicador mais confiável da solvência de um país, ou seja, se o Estado consegue pagar suas dívidas.
A posição da Argentina, que sofre uma insuficiência crônica de moeda estrangeira, se agravou com a saída de capitais do país, sobretudo a partir das eleições primárias de agosto, que sinalizaram a vantagem do candidato Alberto Fernández (com Cristina como vice) no pleito deste domingo, apontando-o como potencial vencedor em primeiro turno.
"Macri recebeu uma situação muito difícil. As reservas já estavam muito baixas", explica Nicolás Cachanosky, professor associado de Economia na Universidade Metropolitana Estatal de Denver, nos Estados Unidos. "Ele se deparou com um cenário de altos déficits fiscais e, dado que o governo anterior havia entrado em default (moratória), não podia emitir dívida para pagar os gastos do Estado, não restava alternativa senão o Banco Central emitir os pesos necessários para enfrentar os gastos, e isso produz inflação."
As reservas, que estavam em US$ 24 bilhões, durante o mandato chegaram a superar US$ 77 bilhões. As eleições primárias, porém, aceleraram a perda de reservas, assim como seu uso pelo Banco Central para frear a desvalorização do peso, deixando-as em cerca de US$ 47 bilhões.
Câmbio peso-dólar
Das 16 últimas recessões vividas pela Argentina desde o fim da Segunda Guerra Mundial, 15 ocorreram porque "o país ficou sem dólares", segundo o Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento (Cippec).
Em uma economia como a argentina, na qual as pessoas guardam suas economias em moeda americana, qualquer desvalorização do peso é sentida muito rapidamente nos preços internos.
Ou seja, quando salta o preço do dólar, saltam também todos os demais preços. Foi o que ocorreu depois dos resultados das primárias de agosto.
"Na Argentina há um grande problema que se arrasta há anos, que é o escasso valor da sua moeda (peso). A desconfiança faz com que o dólar seja considerado uma reserva de valor", explica Donza.
Depois de uma subida vertiginosa, neste mês são necessários cerca de 60 pesos para comprar um único dólar.
O problema a curto prazo para a economia argentina é a dívida contraída com investidores nacionais e estrangeiros.
Com o câmbio subindo, essas dívidas ficam cada vez mais caras, o que faz com que aumente também o risco de a Argentina incorrer em mais uma moratória.
Por isso, quem sair vencedor neste domingo deverá ter como prioridade, segundo analistas, colocar em marcha um plano de estabilização.
Mas isso "ainda sequer está sendo discutido", afirma Dal Poggetto. "Os responsáveis políticos estão em campanha."
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