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O que representa Trump cumprir promessa e tirar EUA do Acordo de Paris

Mariana Sanches - @mariana_sanches - Da BBC News Brasil em Washington

04/11/2019 22h48

Fragilizado por um processo de impeachment, republicano cumpre promessa de campanha e tentar unificar a base, enquanto estados americanos aprovam leis ambientais rígidas.

A exatamente um ano de enfrentar a disputa eleitoral que poderá reconduzi-lo à Casa Branca ou retirá-lo da presidência, o presidente americano Donald Trump cumpriu uma promessa de campanha e notificou a Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a retirada dos Estados Unidos do Acordo do Clima de Paris.

O envio da carta de saída, divulgada pelo secretário do departamento de Estado Mike Pompeo, via Twitter, foi confirmado à BBC News Brasil pela ONU.

"Recebemos o pedido de retirada dos Estados Unidos do Acordo do Clima hoje e vamos iniciar as medidas para efetivar esse pedido unilateral. Mas a retirada efetivamente só acontecerá daqui um ano", afirmou o porta-voz da ONU Farah Haq.

O Acordo de Paris foi aprovado em 2015 por 195 países e tem como objetivo central impedir que a temperatura média no mundo aumente mais do que 2 graus celsius, o que levaria a sucessivas catástrofes ambientais que poderiam acarretar na extinção da humanidade.

Para isso, o acordo prevê que os países signatários devem atingir metas de redução de emissões de CO2, eliminado na atmosfera especialmente pela queima de combustíveis fósseis e madeira, e responsável pelo aquecimento global.

Para se ajustar às demandas do acordo, os países teriam que modificar as bases de sua produção industrial, de modo a torná-la mais sustentável. Trump afirmou em 2017 que, ao fazer esse tipo de exigência, o acordo "é desvantajoso" para os interesses da economia americana, porque levaria ao fechamento de fábricas e à perda de postos de trabalho na indústria carvoeira dos EUA, que ele prometeu incentivar. Além disso, para o mandatário americano, os termos do pacto feririam a soberania dos Estados Unidos sobre seu próprio território.

Pompeo retomou esses argumentos ao anunciar a saída do pacto nesta segunda-feira, dia 4: "Hoje começamos o processo formal de retirada do Acordo de Paris. Os EUA têm orgulho de nosso histórico como líder mundial em reduzir emissões, promover resiliência, fortalecer nossa economia e garantir energia para nossos cidadãos. O nosso modelo (energético) é realista e pragmático", disse o secretário no Twitter.

Um momento oportuno

Embora fosse promessa antiga, o anúncio da retirada acontece em um momento oportuno para Trump, que enfrenta tempos de fragilidade política desde que o Congresso iniciou um processo de impeachment contra ele, há pouco mais de um mês.

Na semana passada, a Câmara dos Representantes decidiu seguir publicamente com a tomada de depoimentos na investigação contra o presidente. Nessa terça-feira (5), as transcrições dos testemunhos do ex-embaixador na Ucrânia Kurt Volken e do embaixador na União Europeia Gordon Sondland se tornarão públicas. É sabido que ambas trazem elementos comprometedores contra Trump no episódio em que ele pediu ao presidente da Ucrânia uma investigação contra um dos pré-candidatos democratas, Joe Biden, em troca da liberação de recursos de ajuda militar ao país.

"Trump está sob ataque cerrado e a questão ambiental é extremamente polarizada nos Estados Unidos. Um anúncio como esse agora é uma maneira de manter a base unida e animada, uma estratégia para desviar a atenção do processo de impeachment", afirma Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

Os Estados Unidos emitem cerca de 15% do dióxido de carbono liberado na atmosfera atualmente. Trump afirmou no passado que poderia tentar renegociar uma nova entrada dos EUA no Acordo de Paris no futuro, com termos que, em suas palavras, fossem mais "justos com o povo americano". Na prática, no entanto, essa decisão dependerá de quem ganhar a presidência em 2020.

Promessa nos EUA, promessa no Brasil

Alinhado ideologicamente a Trump, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro também chegou a fazer promessas de retirar o Brasil do Acordo de Paris ainda durante sua campanha eleitoral, em 2018.

"O que está em jogo é a soberania nacional, porque são 136 milhões de hectares que perdemos ingerência sobre eles", afirmou, em referência à dimensão da área que deveria ser protegida de desmatamento pelo governo federal. "Eu saio do Acordo de Paris se isso continuar sendo objeto. Se nossa parte for para entregar 136 milhões de hectares da Amazônia, estou fora sim."

Já na condição de presidente eleito, ele voltou a defender a saída: "Nós vamos sugerir mudanças no Acordo de Paris. Se não mudar, saímos fora", disse Bolsonaro . "Quantos países não assinaram esse acordo? Muitos países importantes não assinaram, outros saíram. Por que o Brasil tem que dar uma de politicamente correto e permanecer num acordo possivelmente danoso à nossa soberania? A nossa soberania jamais estará em jogo".

Além da retirada do acordo de Paris, Bolsonaro havia prometido acabar com o Ministério do Meio Ambiente e rever as medidas de proteção ambiental do Código Florestal. O presidente também resolveu que o Brasil já não mais seria anfitrião de um acordo global do clima, marcado para acontecer no país no final de 2019. O encontro foi transferido para o Chile que, diante das intensas manifestações de rua que enfrenta, redirecionou o evento para Madri, na Espanha.

Os posicionamentos políticos de Bolsonaro caíram mal na opinião pública internacional. A possibilidade de que produtos agrícolas brasileiros sofressem boicote internacional levou o governo a rever seu posicionamento antes mesmo que as queimadas na Amazônia ganhassem manchetes em jornais do mundo todo. Em junho desse ano, no encontro dos líderes dos países do G-20, em Osaka, Japão, o presidente sinalizou à comunidade internacional a intenção de manter o compromisso estabelecido no acordo do clima.

"Os ambientalistas pressionaram, claro, mas quem demoveu o Bolsonaro de sair do acordo foram os setores da economia, do agronegócio", afirmou à BBC News Brasil o ambientalista João Paulo Capobianco, ex-presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Ainda assim, o discurso negacionista em relação às mudanças climáticas é uma constante no alto escalão do governo Bolsonaro.

"Há mudanças climáticas? Sim, certamente, sempre teve. É causada pelo homem? Muitas pessoas dizem que sim, não sabemos com certeza", afirmou o chanceler Ernesto Araújo em discurso no think tank conservador Heritage Foundation, na capital americana em setembro.

Para Araújo, a discussão climática, que chamou de "climatismo", é usada como pretexto para questionar a soberania do Brasil sobre seu território. Dias antes do discurso do chanceler, Bolsonaro havia entrado em embate direto com Emmanuel Macron, presidente francês, que questionara o país pelas queimadas na Floresta Amazônica.

"Como alguém em tempos de paz pode sonhar em quebrar a soberania de um país como o Brasil dizendo que a Amazônia está em chamas? De novo por causa de ideologia, dessa reclamação de crise climática, vamos salvar o planeta", disse Araújo que, na ocasião, voltou a negar a intenção do Brasil de sair do acordo do clima.

Para Capobianco, no entanto, o discurso é só isso: retórica. Na prática, é improvável que a medida de Trump implique alguma alteração na posição do Brasil em relação ao acordo.

"É claro que essa decisão dos americanos assanha algumas alas da gestão. Mas já ficou claro para o governo brasileiro que o Brasil não é os Estados Unidos. O Brasil é muito mais dependente do comércio de commodities do que os americanos e não tem como fazer frente aos constrangimentos internacionais em relação ao comportamento ambiental", diz Capobianco.

Historicamente, Brasil e Estados Unidos ocupam posição muito distintas no debate internacional sobre meio ambiente. Enquanto o primeiro assumiu protagonismo no tema ainda na década de 1990, o segundo reluta em se posicionar de modo efetivo em relação ao assunto. Um exemplo disso é o fato de os americanos não terem ratificado o acordo anterior ao de Paris, o Protocolo de Kyoto. Assim, politicamente, tomar uma medida como essa teria um impacto negativo muito maior no público brasileiro do que potencialmente terá no eleitorado americano no geral.

"A questão ambiental trouxe muitas críticas ao governo brasileiro, que está agora de novo em posição delicada com a questão do óleo no Nordeste. O ministro do Meio Ambiente teve a filiação suspensa pelo próprio partido pelo mau trabalho que tem desempenhado. Então seria uma jogada muito imprudente de Bolsonaro tentar mimetizar o Trump nisso agora", opina Casarões.

Procurado pela BBC, Ernesto Araújo não quis comentar a saída dos americanos do acordo.

Impacto limitado para o mundo

Embora qualifique como "deplorável" a decisão de Trump de sacar os EUA do acordo do clima, Capobianco acredita que os efeitos da decisão sobre o esforço global de reduzir as emissões é limitado. Essa opinião é compartilhada por diversos especialistas. O Instituto Rocky Mountain, dedicado ao meio ambiente, calcula que mesmo que o governo federal dos EUA deixe de tomar medidas para evitar o aquecimento global, ainda assim os Estados Unidos devem ser capazes de cumprir em quase 70% a meta de redução de liberação do CO2 estabelecida para o país pelo acordo de Paris.

Isso porque mais de uma dezena de Estados americanos, liderados pela Califórnia, estão fortemente empenhados em implementar políticas locais ainda mais restritivas ao CO2 do que as preconizadas pelo Acordo de Paris.

"O acordo do clima leva em conta e dá força às iniciativas subnacionais, estaduais. Não é só o governo federal que importa. E os estados americanos têm sido bem-sucedidos na batalha contra Trump", diz Capobianco.

A retirada do Acordo de Paris é apenas mais uma das medidas tomadas na agenda ambiental do republicano. Domesticamente, Trump tenta enfraquecer essas iniciativas limpas. No caso mais recente, ele relaxou as exigências federais de eficiência energética dos carros movidos a combustível fóssil, contra o interesse da própria indústria automobilística, já equipada para produzir motores menos poluentes. Na prática, Trump autorizou os carros a poluírem mais e entrou na Justiça contra a Califórnia, cujas normas são mais rígidas, para impedir que a administração estadual possa atuar de modo independente ao governo federal.

Uma pesquisa publicada no periódico científico Science mostrou que, sob Trump, as terras federais americanas sofreram a maior devastação da história. O presidente defende desregulação da exploração dessas áreas, para aquecer a economia. Em setembro, o jornal New York Times contabilizou 85 regras ambientais que foram flexibilizadas ou enfraquecidas pela atual gestão, em três anos.

"Quase o mundo todo assinou o Acordo de Paris. Então os americanos podem enfraquecer o ânimo de algumas nações de implementar mudanças para combater o aquecimento global, mas mesmo isso tem limites. Os Estados Unidos nunca foram uma liderança no assunto clima. Vão continuar não sendo", diz Casarões.


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