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Eduardo Bolsonaro fala 'bobagem' ao acusar monopólio de armas no país, afirma presidente da Taurus

Eduardo Bolsonaro também compôs comitiva do presidente brasileiro à Índia - Alan Santos/PR
Eduardo Bolsonaro também compôs comitiva do presidente brasileiro à Índia Imagem: Alan Santos/PR

Ricardo Senra - @ricksenra - Enviado especial de BBC News Brasil a Nova Déli

27/01/2020 05h51

'Ninguém fabrica no Brasil porque ninguém é maluco de pagar 70% de taxas', afirmou Salesio Nuhs em entrevista à BBC News Brasil na Índia

O CEO da fabricante de armas Taurus reagiu à declaração de Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do presidente Jair Bolsonaro, que pretende atuar para atrair empresas estrangeiras do setor ao país e acabar com o que chama de monópolio no Brasil.

"Esse discurso do Eduardo Bolsonaro é descabido. Não existe monopólio, isso é uma bobagem. Ninguém fabrica no Brasil porque ninguém é maluco de pagar 70% de taxas", afirmou Salesio Nuhs em entrevista à BBC News Brasil na Índia, onde acompanha Bolsonaro em visita oficial como parte de uma comitiva de empresários do setor de defesa.

Eduardo Bolsonaro tem conversado com gigantes estrangeiras do mundo dos armamentos e munições, como a alemã SIG Sauer e a italiana Beretta, e quer ajudá-las a abrirem filiais no Brasil. Outras empresas do setor, como a austríaca Glock e a americana Smith & Wesson também estariam interessadas em investir no país.

O objetivo, diz, é "gerar empregos no Brasil, abrindo finalmente uma concorrência nesse setor, que hoje é dominado pela CBC/Taurus" — empresa privada que é alvo de críticas por dominar o setor e ter forte lobby junto a parlamentares, militares e forças de segurança.

"Se eu tivesse lobby, eu teria resolvido", rebate Nuhs sobre os entraves burocráticos do setor e a alta tributação. Segundo ele, há mais de 200 armas da empresa à espera da homologação do Exército brasileiro para poderem ser vendidas no país.

O executivo também negou ter influência sobre o governo Bolsonaro e afirmou que as doações eleitorais que fez a parlamentares em eleições passadas, antes do veto a repasses empresariais em eleições em 2015, foram todas dentro da lei. A Taurus doou, por exemplo, R$ 460 mil em quatro pleitos para Onyx Lorenzoni, hoje ministro da Casa Civil. Ele recebeu ainda R$ 100 mil da Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições, também comandada pela Taurus.

O presidente Bolsonaro já prometeu tanto derrubar decretos e portarias do Poder Executivo, que criam obstáculos à importação de armas e munições quanto reduzir a carga tributária que incide sobre os produtos do setor.

Controlada pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC, única fabricante de munições do país), a empresa fabrica mais de 1,3 milhão de armas por ano, e apenas 15% da produção é voltada ao mercado brasileiro. Hoje, é a quarta marca mais vendida nos Estados Unidos, onde abriu uma fábrica no ano passado, o maior mercado consumidor mundial de armas.

BBC News Brasil - O deputado federal Eduardo Bolsonaro fez críticas a um 'monopólio da Taurus' no Brasil. Como o senhor reage a essa declaração?

Salesio Nuhs - Hoje, a legislação brasileira acaba privilegiando quem exporta para o Brasil, não quem investe no Brasil. Eu tenho fábrica e pago 70% de impostos no segmento de armas.

Tenho fábrica nos Estados Unidos, inauguramos no ano passado, e vamos inaugurar agora uma na Índia.

Isso é uma coisa que o governo tem que resolver.

Esse discurso do Eduardo Bolsonaro é descabido. Não existe monopólio, isso é uma bobagem. Ninguém fabrica no Brasil porque ninguém é maluco de pagar 70% de taxas.

Além da questão tributária, há também a regulatória. Para você lançar uma arma no Brasil, você precisa passar por um órgão regulador. Isso hoje demora mais ou menos dois anos, se não tiver nada na fila. Nós, da Taurus, temos mais de 200 armas na fila para serem homologadas. É uma questão complexa que o governo tem que resolver.

BBC News Brasil - Figuras importantes do governo também sugerem que há um lobby da Taurus que dificulta a entrada de outras empresas no país.

Nuhs - Se eu tivesse lobby, eu teria resolvido isso (da homologação das armas). Isso é uma bobagem.

BBC News Brasil - Vários leitores da BBC News Brasil dizem que a Taurus tem uma relação muito próxima com o governo Bolsonaro. Foi uma importante doadora e por isso teria privilégios. Vocês, por exemplo, já doaram muito para o então deputado federal Onix Lorenzoni, hoje ministro da Casa Civil.

Nuhs - Não, até porque na eleição do Bolsonaro (empresa) não podia mais fazer doação. E sempre que fizemos doação fizemos dentro da lei. Para o Bolsonaro, nunca fizemos nenhuma doação. Nós somos uma empresa, e o que as pessoas não conseguem compreender é que a Taurus é uma empresa estratégica de defesa.

Não porque eu me considero. Isso é um decreto do Ministério da Defesa. Algumas empresas do Brasil são de defesa, como é o caso da CBC e da Taurus. Não existe relacionamento ou lobby nem nada parecido. Somos uma empresa com a qual o governo tem interesses estratégicos.

Essa questão do monopólio é uma bobagem também porque a gente exporta para mais de cem países. Todo dia eu ganho uma licitação em algum lugar no Brasil. Qual é o problema?

Nós somos a quarta marca mais vendida nos Estados Unidos, o maior mercado consumidor mundial de armas. Nós tivemos a coragem de ir para os Estados Unidos produzir lá em 1981 e disputamos o mercado americano. Não temos nenhuma dificuldade de concorrer no mundo competitivo do setor. Pelo contrário.

BBC News Brasil - Hoje vocês vão assinar um acordo junto a Jindal Group, uma empres indiana, uma negociação que está acontecendo há 11 meses.

Nuhs - Estamos finalmente para assinar essa joint venture, uma indústria aqui na Índia parte do projeto indiano Make in India. Todo mundo quer ter uma indústria de defesa. E a nossa parceria aqui envolve transferência de tecnologia para o governo indiano.

BBC News Brasil - Vocês terão 49% e os indianos 51%.

Nuhs - Sim. Por conta do projeto Make in India. Indústria de defesa é estratégica em todo lugar do mundo. A ideia, partindo daqui, só o mundo sabe. Para os interesses que vieram pela frente aí, nós estamos abertos.