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Criticado por alcance tímido, projeto de Moro contra homicídios irá a apenas 10 cidades em 2020

Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC News Brasil em Brasília

11/02/2020 06h04

Primeiros 5 municípios escolhidos para o 'Em Frente, Brasil' tiveram redução de homicídios e roubos de agosto e janeiro, mas crime já vinha caindo nessas cidades; especialistas em segurança pública veem obstáculos para ampliação e questionam programa.

Desde que lançou, no final de agosto, o programa piloto de enfrentamento à violência "Em Frente, Brasil", o Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado pelo ex-juiz Sergio Moro, celebra mensalmente a redução de homicídios e roubos nos cinco municípios atendidos ? Ananindeua (Pará), Cariacica (Espírito Santo), Goiânia (Goiás), São José dos Pinhais (Paraná) e Paulista (Pernambuco).

Segundo a divulgação mais recente, os assassinatos caíram em 44% no conjunto das cinco cidades entre 30 de agosto e 11 de janeiro, na comparação com o registrado entre 30 de agosto de 2017 e 11 de janeiro de 2018. Já os roubos diminuíram em 30%, no mesmo período.

No entanto, análise mais detalhada das estatísticas de violência dessas cidades ao longo de 2019 feita pela BBC News Brasil não permite, por enquanto, tirar uma conclusão clara sobre o êxito do programa, que em sua primeira fase se concentrou no aumento do policiamento nas áreas mais vulneráveis das cidades, com uso integrado da Força Nacional de Segurança Pública (FNS), Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, além das polícias locais.

Os homicídios têm caído em todo o país há dois anos, embora continuem em patamares altos. Dentro dessa tendência e refletindo programas estaduais de combate à criminalidade anteriores ao projeto-piloto de Moro, a redução dos assassinatos já vinha acontecendo nos municípios atendidos antes do início do "Em Frente, Brasil".

Não se nota, ao menos por enquanto, aumento relevante do ritmo de queda ? confira os números ao longo da reportagem, que mostram também quadro semelhante no caso dos roubos.

Além dos resultados ainda pouco claros do "Em Frente, Brasil", estudiosos do enfrentamento à criminalidade ouvidos pela reportagem consideraram o programa "tímido", já que atende um território muito pequeno do país.

Eles manifestam ceticismo em relação à capacidade do governo de expandi-lo para um número grande de cidades, destacando que não há meios suficientes para atender vários locais simultaneamente com a Força Nacional, instituição composta por policiais cedidos pelos Estados e originalmente pensada para atuar em situações de crise.

Já para a segunda fase do programa, a promessa é de investimentos na área social que devem ser iniciados a partir do próximo trimestre ? no entanto, embora essa etapa estivesse prevista desde a concepção inicial do "Em Frente, Brasil", em janeiro de 2019, o governo Federal ainda está acabando de planejar com os Estados e municípios envolvidos quais serão os projetos adotados.

"Não é criação de novas políticas, é pegar as políticas que já existem e focalizar nessas áreas territoriais de alta incidência de criminalidade", disse Moro sobre o programa, em visita a Goiânia em setembro.

"Gostaríamos de poder ter perna para estar em todos os municípios, mas é projeto-piloto. Se recursos são limitados, e recursos sempre serão, temos que focalizar estes recursos e temos que nos integrar", disse também, na ocasião, segundo a Agência Brasil.

Em 2020, apenas mais cinco novas cidades

Questionado sobre as críticas ao tamanho do "Em Frente, Brasil", o diretor de Políticas de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marcelo Moreno, disse à BBC News Brasil que objetivo não é levar o programa aos 5.570 municípios brasileiros, mas às 120 cidades mais violentas, que concentram metade dos homicídios do país.

A previsão, porém, é incluir apenas mais cinco cidades, ainda não definidas, no segundo semestre de 2020 ? nesse ritmo, apenas em 2042 todos os municípios mais violentos seriam atendidos, mas a pasta diz que pretende acelerar a expansão.

O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, considera o programa "muito bom em termos conceituais", ao "pensar segurança como prevenção e repressão de forma simultânea". No entanto, ele diz que o governo federal, ao tentar fazer o papel de policiamento dos Estados com a Força Nacional, acaba tornando o programa inviável em larga escala.

Desde 30 de agosto, cada cidade recebeu reforço de 100 policiais da FNS, sendo 80 militares e 20 civis. A previsão é que fiquem ao menos até junho, podendo haver prorrogação.

O ministério não divulga o efetivo total da Força Nacional "por questões estratégicas e de segurança", mas, de acordo com levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública a partir do Diário Oficial da União, a mobilização para essas cinco cidades representou 15% do emprego da FNS no ano passado.

Para efeito de comparação, operações ambientais e em terras indígenas (ações em apoio a Ibama, Funai e Instituto Chico Mendes, por exemplo) representaram 12% da atuação da Força Nacional em 2019, exatamente metade do que representaram em 2019 (24%).

"Como projeto-piloto, o programa é um sucesso, só que está consumindo 15% da Força Nacional de Segurança. Imagina tornar isso uma atividade permanente, não tem dinheiro que dê conta. Não adianta criar um cenário artificial perfeito e depois não ser replicável em mais cidades", crítica Lima.

Na sua avaliação, a União deveria concentrar seus esforços na "coordenação nacional de políticas de segurança", por exemplo, promovendo monitoramento de iniciativas já em curso, para identificar quais são as práticas mais eficientes e que devem ser replicadas.

"Precisamos saber, por exemplo, para cada R$ 1 que o prefeito investe em educação integral em territórios conflagrados, quanto retorna em termos de redução da violência e em quanto tempo? É a União que pode fazer isso", exemplifica.

R$ 20 milhões ainda não foram usados

Enquanto no lançamento da primeira fase do programa foram anunciados R$ 4 milhões para investimentos em segurança em cada uma das cinco cidades (dinheiro liberado apenas no fim do ano e ainda não executado em nenhuma delas), o Ministério da Justiça e Segurança Pública disse à reportagem que o aporte da segunda fase ainda está sendo definido.

Apenas em dezembro começaram a ser realizadas nas cinco primeiras cidades oficinas envolvendo representantes das secretarias estaduais e municipais e de dez ministérios, para pensar ações em áreas como cidadania, educação, esporte, saúde e urbanismo.

Em Cariacica, primeira cidade a receber as oficinas, as iniciativas da fase dois ainda estão sendo estruturadas e devem começar a ser implementadas no segundo trimestre, segundo o secretário de Economia e Planejamento do Espírito Santo, Álvaro Duboc.

Nessa cidade da região metropolitana de Vitória, a primeira fase não intensificou a queda de assassinatos, que já vinha ocorrendo nos primeiros meses do ano, quando o governo estadual retomou o programa de enfrentamento à violência "Estado Presente em Defesa da Vida", paralisado desde 2015.

Entre janeiro e agosto de 2019, foram registrados 97 homicídios em Cariacica, redução de 7,6% ante o mesmo período de 2018. Já de setembro a dezembro foram 48 mortes, 5,9% a menos do que nos últimos quatro meses do ano anterior.

Já a diminuição dos roubos também apresenta ritmo quase idêntico antes e depois do "Em Frente, Brasil": a queda foi de 28% de janeiro a agosto, e de 29% no restante de 2019.

O secretário Duboc diz que a expectativa é que a segunda fase viabilize, por exemplo, mais ações para reduzir a evasão escolar e ampliar o atendimento a dependentes de álcool e outras drogas.

"Pela primeira vez temos uma proposta que trabalha de forma interfederativa, com responsabilidade do governo federal e de Estados e municípios. Isso é positivo, mas ainda precisamos entender de que forma o governo federal vai participar efetivamente nesse trabalho, como vai articular os demais ministérios (além da pasta da Justiça) para que tragam também a sua contribuição nesse processo", disse à BBC News Brasil.

'Primeira fase foi mais do mesmo', crítica Sou da Paz

Para a diretora executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, também falta clareza sobre o que será feito na segunda fase do programa. Ela considera que a primeira fase, ao dar prioridade à atuação ostensiva das forças de segurança, foi "mais do mesmo" em relação ao que já se faz no país para conter a violência. "Não só acho que é um programa muito tímido, como inova pouco", afirma.

Na sua avaliação, seria mais efetivo para reduzir os assassinatos no país, por exemplo, criar metas para os Estados de aumento da resolução dos homicídios ? hoje muito baixa ? atrelando a liberação de recursos a ações nessa área, como criação de delegacias especializadas e investimento em perícia.

Ela critica o baixo repasse para os Estados de verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública, que em 2019 passou a ser alimentado por recursos das loterias e teve orçamento recorde de R$ 1,7 bilhão, mas sofreu forte contingenciamento pelo governo federal.

"Apenas R$ 250 milhões do fundo foram distribuídos aos Estados. Nós recebemos R$ 6,9 milhões, quase no último dia do ano. A quantia é vergonhosa", reclamou também o secretário da Segurança Pública do Espírito Santo, Roberto Sá.

Ele disse concordar que estão faltando "medidas estruturantes" de combate à violência por parte da União, mas destacou como "boas novidades" do "Em Frente, Brasil" o maior engajamento da Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal com as polícias estaduais, e a "inclusão de um eixo de proteção social" na segunda fase do programa.

Segundo Sá, os R$ 4 milhões destinados a Cariacica, também liberados no final de 2019, serão usados para instalar câmeras de monitoramento com tecnologia mais avançada de leitura de caracteres, sistema semelhante ao adotado no ano passado em Vitória.

Apoio da Abin

Marcelo Moreno, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, contesta que a primeira fase do programa ? chamada pela pasta de "choque de ordem" ? seja mero aumento ostensivo da presença policial nas ruas. Ele diz que essa ação territorial foi detalhadamente planejada, com mapeamento das áreas mais vulneráveis nas cidades, inclusive com "análise de campo da Abin" (Agência Brasileira de Inteligência).

Destaca também a atuação articulada envolvendo policiais civis da Força Nacional, policiais federais e a Polícia Civil estadual na realização de investigações. Segundo ele, a partir disso estão sendo produzidos "protocolos de polícia judiciária" (polícia investigativa), que permitirão que boas práticas desenvolvidas no projeto sejam levadas a outras cidades.

"Estamos focando na desarticulação de gangues, do tráfico de drogas, nesses territórios mais violentos, Então, o projeto 'Em Frente, Brasil' tem como vertente principal a institucionalização de procedimentos, é pegar uma ação que por muitas vezes era difusa e trazer uma lógica para ela", argumenta Moreno.

O secretário de Defesa Social de Pernambuco, Antônio de Pádua, tem análise semelhante, embora também seja cético sobre a ampliação significativa do programa.

"Talvez a grande dificuldade do governo federal seja realmente dar escala, mas dentro de um projeto você consegue extrair boas práticas e disseminar isso. Fazer com que União, Estados e municípios consigam fazer um diálogo permanente também já é um grande avanço", pondera.

Em Paulista, cidade na região metropolitana do Recife, o ritmo de redução dos homicídios recuou de -34% nos primeiros oito meses de 2019 para -19% nos quatro meses finais, sempre em comparação com os mesmos intervalos de 2018.

Já a queda dos roubos se acelerou, passando de -7% entre janeiro e agosto para -30% no restante do ano. O Estado também tem um programa próprio de enfrentamento à violência, o "Pacto Pela Vida".

O coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas de Segurança e professor do Departamento de Sociologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), José Luiz Ratton, questiona a escolha da cidade para receber o programa.

"Paulista não é o município mais problemático de Pernambuco em termos de violência. Me parece muito pouco, para um governo que tem um ano, estabelecer um programa piloto em cinco cidades, definidas sem critérios claros", disse ele.

"Esse governo emite sinais contraditórios. Por um lado ele estabelece uma presença ostensiva da Força Nacional, que é temporária, para tentar reduzir homicídios, por outro lado busca facilitar a aquisição de armas de fogo, medida que, as pesquisas científicas mostram, provoca o aumento dos crimes violentos", notou ainda.

O ministério não quis comentar a crítica sobre as medidas que flexibilizam acesso a armas. A pasta destacou que as cidades foram escolhidas não por serem as mais violentas, mas por terem historicamente níveis altos de homicídios. Também era necessário que o município e o Estado tivessem boa situação fiscal para poder arcar com contrapartidas dentro do programa.

Forte queda de homicídios antes do programa

Ananindeua, município da região metropolitana de Belém, apresentou redução expressiva de homicídios ao longo de todo o ano passado.

De janeiro a agosto de 2019, antes do programa federal, foram assassinadas 113 pessoas na cidade, 58% a menos que nos primeiros oito meses de 2018. Já entre setembro e dezembro, quando houve 37 homicídios, a queda na comparação com o mesmo período do ano anterior se ampliou para 64%.

O secretário de Segurança Pública do Pará, Ualame Machado, aponta alguns fatores que explicam esse resultado. Em março, conta, uma operação da Polícia Civil prendeu dez policiais suspeitos de integrarem organização criminosa que realizava execuções em Ananindeua e numa cidade vizinha, Marituba.

Depois, em junho, o bairro Icuí, em Ananindeua, recebeu o programa estadual "Territórios pela Paz", que, assim como o projeto de Moro, busca articular políticas sociais e de segurança.

Além disso, desde janeiro de 2019, o governo paraense ampliou o policiamento nas áreas mais sensíveis da região metropolitana de Belém, com o programa "Polícia Mais Forte", que paga policiais para trabalhar no horário de folga e colocou 60 viaturas usadas na área administrativa para rodar à noite. Na capital paraense, os homicídios também caíram pela metade em 2019.

Sobre o "Em Frente, Brasil", Machado considera positiva a atuação da Força Nacional em Ananindeua, ao possibilitar a troca de conhecimento entre policiais do Estado e de outras regiões do país. Mas ele também reconhece a dificuldade de ampliar essa ação. "De fato, a Força Nacional não tem condições de atender a todos os municípios, ou mesmo 50, 100 municípios do país", afirma.

Goiânia e São José dos Pinhais

Na região metropolitana de Curitiba, São José dos Pinhais registrou 36 homicídios até agosto de 2019, uma redução de 10% ante o mesmo período de 2018.

Pouco depois do início do programa federal, houve uma alta nos assassinatos na cidade em outubro, que o presidente Jair Bolsonaro atribuiu a uma "disputa no município entre facções criminosas", em uma publicação feita em novembro em sua conta do Facebook para exaltar o projeto de Moro. A situação melhorou no final do ano, de modo que São José dos Pinhais fechou com redução de 26% nos homicídios entre setembro e dezembro de 2019, na comparação com os últimos meses do ano anterior.

Já a queda dos roubos passou de -18% nos primeiros oito meses do ano para -25% nos quatro meses finais, sempre em comparação com os mesmos intervalos de 2018.

"São José dos Pinhais vinha com tendência de redução (dos crimes) desde 2017, tanto homicídios como roubo, assim como todo o Paraná. Com o 'Em Frente, Brasil', demos continuidade a isso no município", disse o coordenador operacional da força-tarefa do projeto em São José dos Pinhais, coronel Nivaldo Marcelos da Silva.

Em Goiânia, ocorreram 188 homicídios nos primeiros oito meses de 2019, queda de 33% ante o mesmo intervalo do ano anterior. Após o "Em Frente, Brasil", houve 79 assassinatos entre setembro e dezembro, número 39% menor que o registrado nos quatro meses finais de 2018. A Secretaria de Segurança Pública de Goiás não atendeu ao pedido de entrevista, nem disponibilizou dados sobre roubos.


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