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Funai pede à Força Nacional que barre protesto indígena para 'evitar propagação do coronavírus'

Soldados da Força Nacional de Segurança observam indígenas durante dança na entrada da Funai, em Brasília - Funai via BBC
Soldados da Força Nacional de Segurança observam indígenas durante dança na entrada da Funai, em Brasília Imagem: Funai via BBC

João Fellet

Da BBC News Brasil em São Paulo

13/03/2020 17h12

Receosa de que grupos de indígenas pudessem realizar manifestações em sua sede nesta semana, a Funai (Fundação Nacional do Índio) pediu apoio da Força Nacional de Segurança para proteger o edifício e "evitar aglomerações como medida preventiva à propagação do novo coronavírus".

Em nota divulgada hoje, a Funai afirma que o pedido se ampara em um decreto do governo do Distrito Federal, que, na quarta-feira (11), determinou medidas para conter a expansão do vírus, entre as quais a suspensão de eventos com público superior a cem pessoas.

"Diversos eventos estão sendo cancelados no Distrito Federal para reduzir o risco de contágio e evitar a disseminação da pandemia. A ameaça do coronavírus é grave para as populações indígenas, e medidas preventivas são necessárias para garantir a integridades dos povos tradicionais", diz a Funai na nota.

A posição da Funai foi criticada por procuradores do Ministério Público Federal (MPF), para quem a fundação usa o novo coronavírus como desculpa para cercear o direito de manifestação dos indígenas.

Delegações de diferentes etnias — entre as quais a Pataxó e a Kayapó ? estiveram em Brasília nesta semana para se reunir com autoridades e se manifestar em prol de suas causas.

Ao chegar à Funai, depararam com soldados da Força Nacional de Segurança. Informados de que os agentes estavam ali para impedir a propogação do novo coronavírus, alguns indígenas ironizaram.

"Eles questionaram se os soldados usariam os escudos para se proteger do vírus", diz à BBC News Brasil Marcia Brandão Zollinger, procuradora da República no Distrito Federal.

Na quinta-feira (12/03), Zollinger assinou um documento no qual o Ministério Público Federal recomendou ao Ministério da Justiça que revogasse a portaria autorizando o uso da Força Nacional na Funai.

A procuradora criticou o argumento da Funai de que a Força Nacional ajudaria a conter o vírus.

"Achei estranho, pois não tenho notícia de nenhuma medida da Funai para testar os indígenas ou medir temperaturas antes que voltassem para suas aldeias. Essas sim seriam ações preventivas e que não os impediriam de fazer uma manifestação", ela afirma à BBC News Brasil.

Eventos adiados

A portaria do Ministério da Justiça, publicada na quarta-feira (11), autorizava o emprego da Força Nacional de Segurança "nas ações de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, na defesa dos bens e dos próprios da União, no interior do prédio da Funai, na cidade de Brasília-DF, em caráter episódico e planejado, nos dias 11, 12 e 13 de março de 2020".

A portaria não fez qualquer menção ao novo coronavírus.

Zollinger, do MPF, diz que os próprios indígenas, conscientes da gravidade da pandemia do novo coronavírus, cancelaram eventos e voltaram a suas aldeias antes que o previsto.

Na quinta-feira, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) adiou o Acampamento Terra Livre ? a maior reunião anual de povos indígenas em Brasília, que estava agendada para ocorrer entre os dias 27 e 30 de abril.

A Apib diz que uma nova data será agendada "conforme as recomendações das instituições de saúde e governamentais".

Em nota, a organização afirma que a pandemia do novo coronavírus torna "mais urgente ainda a necessidade de ampliar o serviço de saúde pública e a garantia dos subsistemas de saúde indígena, por meio da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e Distritos Sanitários Especiais Indígenas, com condiçoes adequadas de assistência de saúde aos povos indígenas".

"E tão logo o vírus esteja controlado, definiremos uma nova data para nossa maior mobilização nacional, que neste momento de ataques, invasões, conflitos e retiradas de direitos se faz tão urgente e necessária", diz o órgão.