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Os 'kamikazes' alemães da Segunda Guerra Mundial

Parte traseira de um avião com o símbolo do governo nazista alemão - Reprodução/site
Parte traseira de um avião com o símbolo do governo nazista alemão Imagem: Reprodução/site

Gabriel Bonis - De Berlim para a BBC News Brasil

15/03/2020 13h08

Em abril de 1945, a Força Aérea nazista já não tinha como enfrentar seus inimigos. Partiu, então, para o desespero: chocar seus aviões contra bombardeiros dos Estados Unidos.

Durante grande parte da Segunda Guerra Mundial, a Luftwaffe parecia imbatível em combates nos céus europeus. Seus experientes pilotos e aeronaves eram temidos pelos Aliados. Mas em abril de 1945, quando o conflito se aproximava do fim, há 75 anos, a supremacia da Força Aérea da Alemanha Nazista havia desaparecido.

Esse cenário forçou os nazistas a adotarem medidas desesperadas. A Luftwaffe implementou, assim, a força-tarefa Sonderkommando Elbe, cujo objetivo era chocar aeronaves alemãs durante o voo contra aviões bombardeiros dos EUA para tentar derrubá-los com o impacto e afastar os Aliados do espaço aéreo alemão por algumas semanas.

Era um conceito diferente daquele dos kamikazes japoneses, contudo. Os nazistas não exigiam que seus pilotos ficassem nos aviões até o contato final. Eles teriam a possibilidade de acionar o paraquedas pouco antes do choque, embora as chances de sobrevivência fossem baixas.

"Os nazistas decidiram criar esse comando no final de 1944. Foi a solução que conseguiram pensar para quebrar a superioridade das forças aéreas aliadas, que já não eram desafiadas pela Força Aérea da Alemanha", afirma à BBC News Brasil o historiador Arnd Bauerkämper, da Universidade Livre de Berlim.

O espaço aéreo alemão ainda mantinha alguma proteção com sua artilharia, continua o historiador, mas a Luftwaffe "era simplesmente fraca demais". "Eles tinham esses novos jatos, o M 262, que infligiu algumas perdas aos aliados, mas a superioridade dos aliados era excessiva."

Àquela altura do conflito, parte considerável da infraestutura alemã, incluindo refinarias de petróleo e indústrias importantes, havia sido dizimada pela intensa campanha de bombardeios aéreos das tropas aliadas desde julho de 1944. Sem combustível e outros recursos necessários para enfrentar seus inimigos, a defesa aérea nazista entrou em colapso.

"Em 1º de abril de 1945, a Luftwaffe possuía 7,8 mil aeronaves, entre elas 3,4 mil caças. A taxa de prontidão por problemas técnicos ainda era bastante alta, provavelmente acima de 50%. Mas as operações e o treinamento foram seriamente dificultados pela ausência de combustível", explica Jens Wehner, historiador do Museu de História Militar da Bundeswehr (as forças armadas unificadas da Alemanha), em Dresden.

O plano

Segundo o historiador Rolf-Dieter Müller, no livro O Reich alemão e a Segunda Guerra Mundial, 10 volumes, vol.10, O fim do Terceiro Reich: O colapso do Reich alemão 1945 - A derrota militar de Wehrmacht, a operação foi incentivada pelo piloto e coronel Hajo Herrmann. Havia resistência, entretanto, no alto escalão da Luftwaffe.

"Hermann Göring, como chefe da Força Aérea, e outros não queriam que soldados se sacrificassem. Mas, no final, a superioridade aérea Aliada era quase total e a situação da Força Aérea alemã desesperadora. Essa situação ajudou Hajo Hermann e outros partidários da operação a convencerem seus superiores", conta Wehner.

Em seu livro, que integra uma coletânea das mais completas sobre a Segunda Guerra Mundial, Müller afirma que há poucos detalhes sobre o quanto Adolf Hitler sabia a respeito Sonderkommando Elbe. O Führer, porém, se recusou a forçar pilotos a participarem da operação.

A equipe teria que ser composta por voluntários que sabiam dos riscos e poderiam desistir sem nenhuma consequência. Mais de 2 mil se ofereceram, em um sinal da força da propaganda nazista. Cerca de 150 foram selecionados, a maioria com menos de 20 anos de idade.

"É muito difícil identificar apenas uma motivação para os pilotos. Alguns haviam perdido parentes nos ataques aéreos dos aliados e queriam vingança. Outros acreditavam na missão de defender a Alemanha, não necessariamente a Alemanha nazista, mas a nação. A terceira motivação era honra militar. Acreditavam que era seu dever lutar até o fim", diz Bauerkämper.

A ideologia nazista, prossegue o acadêmico, também era tudo o que aqueles jovens pilotos conheciam. "O Nacional Socialismo e a Juventude Hitlerista os doutrinavam com suas crenças, nacionalismo extremo, racismo e com a hostilidade aos anglo-americanos e aos bolcheviques."

As intenções alemãs de criar uma operação naqueles moldes não eram desconhecidas pelos norte-americanos. Documentos secretos do período, agora desclassificados e obtidos pela reportagem da BBC News Brasil junto à Agência de Pesquisa Histórica da Força Aérea dos EUA, mostram que Washington sabia dessa possibilidade desde 1944.

Em 13 de janeiro de 1945, uma mensagem interna das forças armadas cita: "um piloto alemão da Lufthansa afirma que a Alemanha estava treinando e doutrinando nos últimos dois meses jovens pilotos nazistas para voar aviões especialmente designados para colisão aérea com bombardeiros inimigos e escapar por uma saída especial. 50% de baixas esperadas". Os americanos mandaram tratar a informação com ressalva.

A batalha única

Perdendo recursos valiosos a cada dia, os nazistas se recusaram a desperdiçar pilotos experientes na operação. Foram selecionados, então, jovens que tivessem acabado - ou quase - de concluir o treinamento de voo. Tudo foi mantido em absoluto segredo.

Os escolhidos ainda passaram por um curto treinamento especial para a operação, que segundo documentos britânicos era de caráter muito mais político, com algumas instruções táticas.

O plano incluía o uso de modelos leves do Me 109, sem armas "supérfluas" e armadura, para dificultar que fossem abatidos pelos jatos que protegiam os bombardeiros dos Aliados. Esses aviões chegariam a uma altura elevada acima dos bombardeiros, de onde mergulhariam com o objetivo principal de separar a calda da fuselagem com a colisão.

De acordo com Müller, a primeira e última missão da Sonderkommando Elbe ocorreu na área de Magdeburg, na Saxônia, em 7 de abril. E ela foi absolutamente desproporcional: mais de 100 Me-109, protegidos por cerca de 50 jatos Me-262, mergulharam contra 1,3 mil bombardeiros aliados - também esses escoltados por cerca de 800 aviões.

Durante o ataque, a comunicação via rádio estava indisponível para os pilotos que realizariam as colisões. Havia apenas "música de marcha" e uma voz feminina enviando slogans ideológicos nazistas "que deveriam apelar ao idealismo dos jovens" voluntários.

O resultado da batalha aérea não foi dos melhores para a Luftwaffe. Müller menciona 77 pilotos mortos e 133 aeronaves perdidas "devido à ação do inimigo e pousos de colisão por pilotos inexperientes". Já documentos americanos citam a perda de 120 pilotos alemães.

Jatos Me-262 destruíram 28 aeronaves inimigas e aviões de pistão outras 23. Mas apenas oito bombardeiros foram derrubados em colisões diretas pelos jovens pilotos. Ao todo, os americanos perderam somente 17 bombardeiros e cinco caças.

Entre oficiais dos EUA, houve dissenso sobre se as colisões foram realmente intencionais ou apenas acidentes. Um memorando do diretor de inteligência da 8ª Força Aérea norte-americana, datado de 8 de abril, cita inicialmente o "desespero dos ataques inimigos" e "evidência de colisão suicida".

Interrogatórios posteriores da tripulação levaram a Terceira Divisão Aérea a concluir que não havia provas suficientes para dar suporte a essa teoria: "esses não foram ataques de colisões suicidas, mas em cada caso eram aeronaves claramente fora de controle, seja por ferimento do piloto ou por falência estrutural da aeronave que atacava", indica um documento secreto.

A eficiência do ataque nazista pode ser contestada, mas esse não era o único objetivo da Sonderkommando Elbe. "Tenho certeza de que o comando das Forças Aéreas alemãs sabia do fracasso final da operação. Mas essa também era uma medida de propaganda, porque eles queriam mostrar que defendiam civis alemães inocentes. Foi uma demonstração de força, uma medida de propaganda mais do que uma operação realmente militar", conclui Bauerkämper.