El Salvador junta presos de gangues rivais em meio a pandemia
Após aumento súbito nos homicídios no país, presidente Nayib Bukele ordenou 'emergência máxima' nas prisões, impondo medidas que analistas chmaram de 'bomba-relógio'.
"As celas para uma mesma gangue terminaram, nós misturamos todos os grupos terroristas em uma mesma cela, em todos os centros penais de segurança. O Estado deve ser respeitado!"
Com este tuíte, o vice-ministro da Justiça e Segurança Pública de El Salvador, Osiris Luna Meza, confirmou no domingo o início de uma das medidas previstas no estado de emergência decretado nas prisões após o recente aumento de homicídios no país, para impedir que partam delas ordens de crimes no mundo exterior.
Junto com o anúncio, Luna Meza e outros perfis do governo no Twitter começaram a postar imagens impressionantes de detentos em prisões superlotadas nas quais membros de gangues rivais são vistos juntos, a julgar pelas tatuagens que os identificam.
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Nas fotos, dezenas de prisioneiros são vistos reunidos, sentados no chão em fileiras e algemados, quase colados uns aos outro e com apenas alguns deles usando máscaras.
As fotos mostram que o isolamento social em vigor no resto do país não está sendo praticado nas unidades penais de El Salvador, onde, desde o final de março, há uma quarentena obrigatória para impedir a propagação do coronavírus.
Organizações de direitos humanos e outros especialistas alertaram sobre as consequências desta e de outras medidas drásticas, como a autorização pelo presidente, Nayib Bukele, de que a polícia e o Exército usem "força letal" no combate à onda de violência no país.
O que significa o estado de emergência nas prisões?
Bukele mandou, na sexta-feira (24/4) à noite, que Luna Meza, que é diretor-geral das unidades carcerárias do país, instaurasse um estado de "emergência máxima" em todas as prisões que abrigam membros de gangues após receber "informações de inteligência sobre ordens de homicídios emitidas a partir delas".
Foi uma resposta ao súbito aumento da violência no país, que desde o início da pandemia, segundo ados oficiais, registrava uma queda notável nesse quesito ? e até mesmo dias com nenhuma morte violenta.
Na sexta-feira, no entanto, a mídia local relatou cerca de vinte homicídios só naquele dia, uma tendência que se manteve no resto do fim de semana.
"As gangues estão aproveitando o fato de que quase todas as nossas forças públicas estão no controle da pandemia", escreveu Bukele.
El Salvador é há anos um dos países mais violentos do mundo, em grande parte devido às atividades de gangues como Mara Salvatrucha (MS-13) e Barrio 18, com pelo menos 70 mil integrantes dedicados a crimes de extorsão e tráfico de drogas, entre outros.
Desde que chegou ao poder, em junho passado, Bukele fez da redução dos homicídios uma de suas principais bandeiras. A taxa passou de 51 assassinatos por 100 mil habitantes em 2018 para 35,8 no ano passado. Desde o início da quarentena, o número de homicídios por dia permanecia em um dígito.
Por isso, o presidente não hesitou em anunciar medidas drásticas no fim de semana. Entre outras ações, ordenou a suspensão de todo contato dos internos com o mundo exterior, um "confinamento absoluto 24 horas por dia", e o isolamento dos líderes das gangues.
Luna Meza garantiu que, "se uma ordem saiu daqui (das prisões), não foi por telefonemas, porque não há sinal, não há visitas, isso ocorreu devido à comunicação de sinais que eles adotaram de cela em cela e passaram para pessoas que foram libertadas".
No domingo, o presidente anunciou que o uso da força letal pela polícia e pelo Exército "está autorizado para autodefesa ou defesa da vida dos salvadorenhos".
O presidente garantiu que o próprio governo se encarregará da defesa legal "daqueles que são injustamente acusados ??de defender a vida de pessoas honestas".
"O membro de gangue que resistir será morto com força proporcional e possivelmente letal por nossas forças públicas", alertou Bukele.
Além disso, o governo ordenou o fim da separação em celas diferentes de membros de gangues rivais. "Não haverá benefícios e privilégios para nenhum membro da estrutura criminal", disse Luna Meza.
"A partir de agora, todas as celas de gangues em nosso país permanecerão fechadas. Não será mais possível ver o que há fora da cela. Isso impedirá que se comuniquem com sinais pelo corredor. Ficarão lá dentro, no escuro, com seus amigos de outras gangues", tuitou Bukele na segunda-feira.
Mais tarde, o presidente também publicou um vídeo em que supostos membros da gangue Barrio 18-Sureños pedem ajuda para garantir os direitos de seus companheiros de prisão, que eles dizem estar sendo violados pela maneira como estão sendo tratados.
Eles afirmam no vídeo: "Se eles querem acabar com a onda de violência, esse não é o caminho certo (...). Reduzimos os homicídios para recuperar os direitos nas prisões. Não sabemos se o aumento de homicídios vem de grupos de assassinos financiados por partidos políticos ou pelo governo atual".
'Estratégia midiática'
Organizações como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos expressaram preocupação com o estado de emergência nas prisões.
Segundo a ONG Comissão de Direitos Humanos de El Salvador, juntar membros de diferentes quadrilhas na mesma cela "acarreta um risco total de revolta ou assassinato seletivo ou coletivo".
É "uma bomba-relógio" que pode "explodir" a qualquer momento, e o responsável será o governo, que cuida da custódia dos detentos, disse o coordenador da ONG, Miguel Montenegro, à agência AFP.
Jeannette Aguilar, pesquisadora de segurança e violência, enfatiza que o confinamento total pode aumentar os confrontos entre gangues.
"Em condições subumanas, com esse nível de superlotação e com o coronavírus, é possível que explodam conflitos com o nível de estresse a que a população carcerária está sendo submetida", disse ela.
A especialista alerta que outro risco é a covid-19 se espalhar massivamente, uma vez que "estamos falando de celas extremamente pequenas, onde estão 100 ou 200 pessoas".
Aguilar acredita que as iniciativas anunciadas por Bukele são contraproducentes e fazem parte de uma "estratégia midiática", assim como a publicação das imagens dos presos.
"Ele quer enviar a mensagem de que está no controle da situação por meio de medidas que violam os direitos humanos e colocam em risco a saúde dos detentos e de toda a população", diz ela.
Especialistas também criticaram a autorização do uso de força letal para combater a atual onda de violência, que, embora prevista na legislação salvadorenha em circunstâncias específicas, a partir do anúncio de Bukele poderia ser interpretada de maneira mais ampla.
"Bukele pretende dar carta branca aos membros das forças de segurança para matar. Suas ordens à polícia e às forças armadas contradizem os padrões internacionais", alertou o diretor Human Rights Watch nas Américas, José Miguel Vivanco.
"Isso pode gerar um banho de sangue", diz Aguilar, referindo-se ao a um histórico de execuções extrajudiciais, abusos e estruturas de extermínio na polícia do país e ao "contexto de alta impunidade" destas ações.
"Um incentivo ao uso desproporcional de força letal sem dúvida levará a um aumento nas execuções extrajudiciais por qualquer pessoa que possa alegar que sua vida ou a de outra pessoa foi ameaçada."
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