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Jacarezinho: 'Em nenhum lugar do mundo ação policial com 28 mortos seria aceita', diz cientista político

Ação da Polícia Civil do Rio na comunidade do Jacarezinho terminou com 25 pessoas mortas nesta manhã - Reginaldo Pimenta/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
Ação da Polícia Civil do Rio na comunidade do Jacarezinho terminou com 25 pessoas mortas nesta manhã Imagem: Reginaldo Pimenta/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

06/05/2021 20h31

A ação na comunidade do Jacarezinho reflete um aumento de mortes durante operações policiais no Rio de Janeiro no pior momento da pandemia de covid-19.

A ação da Polícia Civil do Rio de Janeiro na comunidade do Jacarezinho que terminou com 28 pessoas mortas na manhã desta quinta-feira (06/05) ? entre elas um agente da própria corporação ? reflete o crescimento do número de vítimas durante operações das forças de segurança fluminenses no início deste ano, auge da pandemia de covid-19 no país.

Segundo a Rede de Observatórios de Segurança, as operações policiais aumentaram 51% no Rio de Janeiro nos quatro primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 351 ações, ante 232 de janeiro a abril de 2020.

O número de mortes durante essas operações também cresceu no primeiro trimestre: saiu de 75 vítimas no ano passado para 95 de janeiro a março de 2021 ? uma alta de 26,6%.

Esses dados ainda não contabilizam as 25 mortes no Jacarezinho. A invasão da polícia ocorreu apesar de uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) suspender, em junho de 2020, operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia.

A decisão permite ações apenas em "hipóteses absolutamente excepcionais". Para isso, os agentes precisam comunicar ao Ministério Público sobre o motivo da operação. Dessa vez, o MP ainda não se pronunciou sobre o caso.

Para o cientista político Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), ações violentas como essa, empreendidas pelas forças policiais fluminenses, não seriam aceitas em nenhum lugar do mundo. "Só no Brasil o cumprimento de mandados de prisão termina com 28 mortos e ainda é chamado de 'operação policial'", diz.

"Essas operações não ocorrem nem em outros Estados. Mas, no Rio, elas acontecem com frequência e passam em branco: a Justiça não pune ninguém. A impunidade é uma certeza e alimenta o comportamento violento da polícia", afirmou Nunes, em entrevista à BBC News Brasil, por telefone.

Segundo ele, a decisão do STF inicialmente freou a violência policial nas comunidades do Rio, principalmente nos primeiros meses. "Mas depois a própria chefia da polícia afirmou que as operações no Rio não se enquadravam na decisão do STF, porque eram essenciais", afirma.

"As estruturas e comportamentos violentos da polícia nunca foram enfrentados de fato no Rio de Janeiro. Eles se perpetuaram. Ações como essa não são mais novidade", diz Nunes.

Já Silvia Ramos, cientista social e coordenadora da Rede de Observatórios de Segurança, critica a maneira como a polícia justifica tantas mortes durante seu trabalho. "Quem são esses mortos? Para a polícia, basta ser morador de favela para ser considerado suspeito", diz.

"A polícia está empilhando corpos de jovens negros, chamando-os de criminosos. Mas a pergunta é: quem são esses jovens, quais os nomes deles, onde estão suas famílias? Não é possível continuar matando as pessoas assim."

Ainda durante a ação, um morador foi atingido no pé, dentro de casa. Dois policiais civis também se feriram. Outras duas pessoas foram atingidas enquanto estavam dentro do metrô que passa pela região - uma delas por um tiro, a outra por estilhaços de vidro.

O que diz a polícia?

A Polícia Civil afirma que entrou na comunidade após receber denúncias de que traficantes locais estariam aliciando crianças e adolescentes para a prática de ações criminosas.

Segundo o comunicado, a polícia identificou, através de trabalho de inteligência e uso de quebra de sigilos autorizada pela Justiça, 21 integrantes da quadrilha, responsáveis por garantir o domínio do território através do uso de armas.

"Foi possível caracterizar a associação dessas pessoas com a organização criminosa que domina a região, onde foi montada uma estrutura típica de guerra provida de centenas de 'soldados' munidos com fuzis, pistolas, granadas, coletes balísticos, roupas camufladas e todo tipo de acessórios militares", disse a corporação.

Ainda conforme a corporação, a região do Jacarezinho é considerada um dos quartéis-generais da facção Comando Vermelho na Zona Norte do Rio de Janeiro.

"Em razão da dificuldade de se operar no terreno, por conta das barricadas e das táticas de guerrilha realizadas pelos marginais, o local abriga uma quantidade relevante de armamentos", diz a nota oficial.

A corporação confirmou a morte do policial André Leonardo de Mello Frias durante a operação.

Num post no Facebook, a Secretaria de Polícia Civil afirmou que Frias "honrou a profissão que amava e deixará saudade" e que "lamenta, ainda, pelas vítimas inocentes atingidas no metrô".

Na nota, a pasta defendeu a necessidade das operações em favelas. "A ação foi baseada em informações concretas de inteligência e investigação. Na ocasião, os criminosos reagiram fortemente. Não apenas para fugir, mas com o objetivo de matar", escreveu o órgão, na postagem.

"Infelizmente, o cenário de guerra imposto por essas quadrilhas comprova a importância das operações para que organizações criminosas não se fortaleçam."


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