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CPI da Covid: executivo da Pfizer confirma que governo Bolsonaro ignorou ofertas de 70 milhões de doses de vacinas

13/05/2021 12h30

Em depoimento à comissão, executivo da empresa Carlos Murillo diz que primeiro lote com 1,5 milhão de doses poderia ter sido entregue ao país já em dezembro de 2020, mas não houve interesse por parte do governo.

O gerente-geral da farmacêutica Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, confirmou em seu depoimento aos senadores da CPI da Covid que o governo de Jair Bolsonaro rejeitou três ofertas de 70 milhões de doses da vacina Pfizer/BioNTech, cujas primeiras doses poderiam ter sido entregues em dezembro de 2020.

A CPI investiga ações e omissões do governo durante a pandemia.

Segundo o executivo, que era presidente da Pfizer no Brasil em 2020, a primeira oferta de 70 milhões de doses, em 14 agosto, tinha prazo para resposta de 15 dias ? governo ignorou o prazo e a oferta expirou.

A segunda e terceira ofertas de 70 milhões de doses foram feitas em 18 e 26 de agosto, e também não foram aceitas pelo governo, segundo Carlos Murillo.

Todas as ofertas tinham cronograma de início da entrega em 2020. A terceira oferta, em 26 de agosto, previa a entrega de 1,5 milhão de doses ainda em dezembro do ano passado e mais 3 milhões no primeiro trimestre de 2021 ? o resto seria entregue ao longo do ano.

Segundo Murillo, não houve atrasos até agora no cronograma de entrega da empresa ? ou seja, se o governo tivesse aceito alguma das propostas, as primeiras vacinas da Pfizer teriam chegado ao Brasil ainda em dezembro de 2020 e a vacinação poderia ter sido iniciada com um pedido de aprovação da Anvisa para uso emergencial do imunizante.

Foi isso que aconteceu com a Coronavac, do Instituto Butantan, contratada pelo governo de São Paulo antes da aprovação da agência. A vacinação começou em 17 de janeiro, dia em que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) concedeu autorização de uso emergencial à Coronavac.

Em fevereiro, a Anvisa deu aprovação definitiva para a vacina da Pfizer, um dos primeiros países do mundo a fazê-lo. Mas o contrato com a empresa só foi fechado em março e a primeira remessa de cerca de um milhão de doses da vacina da Pfizer/BioNTech chegou ao Brasil no final do último mês de abril.

Murillo afirmou à CPI que os outros países fecharam o contrato de compra antes da aprovação das agências regulatórias. Nos EUA, a vacinação começou em 14 de dezembro de 2020 com aprovação emergencial pela FDA, a agência regulatória americana.

Fechamento do contrato e preços

Segundo Murillo, em novembro o governo brasileiro afirmou que o contrato só poderia ser feito após a aprovação da Anvisa, portanto novas ofertas só foram feitas em 2021, depois que a agência regulatória deu seu parecer positivo para a vacina da Pfizer.

O contato do governo federal com a empresa só foi fechado em 8 março, quando a pandemia atingia pico no Brasil e o número de mortos por covid-19 chegava a 400 mil.

O contrato fechado prevê 100 milhões de doses. O primeiro lote com um milhão chegou em abril e outras 14 milhões de doses serão entregues no segundo trimestre.

A política de preços da empresa, disse o executivo, contempla três níveis diferentes para três tipos de países: nações com renda alta, média e baixa. O Brasil se situaria entre as nações com renda média e o preço ofertado sempre foi de 10 dólares por dose.

O executivo também afirmou que todos os países foram procurados pela Pfizer ao mesmo momento.

Carta a Bolsonaro e envolvimento de Wajngarten

Murillo também confirmou que a empresa enviou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro assinada pelo presidente global da empresa no final do ano passado. O objetivo era tentar fazer com que as negociações avançassem.

O documento mencionava as três ofertas feitas em agosto e a intenção da empresa de avançar as negociações com o Brasil. Segundo Murillo, essa carta não foi respondida nem pelo presidente nem pelo ministério da Saúde.

"Não recebemos resposta da presidência", disse Murillo.

Em novembro, no entanto, houve uma reunião presencial entre Carlos Murillo e membros do ministério da Economia para tratar sobre a compra das vacinas. De acordo com o executivo, todas as informações disponíveis foram apresentadas.

Murillo confirmou que conversou com o ex-secretário de Comunicações Fábio Wajngarten sobre o imunizante. Disse que foi Wajngarten que procurou a empresa e não o contrário.

"As conversas com o Fábio Wajngarten, no nosso entendimento, foi para uma possível coordenação dele", declarou, emendando que a negociação em si ocorreu sempre com o ministério da Saúde.

Depois, questionado novamente sobre o assunto, Murillo afirmou que nunca houve "expectativa formal" de que ele coordenasse, mas que a empresa considerou importante o contato pois Wajngarten tinha circulação entre outros ministérios.

"Eu não conheço o funcionamento dos órgãos governamentais e não posso indicar a função (que ele tinha), mas posso enfatizar que nossa negociação foi com o ministério da Saúde"

As discussões em torno da demora para adquirir vacinas foram responsáveis por alguns dos momentos mais tensos do depoimento de Wajngarten à CPI na quarta-feira, em que ele confirmou ter se envolvido nas tratativas e confirmou a lentidão do governo em responder à Pfizer .

O ex-secretário de Comunicações havia dito à revista Veja que as negociações não avançaram por "incompetência" do ministério da Saúde.

Durante a CPI, no entanto, Wajngarten afirmou que nunca tinha feito parte destas negociações e que apenas participou com reuniões com a Pfizer "para ajudar".

O ex-secretário também disse que procurou Bolsonaro para falar do assunto e que entrou em contato pessoas públicas e empresários para tentar viabilizar a compra de doses desta vacina. "Tenho muito orgulho disso."

Carlos Bolsonaro

Respondendo a um pedido de esclarecimento por parte dos senadores, Murillo afirmou que a reunião de Wajngarten com uma representante do departamento jurídico da Pfizer no Palácio do Planalto em dezembro do ano passado contou com a presença do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, e do assessor internacional da presidência da República, Filipe Martins.

Em uma descrição do encontro lida pelo executivo diz-se que após cerca de uma hora de reunião, Wajngarten recebe uma ligação e sai da sala. Minutos depois, entram Martins e Carlos Bolsonaro.

Em seu depoimento no dia anteior, Wajngarten negou que tivesse contato frequente com o filho do presidente, disse que não costumava se reunir com ele e que a quantidade de vezes que os dois haviam trocado palavras cabia em uma mão.

O episódio foi revisitado outras vezes durante a sessão. O senador Rogério Carvalho (PT-SE) chamou atenção para o fato de que o filho do presidente não exerce cargo na administração federal, já que é vereador pelo Rio de Janeiro.

"Isso não é justificável e nem republicano", afirmou.

Já Fernando Bezerra (MDB-PE) pediu que Murillo repetisse a informação para confirmar que Carlos não havia permanecido durante a reunião.

As anotações relatavam, contudo, que, após a entrada de Carlos e Filipe na sala, Wajngarten teria explicado para ambos os esclarecimentos dados pela empresa e que o filho do presidente teria ficado "brevemente" antes de sair da sala.

Ações de Pazuello

Carlos Murillo afirmou que teve apenas duas interações com o ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

A primeira, disse ele, foi em novembro, quando ele ligou ao executivo por celular se colocando à disposição para negociar ? neste momento tínhamos feito uma nova oferta (além das três iniciais de agosto) de 70 milhões.

A segunda foi pessoalmente no ministério da Saúde, em uma reunião em 22 de dezembro, com a equipe do ministério que estava cuidando das tratativas.

"Ele disse que as negociações estavam avançando e que precisávamos de mais doses para o Brasil. E eu afirmei nosso compromisso de buscar cada vez mais doses para o Brasil."

Em nenhum dos momentos houve fechamento de compromisso de compra.

Cláusulas 'leoninas' e dificuldades da negociação

Questionado sobre as dificuldades na negociação com o ministério da Saúde, Murillo afirmou que inicialmente "os temas complexos da negociação" eram relacionados à questão logística.

"O ministério tinha preocupação porque nossa vacina requer um armazenamento de -70º C e isso era uma preocupação. Mas em novembro apresentamos uma caixa de armazenamento que era um avanço da ciência que permitia manter a temperatura apenas com gelo seco", disse.

Em seguida, afirmou, as preocupações do ministério se tornaram outras duas questões, disse Murillo.

"Uma era o registro da Anvisa e a segunda era uma autorização legislativa específica para atender as condições contratuais", isso foi objeto das negociações entre dezembro e fevereiro.

Carlos Murillo afirmou que não é verdade a informação passada pelo ministro da saúde Eduardo Pazuello ao senado, em fevereiro, de que a Pfizer tinha oferecido apenas 6 milhões de doses.

O executivo disse novamente que as ofertas da Pfizer ao governo brasileiro foram de 70 milhões de doses, e não de 6 milhões, e declarou não concordar com o posicionamento de Pazuello de que as condições contratuais eram "leoninas".

"As condições que oferecemos para o Brasil são exatamente as mesmas que a Pfizer negociou com 110 países no mundo."

"Nesse pandemia a Pfizer correu um risco sem precedente e exigiu a todos os países as mesmas condições que exigiu para o Brasil."

Versões de governistas e opositores

Entre os 11 membros da comissão, pelo menos 7 são senadores oposicionistas ou independentes e 4 são aliados ao governo ou próximos do Planalto.

No decorrer da sessão, os embates entre os dois grupos foram constantes. Aliados de Bolsonaro tentaram construir a imagem de que o governo fez tudo o que poderia, mas não pode dar celeridade ao processo de negociação com a Pfizer por conta das ditas "cláusulas leoninas".

A oposição, por sua vez, tentou contrapor os argumentos com o objetivo de sinalizar que houve omissão e negligência por parte do Planalto.

O senador Jorginho Mello (PL-SC) afirmou que o "Brasil teve toda boa vontade para comprar" o imunizante, mas que o país não poderia fechar o negócio antes da autorização da agência reguladora ou até que fossem sanados os impedimentos jurídicos.

O parlamentar chegou a fazer uma provocação dizendo que a própria empresa não havia feito o pedido para uso emergencial da vacina, o que foi contraposto pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE), que perguntou a Murillo se a empresa teria entrado com pedido para uso emergencial caso o contrato tivesse sido assinado. O executivo da Pfizer disse que provavelmente sim.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), por sua vez, recordou que o contrato com o consórcio Covax Facility foi firmado antes da autorização da Anvisa.

Randolfe Rodrigues (Rede-AP) acrescentou que os obstáculos jurídicos que dificultaram a assinatura com a Pfizer poderiam ter sido contornados com uma Medida Provisória do Planalto, o que não ocorreu de imediato.

Quando houve oportunidade, na ocasião da edição em 6 de janeiro de uma MP que tratava sobre vacinas, acrescentou, o governo vetou emenda feita pelo parlamentar para tentar dar conta da insegurança jurídica na questão das farmacêuticas.

O dispositivo foi finalmente incluído em um Projeto de Lei relatado por Randolfe e aprovado em fevereiro.

Marcos Rogério (DEM-RO), que está entre os que têm defendido as posições do governo na CPI, fez algumas de suas perguntas com base em informações erradas.

Afirmou que "a informação que eu tenho é que a vacinação nos EUA não começou em dezembro" e questionou como a Pfizer entregaria vacinas ao Brasil naquele mês se, segundo ele, a vacinação não tinha começado em dezembro nos EUA.

A vacinação contra covid-19 com vacinas da Pfizer/BioNTech teve início no dia 14 de dezembro de 2020 nos Estados Unidos, alguns dias depois de a FDA (agência regulatória americana) aprovar, em 11 de dezembro, uma autorização emergencial para o seu uso. O dado foi reiterado posteriormente algumas vezes durante a sessão.

Os Estados Unidos foi um dos países que fechou o contrato de compra com a empresa antes a autorização de sua agência regulatória, e iniciou a vacinação pouco tempo depois da entrega das vacinas.

Falas de Bolsonaro

O relator Renan Calheiros (MDB-AL) questionou sobre as falas do presidente da República contrárias à vacina, como em dezembro, quando Bolsonaro falou que quem tomasse vacina poderia "virar jacaré".

"Nós somos uma companhia baseada na ciência. Apesar dessas declarações, continuamos com nosso objetivo de tornar a vacina disponível para o público brasileiro", disse Murillo. "Eu nunca ouvi essas palavras de parte das pessoas que eu estava negociando. Elas nunca fizeram declarações assim."


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