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Como redes sociais foram cruciais em protestos históricos em Cuba

Protestos tiveram início em San Antonio de los Baños e se espalharam pelo país, incluindo a capital Havana - Getty Images
Protestos tiveram início em San Antonio de los Baños e se espalharam pelo país, incluindo a capital Havana Imagem: Getty Images

Cecilia Barría

Da BBC News Mundo

13/07/2021 10h26Atualizada em 13/07/2021 10h43

"A internet continua cortada, não sei onde muitos dos meus amigos estão", disse um dos manifestantes que gravou e compartilhou vídeos dos protestos recentes em Cuba.

A restrição parcial do acesso à rede e o bloqueio seletivo das redes sociais têm dificultado o fluxo de informações na ilha, após os históricos protestos de domingo (11/7) em que os manifestantes transmitiram "ao vivo" o que se passava em diferentes pontos do país.

Foi assim que o governo do presidente Miguel Díaz-Canel respondeu à chamada "revolução digital" dos adversários que, desde a massificação do acesso à internet móvel entre os cubanos nos últimos três anos, têm criado canais de informação alternativos aos meios de comunicação oficiais do país.

No domingo, foi aberto um novo capítulo na história recente da ilha.

Ele começou em San Antonio de los Baños e se espalhou como uma onda pelo restante de Cuba.

Foi lá, em uma cidade a 26 quilômetros da capital Havana, onde começaram por volta das 9h as primeiras transmissões ao vivo de protestos nas ruas por meio do Facebook Live, algo conhecido por cubanos como "la directa" (ao vivo, em tradução livre para o português).

Críticos e adversários do governo preferem a transmissão "ao vivo" porque, diferentemente dos vídeos gravados e postados em outras redes sociais, ela não pode ser apagada.

Foi assim que as transmissões ao vivo em San Antonio geraram focos em outras cidades que aderiram às manifestações, até que a internet parou de funcionar em diversas regiões cubanas.

"Foi como um efeito dominó. Vimos um protesto espontâneo em San Antonio e ele se espalhou", disse o ativista Alfredo Martínez Ramírez, de Havana, que gravou vídeos das manifestações na capital cubana.

"Não é a mesma coisa ver o povo saindo às ruas em vez de alguém te contar. Isso dá coragem", disse ele em entrevista à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC).

Martínez diz que participou de vários protestos nos quais gravou vídeos de manifestantes e da violência policial e os compartilhou nas redes sociais. "Estava do lado de fora do Capitólio e postei os vídeos no Facebook."

(É possível ver vídeos gravados por Alfredo Martínez abaixo. A BBC não se responsabiliza pelo conteúdo publicado por outros sites ou redes sociais).

Como ele, outros manifestantes divulgaram vídeos que rodaram o mundo.

Há outros vídeos publicados nas plataformas que mostram manifestações em Cuba também no dia seguinte, segunda-feira (12/07).

Em reação, o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, afirmou na segunda-feira que os protestos buscavam "fragmentar a unidade" do povo cubano e desacreditar "o trabalho do governo e da revolução".

"Há um setor delinquente. Ontem vimos delinquentes. Ontem a marcha não foi pacífica, houve vandalismo (...), apedrejaram forças policiais, tombaram carros. Um comportamento totalmente vulgar, indecente, delinquente."

"Nós não fazemos um chamado ao povo para enfrentar o povo. Nós fazemos um chamado ao povo para defender a revolução, defender seus dinheiros. E o povo atendeu."

Circularam nas redes sociais também manifestações a favor do governo cubano.

A BBC News Mundo solicitou uma entrevista com o governo, mas até a publicação desta reportagem não havia recebido resposta.

'As redes sociais foram o gatilho'

"A internet é um facilitador de protestos porque permite às pessoas compartilharem imagens em tempo real por meio do Facebook Live", diz à BBC News Mundo o pesquisador Ted Henken, autor do livro "A Revolução Digital de Cuba" (em tradução livre), publicado em junho. "Por isso houve esse contágio rápido por todo o país. As redes sociais foram o gatilho que canalizaram a frustração social."

Segundo ele, tem sido muito importante às pessoas fazer transmissões "ao vivo" porque não possibilidade de o governo obrigá-las a apagarem o conteúdo. "Esses vídeos compartilhados no Facebook Live foram gravados pelos próprios manifestantes, não por personalidades públicas."

Mas o efeito multiplicador das redes sociais foi potencializado por outros meios de comunicação, jornalistas independentes, influenciadores, artistas e ativistas.

Foi assim que ganharam força rapidamente hashtags como #SOSCuba, #SOSMatanzas e #PatriaYVida.

Além do Facebook, rede mais importante da ilha, os cubanos utilizam aplicativos como WhatsApp, Signal e Telegram, apelidados por Henken de Os Três Mosqueteiros. Em menor grau, Twitter e Instagram.

No entanto, afirma o pesquisador, é importante dosar o otimismo porque, ainda que o acesso à internet tenha mudado o jogo em Cuba, não é possível o que ocorrerá daqui para frente.

'Internet tem sido como uma Perestroika'

Dezembro de 2018 é considerado o marco em Cuba: foi o momento em que as pessoas passaram a ter acesso à internet de maneira mais ampla por meio de seus telefones celulares.

Por isso, muitos dizem que aquele momento marcou um antes e um depois na história recente da ilha.

"A internet tem sido uma espécie de Perestroika no contexto cubano", afirma Norges Rodríguez, diretor do Yucabyte, veículo de comunicação opositor ao governo de Cuba.

Lançada pelo então líder da União Soviética Mikhail Gorbachev, a "perestroika" (abertura) consistia em relaxar o controle do governo sobre a economia, acreditando-se que a iniciativa privada impulsionaria a inovação.

Outro marco histórico do papel das redes sociais nos protestos cubanos ocorreu em novembro de 2020, quando as manifestações do Movimento San Isidro foram transmitidas ao vivo pela internet.

"É um efeito cumulativo", avalia Rodríguez, do Yucabyte.

Analistas concordam que o acesso à internet, junto com a deterioração da situação econômica e os estragos causados pela pandemia covid-19, são alguns dos fatores que, combinados, levaram os adversários às ruas.

"Alimentos, remédios, vacinas, liberdade são as demandas comuns. São as mesmas frustrações, mas agora têm a mesma tecnologia", explica Henken, autor do livro "A Revolução Digital de Cuba".

Com a massificação da internet intensificada desde 2018, o país tem sido palco de manifestações que ganharam força por meio das redes sociais.

Manifestantes realizaram um dos maiores protestos das últimas décadas no país - Getty Images - Getty Images
Manifestantes realizaram um dos maiores protestos das últimas décadas no país
Imagem: Getty Images

Em 2019, ocorreram campanhas online contra o Referendo Constitucional e convocações de marchas nas redes pelos direitos das pessoas LGBT, começaram a circular memes críticos ao governo e ganharam popularidade youtubers com discurso dissidente.

É assim que ganhava força um movimento que reivindicava a necessidade de mudanças no país por meio das redes, fenômeno que, sem essas plataformas, teria sido mais difícil, afirma Henken.

Internet: uma arma para todos os lados

A influência da internet, ao longo da expansão do acesso, é tão grande que se tornou uma peça-chave tanto para opositores quanto para o governo.

Eram cerca de 16h quando o governo cubano começou a suspender o acesso à internet, e com isso acabaram as transmissões no Facebook Live e ganhou força a falta de informação.

Manifestantes foram detidos por agentes de segurança do país - Getty Images - Getty Images
Manifestantes foram detidos por agentes de segurança do país
Imagem: Getty Images

Para os manifestantes, cortar esse acesso digital é, de uma maneira ou de outra, como privá-los de oxigênio. E o "blecaute digital" continua, sem duração prevista.

"Quase todos meus amigos estão sem internet", afirma Alfredo Martínez Ramírez, que gravou e compartilhou vídeos das manifestações em Havana. "E não sabemos onde estão muitos deles."

O confronto digital se tornou central para todos os lados do embate político na ilha. "Quem vai controlar a revolução digital cubana? Ninguém e todos, porque não há um vencedor claro. É uma batalha", afirma Henken.