Após rejeição em comissão da Câmara, voto impresso está definitivamente enterrado para 2022?
A proposta de adoção do voto impresso na eleição de 2022 foi rejeitada na noite de quinta-feira (5/8) pela ampla maioria da comissão especial da Câmara dos Deputados criada para debater o tema.
O resultado na comissão representa uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro, principal defensor da medida. Sem apresentar provas, ele alega que as urnas eletrônicas podem ser fraudadas e que apenas o registro físico do voto permitiria uma auditoria do resultado do pleito, o que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) refuta.
Foram 23 votos contrários e 11 favoráveis à proposta de alteração da Constituição (PEC) para incluir um registro físico do voto na urna eletrônica. O resultado refletiu a articulação dos maiores partidos do país contra a mudança do sistema de votação, depois que a proposta se tornou um instrumento de ataques de Bolsonaro à Justiça Eleitoral e ao Poder Judiciário.
A crise escalou nos últimos dias, com a abertura de investigações contra Bolsonaro no TSE e no Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente reagiu dizendo que a investigação no Supremo é ilegal e ameaçou com medidas "fora das quatro linhas da Constituição".
Normalmente, propostas rejeitadas em uma comissão não costumam ser apreciadas no plenário da Câmara. No entanto, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP/AL), sinalizou que poderá fazer isso.
"As comissões especiais não são terminativas, são opinativas, então sugerem o texto, mas qualquer recurso ao Plenário pode ser feito", disse ele, horas antes da votação.
Por ser uma proposta de alteração da Constituição (PEC), a mudança das urnas demandaria apoio de 308 dos 513 deputados, o que parece improvável hoje, já que presidentes de onze partidos assinaram nota conjunta contra a mudança (PP, DEM, PL, Republicanos, Solidariedade, PSL, Cidadania, MDB, PSD, PSDB e Avante). Legendas de esquerda, como PT, PSB e PSOL, também são contrárias.
Enquanto a fala de Lira deixa em aberto a possibilidade do tema continuar em análise no Congresso, membros da comissão que votaram contra a proposta defendem que a decisão "enterrou o tema até 2022".
"Para além da dimensão regimental (se as regras internas da Câmara permitem ou não a votação em plenário), existe a dimensão política. O presidente da Câmara deve ter senso de responsabilidade. Levar ao plenário da Câmara essa medida é enfiar a Câmara numa discussão que hoje está situada entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário", afirmou o deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), um dos que votou contra a proposta na comissão.
Na visão do deputado Fábio Trad (PSD/MS), outro que votou pela rejeição do voto impresso, o placar largo contra a proposta deve contribuir para que a matéria não seja votada em plenário no momento. Na sua visão, o debate poderá ser retomado a partir de 2023.
"O momento político foi contaminado pelo presidente Bolsonaro com declarações intempestivas, ofensivas a ministros do TSE, do Supremo. Contaminou a discussão. Quem sabe mais à frente, com menos paixões e mais racionalidade, convidando os tribunais a participarem de forma colaborativa com a discussão, é possível sim resgatar (o tema)", afirmou.
Para alguns deputados que votaram contra a proposta na comissão, o debate do voto impresso é legítimo. O problema, dizem, é a forma como Bolsonaro conduziu o tema, com alegações de fraudes nas urnas mesmo sem provas e ataques ao Poder Judiciário.
"É um debate que boa parte da sociedade entende que é justo. Eu acho que o debate é válido, mas não nas condições que o Bolsonaro está colocando", disse o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ).
Críticos de Bolsonaro consideram que ele não está de fato preocupado com a segurança da votação e deseja lançar desconfianças sobre o sistema eletrônico para contestar o resultado do pleito de 2022 caso não consiga se reeleger.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rebate as acusações do presidente dizendo que as urnas eletrônicas são seguras, nunca foram fraudadas e que há pelo menos 10 formas de auditar o resultado das eleições.
Uma delas, por exemplo, é o boletim da urna, que é impresso por cada urna eletrônica assim que o dia da votação é encerrado. Esse documento permite conferir, por exemplo, se a contagem divulgada pelo TSE bate com o resultado de cada urna.
Proposta previa contagem manual dos votos impressos
A PEC do voto impresso foi proposta originalmente pela deputada Bia Kicis (PSL-SP), umas das principais apoiadoras de Bolsonaro no Congresso.
O texto rejeitado era de autoria do relator da matéria, deputado Filipe Barros (PSL-PR), também aliado do presidente.
Sua proposta final tinha um teor ainda mais controverso que o registro físico do voto: ela previa a contagem manual de todos os votos impressos nas sessões eleitorais.
Os países que usam o registro físico do voto acoplado ao sistema eletrônico, porém, costumam fazer a contabilização apenas de uma amostra das urnas, sorteadas aleatoriamente, para conferência do resultado eletrônico.
A proposta da contagem manual segue a defesa de Bolsonaro por uma "contagem pública" dos votos.
A comissão especial ainda voltará a se reunir para votar um relatório alternativo para a PEC, contrário ao voto impresso.
"O parecer do relator @filipebarrost acaba de ser derrotado por 23x11 na Comissão Especial da PEC 135/19 do voto impresso auditável. Dia lamentável para a democracia brasileira. Perdemos a batalha mas não a guerra. O Presidente @ArthurLira_ pode levar a PEC ao Plenário", defendeu Bia Kicis no Twitter após a rejeição da proposta.
Bolsonaro eleva o tom contra STF e Fux desmarca encontro
O voto impresso se tornou nas últimas semanas epicentro de uma grave crise institucional entre o Palácio do Planalto e o Poder Judiciário, com Bolsonaro fazendo ataques diários à Justiça Eleitoral e a ministros do TSE e do STF, em especial Luís Roberto Barroso (presidente do TSE).
Do outro lado, TSE e STF reagiram abrindo investigações contra Bolsonaro. A apuração na Corte Eleitoral tem potencial de deixar o presidente inelegível por oito anos, impedindo-o de tentar a reeleição em 2022.
Já o ministro do STF Alexandre de Moraes incluiu Bolsonaro como investigado no inquérito das Fake News para apurar se o presidente cometeu crimes durante uma transmissão ao vivo realizada na quinta-feira passada (29/07) em que alegou ter indícios fortes de fraudes nas últimas eleições, usando vídeos antigos que circulam na internet já desmentidos pelo TSE.
Após a decisão, Bolsonaro disse que o inquérito é ilegal e ameaçou agir fora da Constituição.
"Está dentro das quatro linhas da Constituição (a decisão de Alexandre e Moraes)? Não está. Então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas. Aqui ninguém é mais macho que ninguém", disse na quarta-feira (04/08).
"Sou presidente 24 horas por dia. O meu jogo é dentro das quatro linhas (da Constituição), mas se sair das quatro linhas, sou obrigado a sair das quatro linhas. É como o inquérito do Alexandre de Moraes: ele investiga, ele pune e ele prende. Se eu perder (as eleições) vou recorrer ao próprio TSE? Não tem cabimento isso", declarou também.
Depois dessas falas, o presidente do STF, Luiz Fux, cancelou reunião que havia convocado com Bolsonaro e os presidentes da Câmara (Arthur Lira) e do Senado (Rodrigo Pacheco) para tentar reduzir a crise.
"O presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Sendo certo que, quando se atinge um dos integrantes, se atinge a Corte por inteiro", disse Fux ao cancelar o encontro.
"Além disso, sua excelência (Bolsonaro) mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do plenário bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro", acrescentou.
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