COP26: Brasil, China e mais de cem países assinam acordo para zerar desmatamento até 2030
Acordo prevê US$ 19,2 bilhões em recursos públicos e privados para combater destruição de florestas, como a Amazônia. Instituições financeiras se comprometeram a não financiar produtos ligados ao desmatamento.
Representantes de mais de cem países, entre eles China e Brasil, assinaram um acordo para proteção de florestas que tem como meta zerar o desmatamento no mundo até 2030. O chamado Forest Deal foi negociado durante a COP26, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, em Glasgow, na Escócia.
O acordo prevê US$ 19,2 bilhões em recursos públicos e privados para ações ligadas à preservação das florestas, combate a incêndios, reflorestamento e proteção de territórios indígenas.
Conforme a BBC News Brasil antecipou na semana passada, o Brasil, onde fica a maior parte da floresta Amazônica, decidiu aderir ao acordo, apesar das dúvidas sobre se o governo Bolsonaro aceitaria assinar um documento que contrasta com a política ambiental adotada nos últimos três anos.
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O acordo, que vai ser anunciado oficialmente nesta terça-feira (2/11), em evento da COP26, prevê medidas para impedir que produtos associados a desmatamento recebam financiamento privado e sejam comercializados internacionalmente. Também destaca a importância dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais como protetores da floresta.
O embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, que chefia as negociações pela delegação brasileira na COP26, disse que a assinatura do Brasil evidencia uma "nova postura" do governo brasileiro na área ambiental.
"Estamos satisfeitos com o resultado final. Isto demonstra mais uma vez a nova postura brasileira de compromisso com os temas de desenvolvimento sustentável e, especificamente sobre mudança do clima", disse Carvalho Neto à BBC News Brasil.
"O Brasil tem a expectativa que as maiores economias mundiais farão a sua parte também, em especial na redução ao uso de energias fósseis, causa principal do aquecimento global", cobrou o embaixador, que é secretário de Assuntos Políticos Multilaterais.
Brasil contemplado com recursos
Dos US$ 19,2 bilhões previstos no acordo para proteção de florestas, cerca de US$ 12 bilhões virão de 12 países desenvolvidos, incluindo o Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, França e Alemanha. Os recursos serão distribuído a países em desenvolvimento entre 2021 e 2025. O Brasil deve ser um dos contemplados por causa da importância da Amazônia. Indonésia e Congo, que também possuem grandes florestas tropicais, também devem receber volume significativo de recursos.
Outros US$ 7,2 bilhões virão do setor privado. Além disso, CEOs de mais de 30 instituições financeiras, como Aviva, Schroder e Axa, se comprometeram a eliminar investimentos em atividades ligadas ao desmatamento.
Dos recursos privados, US$ 3 bilhões irão para a América Latina, por meio de um fundo destinado a garantir que as produções de soja e gado nas regiões da Amazônia, Cerrado e no Chaco sejam livres de desmatamento.
Atualmente, 23% das emissões globais de gases do efeito estufa vêm do uso do solo e desmatamento. No Brasil, esse percentual é muito maior, alcança mais de 70%.
Atualmente, uma área de floresta do tamanho de 27 campos de futebol desaparece a cada minuto no mundo. O desmatamento da Amazônia cresceu fortemente nos dois primeiros anos de governo Bolsonaro. Em 2020, a destruição da floresta foi a maior em 12 anos.
Perguntado se é possível confiar que líderes como Bolsonaro cumprirão o acordo, o Secretário de Meio Ambiente do Reino Unido, George Eustice, disse que o país demonstrou "engajamento" nas negociações.
"Da última vez em que tentou-se um comprometimento sobre florestas (em 2014) o Brasil não quis fazer parte, nem a Rússia nem a China", destacou. "[Já no caso do] Brasil, eles realmente se mostraram engajados com a gente nessa agenda. É um grande passo para eles."
Mas o acordo não prevê punição para países que descumprirem seus termos. "Ele não chega ao ponto de prever mecanismos de controle e punição. Não é da natureza desses acordos", disse o secretário do Meio Ambiente do Reino Unido.
Índigenas criticam 'presente' a governo Bolsonaro
Organizações indígenas presentes à COP26 criticaram o fato de não terem sido incluídos nas negociações do acordo florestal. Para o líder indígena Kretã Kaingang, coordenador da Articulação de Povos Indígenas do Brasil, o Forest Deal "premia" com recursos o governo Bolsonaro e sua política de "destruição".
"Este é um acordo de governos. Não fomos ouvidos. Esse acordo envolve financiamento para redução do desmatamento, mas no Brasil temos projetos em discussão no Congresso Nacional, apoiados pelo governo Bolsonaro, que permitem a mineração, o desmatamento e o uso de terras indígenas para a produção agrícola", disse Kaingang à BBC News Brasil.
"Esse acordo recompensa essa política de desmatamento, mortes e destruição de indígenas".
Oportunidades para o Brasil?
Mas para alguns ambientalistas e especialistas em políticas públicas, a assinatura do acordo florestal é uma boa sinalização de mudança do discurso ambiental do Brasil. Mas eles destacam que medidas concretas que apontem para a redução do desmatamento serão necessárias para "convencer" o público internacional das intenções brasileiras.
Com a adesão ao chamado Forest Deal, o Brasil está se comprometendo com princípios que batem de frente com propostas em tramitação no Congresso Nacional que até então eram defendidas pelo governo Bolsonaro, como legalização de terras públicas desmatadas para agricultura e liberação de mineração em territórios indígenas.
"A assinatura é um indicativo de mudança na política ambiental. É uma sinalização importante. Mas assinar esse acordo não vai ser suficiente. O país está com credibilidade abaixo de zero. Temos que demonstrar que o desmatamento vai cair através de medias de comando e controle", disse à BBC Brasil o biólogo Roberto Waack, que integra o conselho de administração da Marfrig, segunda maior empresa produtora de carne bovina do mundo.
Os quatro principais pontos do Forest Deal incluem: proteção a povos indígenas como 'guardiões da floresta'; promoção de uma cadeia ambientalmente sustentável de oferta e demanda de commodities; financiamento para promoção de economia verde; e defesa de regulamentações que limitem financiamento e comércio internacional de produtos ligados ao desmatamento.
Para Waack, a adesão ao texto traz mais oportunidades econômicas que prejuízos à agricultura brasileira.
"O setor empresarial que está no mercado internacional já percebeu que tem muito mais oportunidades que barreiras", disse o biólogo, que também é co-autor do livro Repensando a Amazônia.
"Temos um agronegócio com capacidade tecnológica e bons instrumentos de conservação, mas fica tudo num saco só na percepção internacional e todos se prejudicam com a sinalização do governo de defesa do desmatamento."
Waack destaca, porém, que o acordo possivelmente limitará o uso econômico da Amazônia e demais florestas às chamadas "atividades econômicas florestais", que não causam degradação. É o caso, por exemplo, de extrativismo sustentável para exportação de açaí.
"Esse documento abre caminho para diversificar a economia, mas atividade econômica florestal. Isso quer dizer que não pode causar danos à floresta, como mineração em terras indígenas", destacou o biólogo que, além de integrar o conselho da Marfrig, é presidente do conselho do Instituto Arapyaú, que canaliza investimentos privados para projetos sustentáveis.
Novas metas do Brasil
Na segunda-feira (1º/11), o governo brasileiro anunciou que vai oficializar na COP26 novas metas climáticas. O país vai antecipar a meta de zerar o desmatamento ilegal no país de 2030 para 2028, e alcançar uma redução de 50% até 2027.
A ideia, conforme anúncio do governo brasileiro, é que haja uma diminuição gradual da destruição da floresta em 15% ao ano entre 2022 e 2024, subindo para 40% de redução em 2025 e 2026, até alcançar desmatamento zero em 2028.
O Brasil também se comprometeu a aumentar a meta de redução de gases poluentes de 43% para 50% até 2030. O anúncio foi feito pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.
Ele confirmou ainda que vai oficializar durante a COP26 a meta de alcançar a neutralidade de carbono até 2050 ? quando as emissões são reduzidas ao máximo e as restantes são integralmente compensadas, por exemplo, com tecnologia de captura de carbono da atmosfera.
O Brasil havia apresentado inicialmente uma meta de redução das emissões em 37% até 2025 e 43% até 2030, usando como base o ano de 2005.
Em mensagem gravada antes do anúncio das novas metas, o presidente Jair Bolsonaro disse que há espaço para "mais ambição" no controle climático e garantiu que o Brasil é "parte da solução" do problema.
"O Brasil é parte da solução para superar esse desafio global. Os resultados alcançados até 2020 demonstram que podemos ser mais ambiciosos. Autorizei o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, a apresentar durante a COP26 novas metas climáticas", declarou Bolsonaro, em vídeo transmitido durante o evento no qual o ministro do Meio Ambiente apresentou os novos compromissos brasileiros.
O discurso e a promessa de "ambição" contrastam com a política ambiental dos três primeiros anos de governo Bolsonaro. A dificuldade da delegação brasileira será convencer os demais países sobre a seriedade de seus compromissos ambientais, diante de dois anos consecutivos de aumento no desmatamento da Amazônia.
Dados mostram que, no governo Bolsonaro, em 2020, o número de focos de incêndios em todo o território foi o maior em 10 anos; o volume de emissões de carbono em 2019 foi o maior em 13 anos, e o desmatamento da Amazônia atingiu o maior patamar desde 2008.
* Com reportagem de Georgina Rannard & Francesca Gillett
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