Como visita de Bolsonaro a Putin é vista na Rússia
Especialistas russos avaliam que esfriamento das relações de Bolsonaro com os EUA abre oportunidades para Putin. Brasileiro busca mostrar força em ano eleitoral.
O encontro do presidente Jair Bolsonaro com o presidente russo, Vladimir Putin, previsto para a quarta-feira (16/02), é visto no país como uma oportunidade para Moscou aproveitar o recente "esfriamento" das relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Já Bolsonaro busca mostrar força em meio às dificuldades que ele deverá enfrentar nas eleições deste ano.
A avaliação é de especialistas russos ouvidos pela BBC News Brasil e pelo serviço russo da BBC. Para eles, Bolsonaro é praticamente desconhecido no país e visto como um político que demonstra ter sérias dificuldades para se reeleger. Mesmo assim, Putin, que enfrenta a crise internacional na fronteira da Ucrânia, deverá explorar politicamente o encontro com o brasileiro.
Bolsonaro deve chegar a Moscou na terça-feira (15/02) e seu encontro com Putin está previsto para o dia seguinte. Na agenda oficial, estão previstos pelo menos dois momentos em que os dois chefes de Estado estarão juntos. A visita a Putin acontece em meio ao aumento da tensão na fronteira da Rússia com a Ucrânia e o temor de uma invasão russa.
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A confirmação da ida de Bolsonaro a Moscou causou reações no governo norte-americano. Nos bastidores, diplomatas dos EUA demonstraram contrariedade em relação à visita.
Há duas semanas, questionado sobre a visita de Bolsonaro a Putin, o Departamento de Estado dos Estados Unidos enviou uma nota à BBC News Brasil afirmando que o Brasil teria a "responsabilidade de defender os princípios democráticos e proteger a ordem baseada em regras, e reforçar esta mensagem para a Rússia em todas as oportunidades".
A nota foi o episódio mais recente do que tem sido visto como um gradual afastamento de Bolsonaro em relação ao governo norte-americano após a derrota de Donald Trump, em 2020.
Os dois eram vistos como aliados e Bolsonaro chegou a ser conhecido internacionalmente como "Trump Tropical". A chegada de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos e as cobranças em relação à preservação da Amazônia têm sido vistas como pontos que ampliaram a distância entre Bolsonaro e o governo norte-americano.
É diante desse afastamento que, para os especialistas russos, a visita de Bolsonaro a Putin é vista, na perspectiva russa, como uma oportunidade.
'Portas promissoras'
O professor Vladimir Sudarev, do Departamento de História e Política da Europa e América do Instituto de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO), avalia que, desde a eleição de Bolsonaro, o brasileiro sempre se mostrou fortemente ligado ao agora ex-presidente Donald Trump. Em alguma medida, sua visita a Moscou é vista como parte de uma tentativa de reajustar as linhas da política externa do país.
"Ele (Bolsonaro) precisa alinhar sua política internacional, que há alguns anos, era fortemente inclinada em direção aos Estados Unidos", diz o professor Vladimir Sudarev.
"Neste sentido, portas promissoras estão abertas para a Rússia uma vez que o complexo industrial-militar do Brasil é extremamente interessado em cooperação militar com a Rússia", analisa Sudarev.
"Até pouco tempo atrás, isso (esse alinhamento) era travado por conta de uma forte pressão dos EUA. Agora, a situação é diferente", diz o chefe do Centro para Estudos Políticos do Instituto da América Latina da Academia Russa de Ciências, Zbigniew Ivanovsky.
As questões militares e diplomáticas estarão, de fato, na pauta da comitiva brasileira em Moscou. Pela primeira vez, está prevista a realização de um encontro conhecido no meio diplomático como "dois mais dois", em que, se reunirão os ministros das relações internacionais e da defesa dos dois países.
Do lado brasileiro, a BBC News Brasil apurou que está confirmada a presença do chanceler Carlos Alberto Franco França e do ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Do lado russo, a presença do ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov também é esperada.
Além disso, o secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa brasileiro, Marcos Degaut Pontes, deverá fazer parte da comitiva brasileira em Moscou. Historicamente, o Brasil sempre foi um grande consumidor de material bélico dos EUA e de países da Europa ocidental.
Os principais projetos em andamento na área de defesa do país são os programas de construção de submarinos nucleares, em parceria com a França, e a modernização da aviação de caça da Força Aérea Brasileira (FAB), com jatos comprados da Suécia. Os russos, no entanto, são grandes fornecedores de produtos bélicos e exportam para países como China e Venezuela.
Diante desse cenário e em meio à crise russo-ucraniana, os especialistas afirmam que Putin vai tirar dividendos da visita de Bolsonaro, especialmente em um momento em que EUA e potência europeias pressionam Putin a desmobilizar suas tropas na fronteira ucraniana.
"Ele vai ser capaz de extrair algo positivo dessa visita na arena internacional em função do efeito de mídia positivo, que é importante para os dois líderes", diz Ivanovski.
"O fato de que o Departamento de Estado norte-americano está reagindo tão dolorosamente (em relação a essa viagem) já é um resultado positivo para o Kremlin. É benéfico para Putin ter outro parceiro que não siga as instruções do Departamento de Estado e que está tentando seguir sua própria linha", analisa Sudarev.
"Isso vai permitir que ele (Putin) incomode um pouco os EUA na América Latina e expanda a esfera de influência russa bem no ponto fraco deles (americanos)", complementa Sudorev.
No início do mês, outro chefe de Estado latino-americano, o presidente argentino Alberto Fernandez, visitou Putin em Moscou.
Bolsonaro pouco conhecido na Rússia
Para os especialistas russos, Bolsonaro é uma figura pouco conhecida do público russo e sua visita não deverá ter o mesmo impacto que aquelas realizadas por outros presidentes brasileiros como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002 e 2010, respectivamente.
"O público russo (exceto os especialistas em relações internacionais) praticamente não conhecem Bolsonaro porque a imprensa oficial não presta atenção especial nele [...] ao mesmo tempo, o atual presidente do Brasil não parece um 'bom menino' na arena internacional, é claro. Em todo caso, ele não parece muito controlado por Washington", disse o professor Sudarev.
O professor de relações internacionais da Universidade de São Petersburgo Victor Jeifets é um dos principais especialistas russos em América Latina, incluindo o Brasil. Para ele, a visita de Bolsonaro não terá o mesmo peso das que foram feitas por outros presidentes brasileiros no passado.
"Não será um terremoto político. Não é como foram as viagens de (Fernando Henrique) Cardoso ou Lula. Mas também já não foi assim com Dilma (Rousseff) e com (Michel) Temer e tampouco deverá ser com Bolsonaro. A visita é considerada importante, que pode ser positiva, mas nada além disso", afirma.
Para Jeifets, Fernando Henrique Cardoso e Lula são vistos na Rússia como os presidentes brasileiros que mais contribuíram para a formação dos BRICS, grupo que, na estratégia russa, seria importante para contrabalancear o poder norte-americano na arena internacional.
"Comparado com os outros presidentes, (a visita de Bolsonaro) não é relevante, mas ainda assim é importante porque o Brasil é grande e isso faz sentido dentro da estratégia relacionada aos BRICS", complementa Jeifets, mencionado o grupo de economias emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Eleições do Brasil no horizonte russo
Apesar de Bolsonaro ser pouco conhecido pelo público russo em geral, os especialistas que acompanham a cena política brasileira afirmam que o movimento do presidente brasileiro em direção a Putin é visto como uma estratégia de mostrar força em meio às dificuldades que ele deverá enfrentar nas eleições deste ano.
Jeifets, também ligado ao think tank russo Valdai Club, diz que analistas russos próximos a Putin consideram pequenas as chances de Bolsonaro se reeleger caso se mantenha a polarização entre ele e o ex-presidente Lula.
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"Tive acesso a informes analíticos sobre isso. Ainda falta quase um ano para as eleições e tudo se resolve nas urnas, mas os informes que eu vi mostram que as probabilidades para a reeleição de Bolsonaro são muito poucas", afirmou.
Para Zbigniew Ivanovsky, a visita de Bolsonaro a Putin é vista na Rússia como uma chance para o brasileiro "marcar pontos" em um cenário eleitoral disputado.
"Bolsonaro deverá ter sérios competidores nas eleições, então ele precisa marcar pontos agora. E ele pode fazer isso, inclusive, a partir de uma reaproximação com a Rússia", afirmou.
"Não esqueçamos que Bolsonaro tem eleições presidenciais em outubro. Eu acho que, para o brasileiro médio, ele vai tentar mostrar isso (essa reaproximação) como uma conquista para ganhar uma parte do eleitorado de centro, uma vez que ele é considerado um político de direita", disse Ivanovsky.
Crise ucraniana parcialmente fora do radar
Na avaliação dos especialistas russos, a crise ucraniana não deverá estar no centro das interações entre Bolsonaro e Putin.
"Para Bolsonaro, as questões sobre a escalada (de tensão) em torno da Ucrânia não têm uma importância significativa. Além disso, na reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas sobre o assunto, o Brasil votou contra a Rússia", lembrou Ivanovsky.
Para Jeifets, na perspectiva russa, Bolsonaro não é a melhor pessoa para tratar da questão ucraniana. Entre os motivos para isso é, como ele apontou anteriormente, a possibilidade de que Bolsonaro não se reeleja.
Apesar disso, diante da crise entre Rússia e Ucrânia, Jeifets afirma que para Putin, o simples fato de Bolsonaro ir à Rússia e não mencionar o assunto já será positivo para o presidente russo.
"Está bastante claro que se não houver alguma mudança, Bolsonaro não vai ser reeleito e outra pessoa vai lhe suceder. O mais importante para Moscou não é tanto que ele fale a favor da Rússia, mas que não fale abertamente contra. Se isso acontecer, isso já vai ser considerado uma coisa importante", afirmou.
Bolsonaro fica na Rússia até a quinta-feira (17/02), quando viaja para Hungria, onde se encontrará com o primeiro-ministro Viktor Orbán.
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