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'Não podemos entrar em uma guerra mundial e com armas nucleares', diz ex-secretário geral da Otan

Marcia Carmo - De Buenos Aires para a BBC News Brasil

25/03/2022 06h27

O espanhol Javier Solana chefiou a aliança ocidental e militar quando ela ampliou o total de seus membros com a entrada de países do Leste Europeu, apesar da oposição da Rússia. Ele descarta que isso tenha levado à crise atual.

O espanhol Javier Solana foi secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) quando a aliança ocidental e militar ampliou o total de seus membros com a entrada de países do Leste Europeu, apesar da oposição da Rússia.

Ele ocupou o posto entre 1995 e 1999 e foi no último ano da sua gestão que ocorreram os bombardeios da Otan contra a então Iugoslávia (hoje Sérvia e Montenegro).

Aquele país era liderado por Slobodan Milosevic, com milhares de refugiados por perseguições étnicas. A ação da Otan, realizada quando Madeleine Albright, que faleceu nesta semana, era secretária de Estado dos Estados Unidos, foi realizada sem o mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A Rússia apoiava a então Iugoslávia.

Anos mais tarde em visita a Kosovo, já como representante da União Europeia, Javier Solana foi criticado por apoiadores de Milosevic. "Foi aberta uma nova história na República Federal de Iugoslávia", disse à época diante das críticas, segundo a imprensa espanhola.

Nesta entrevista exclusiva à BBC News Brasil, falando durante uma viagem de trem em Barcelona, Solana disse que nada justifica os ataques de Vladimir Putin à Ucrânia.

Ele afirma que os líderes ocidentais devem fazer de tudo para que seja evitada uma guerra com a Rússia, que é uma potência nuclear, mas também disse que a aliança ocidental prevê, no artigo quinto do Tratado de 1949, que constituiu a Otan, o principio de autodefesa.

Ou seja, que qualquer ataque a um país membro será respondido, de forma coletiva, por meios militares. "Nada justifica que a Rússia ataque a Ucrânia com canhões e se a Otan é atingida deve reagir", diz o ex-secretário da Otan.

A seguir a entrevista:

BBC News Brasil - A Otan cometeu erros estratégicos que levaram à situação atual com a invasão da Rússia na Ucrânia? Em 2008, a Ucrânia foi convidada a ser parte da Otan...

Javier Solana - Não participei da reunião de 2008. Mas uns pediam que se fosse mais longe e outros países, como França e Alemanha, estavam mais cautelosos a dar esse passo. Porque, vejamos, a aliança é uma aliança decisiva que, portanto, tem que ter países que sejam estáveis. E havia quem pensava que a Ucrânia não estava totalmente estabilizada para fazer algo assim.

BBC News Brasil - Qual é sua visão hoje? A expansão da Otan para os países do ex-bloco soviético, não foi um erro estratégico? E mantendo o convite à Ucrânia (após o conflito de 2014)?

Solana - Eu fui secretário geral da Otan quando ocorreu a ampliação de outros países, que são Polônia, Hungria, República Checa e Eslováquia.

BBC News Brasil - Na sua visão, o que levou a Rússia a invadir a Ucrânia? Não pode estar ligado ao histórico da Otan...

Solana - Acho que não existe nenhuma razão para a invasão de um país com o qual não existe nenhum conflito importante. É um erro gravíssimo e o que Putin está fazendo é uma alteração na lei internacional. Não existe nenhuma explicação.

BBC News Brasil - Analistas afirmaram que como a Ucrânia queria ser parte da Otan, Putin reagiu com a invasão.

Solana - Isso não é justificável. A Ucrânia não é parte da Otan e esta possibilidade não está prevista sequer em um futuro próximo. Talvez algum dia possa ser.... Mas os países não podem resolver os conflitos com canhões. É uma violação das leis internacionais, é inaceitável.

BBC News Brasil - Na quinta-feira (24/3), líderes ocidentais estão reunidos, em Bruxelas, em cúpulas da Otan, do G7 e da União Europeia....

Solana - Eu sei, eu sei. Estou acompanhando.

BBC News Brasil - Foi anunciado o envio de mais armas à Ucrânia e, inclusive, o primeiro-ministro Boris Johnson falou sobre o envio de mísseis.

Solana - Eu acho que é preciso ajudar a Ucrânia. Mas de uma forma que não se acabe gerando uma guerra maior ainda.

BBC News Brasil - Mas de que maneira?

Solana - Os líderes do mundo ocidental devem evitar uma confrontação entre a Otan e a Rússia. Ninguém quer isso e é preciso fazer todo o possível para que isto não ocorra. Não podemos entrar numa guerra mundial e com armas nucleares. Seria um horror.

BBC News Brasil - Nos últimos dias, ataques russos atingiram área bem próxima da fronteira com a Polônia. A Otan deve reagir caso haja ações em territórios dos países do bloco...

Solana - Com certeza. Não tenho a menor dúvida disso. Devem reagir de acordo com o artigo cinco da aliança. Se um país (da Otan) é atacado, a aliança deve reagir coletivamente.

BBC News Brasil - Ou seja, se Putin atacar no território da Polônia, por exemplo, que é o país que mais está recebendo refugiados ucranianos, a Otan em seu conjunto deve reagir, na sua opinião...

Solana - Sim, claro que sim. A Otan vai analisar e tomar a decisão que acredite ser oportuna, mas existe o artigo cinco que determina que se defenda qualquer país (da aliança ocidental) que seja atacado.

BBC News Brasil - O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, falou em risco de uma terceira guerra mundial se houver um enfrentamento entre a Otan e a Rússia. Não existe este risco...

Solana - Foi o que lhe disse no início. Os líderes devem fazer todo o possível para evitar um confronto entre a Aliança do Atlântico e a Rússia.

BBC News Brasil - A Otan teve seu papel durante a Guerra Fria, antagonizando com o bloco soviético e o Pacto de Varsóvia. Após o fim da União Soviética (URSS) e do Pacto de Varsóvia, a Otan não perdeu sua razão de ser?

Solana - Não acho não. A Otan continuou sendo um grupo de países europeus, onde ocorreram guerras muito grandes entre eles, um grupo de defesa mútua, e a aliança é e foi importante para que não ocorresse nenhum tipo de guerra. Não faz sentido se desfazer de algo que funcionou durante a Guerra Fria.

BBC News Brasil - A Otan continua importante na sua opinião..

Solana - Sim.

BBC News Brasil - Existem muitas diferenças entre o potencial armamentista da Otan, da Rússia e da Ucrânia. Se a Otan entra na guerra, o que poderia ocorrer de fato?

Solana - Não quero me meter nessa posição.

BBC News Brasil - Mas a existência da Otan e sua expansão para o Leste Europeu representa uma ameaça à Rússia e a outros países que rivalizam com os Estados Unidos, como a China?

Solana - Não, não. Não representa ameaça à Rússia e nem à China.

BBC News Brasil - O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, cobrou da Otan o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea sobre o país. Seria possível? Quais as consequências disso?

Solana - O presidente da Ucrânia está sendo atacado por uma potência nuclear e sem ter feito nada para que seja atacado. Não há razão para que a Rússia esteja atacando civis e atuar como está atuando contra um país que não tem, que não representa nenhuma ameaça para a Rússia.

BBC News Brasil - Mas...

Solana - Não sei porque Putin faz isso.

BBC News Brasil - Quando o senhor foi secretário geral da Otan viveu momentos desafiantes como este para o mundo?

Solana - Eu vivi um momento de esperanças que foi exatamente quando se assinou a ata fundacional entre a Rússia e a Otan criando uma instituição nova que era Rússia-Otan. E eu achava que esse era o caminho a seguir.

BBC News Brasil - Esse acordo foi positivo?

Solana - Claro que sim.

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