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Como estão os direitos das mulheres no Afeganistão um ano após volta do Talebã

Mulheres caminham em Cabul, capital do Afeganistão - Ali Khara/Reuters
Mulheres caminham em Cabul, capital do Afeganistão Imagem: Ali Khara/Reuters

15/08/2022 07h51Atualizada em 15/08/2022 09h59

Nos doze meses desde que assumiu o poder no Afeganistão, o Talebã acabou com quase todas as liberdades conquistadas pelas mulheres afegãs desde a passagem dos islamistas radicais pelo poder, há duas décadas.

A partir do momento em que o grupo assumiu a capital Cabul em 15 de agosto do ano passado, muitas mulheres temiam o impacto que o novo governo teria, e, com o passar do tempo, elas descobririam que vários dos medos virariam realidade.

Uma série de decretos e notas de orientação oficial colocaram restrições rigorosas formalmente em vigor, embora a maneira como elas foram aplicadas e cumpridas tenha sido irregular, com algumas variações regionais.

A seguir, analisamos alguns momentos-chave em que os direitos e liberdades das mulheres foram prejudicados no Afeganistão ao longo dos últimos doze meses, às vezes por decretos formais emitidos pela liderança do Talebã, às vezes mais sutilmente por meio de mudanças pontuais em algumas regras.

21 de maio de 2022: Apresentadoras de TV são obrigadas a cobrir o rosto

Nove meses após a tomada do Talebã, as apresentadoras de TV foram instruídas a entrar no ar com o rosto coberto. A apresentadora da TV Tolo, Yalda Ali, publicou um vídeo nas redes sociais no dia seguinte ao anúncio, dizendo que todos os seus colegas do sexo masculino também usavam máscaras no ar em protesto contra as novas instruções.

"Eles estão nos pressionando indiretamente para que paremos de aparecer na TV", disse à BBC uma jornalista que trabalha em Cabul e que pediu para permanecer anônima.

"Como posso ler as notícias com a boca tapada? Não sei o que fazer agora, tenho que trabalhar, sou o ganha-pão da minha família."

Farida Sial, apresentadora da TV Tolo, disse à BBC: "Tudo bem sermos muçulmanos, usarmos hijab, escondermos o cabelo, mas é muito difícil para uma apresentadora cobrir o rosto por duas ou três horas e falar desse jeito."

7 de maio de 2022: Talebã torna obrigatório o uso de véus em público

As mulheres afegãs são obrigadas a usar o véu que cobre o rosto inteiro pela primeira vez em décadas após um novo decreto do Talebã.

Qualquer mulher que se recuse a obedecer a nova regra pode ver seu guardião homem preso por três dias. A ordem também afirma que elas devem deixar a casa onde moram apenas "em casos de necessidade" e os parentes do sexo masculino sofrerão consequências se essas diretrizes forem ignoradas.

"Parte meu coração que as pessoas na rua estejam se aproximando de mim para pedir que eu cubra o rosto", afirma Soraya, proprietária de uma pequena empresa, à BBC dias após o anúncio do decreto.

Ela disse que funcionários do Talibã estavam entrando em lojas de roupas femininas em Cabul para verificar o que as funcionárias estavam vendendo e se o comprimento das roupas feitas sob medida era considerado apropriado.

"Até o alfaiate que visitei me disse para cobrir o rosto antes que eu pudesse falar com ele."

A estudante universitária Fereshtah diz que suas colegas estão obedecendo às ordens por medo. "Elas me disseram que usarão um véu completo porque seus pais as alertaram sobre as repercussões de não se cobrirem."

3 de maio de 2022: Novas restrições para motoristas mulheres

Autoridades do Talebã em Herat dizem aos instrutores de direção automotiva que parem de dar aulas para mulheres e emitir carteiras de motorista para elas.

O chefe do Instituto de Gestão de Tráfego da cidade, que regula as escolas de condução, disse à agência de notícias AFP que a mudança foi anunciada verbalmente.

A liderança do Talebã negou que uma decisão dessas tenha sido dada, mas muitas restrições locais foram introduzidas gradualmente ao longo do ano passado.

23 de março de 2022: As meninas são excluídas das escolas secundárias

O Ministério da Educação do país deu uma reviravolta repentina ao excluir as meninas das escolas secundárias um dia antes do início do novo ano letivo.

A liderança central do Talebã reverteu um anúncio anterior do mesmo ministério, dizendo que era necessário um plano "abrangente" e "islâmico" para permitir que as meninas voltassem às aulas.

A decisão provocou protestos em Cabul e condenação generalizada fora do país.

"Meu sonho era ir para a universidade e me tornar médica", declarou a estudante Mahvash, que tem 17 anos e é da província de Takhar.

Falando à BBC 100 Women, a estudante secundária Rohila disse que assiste ao noticiário todos os dias, esperando ouvir notícias sobre a reabertura das escolas em sua área. Há meses, ela vê seus irmãos do sexo masculino irem para as aulas, enquanto ela é "deixada para trás" em casa.

"Sinto muita tristeza por estarmos sendo privadas desse direito básico à educação só porque somos mulheres."

"Meus sonhos de investir na minha educação agora parecem fúteis", lamentou.

3 de fevereiro de 2022: Estudantes do sexo feminino frequentam algumas aulas na universidade, mas com segregação de gênero

Algumas universidades públicas reabrem para estudantes do sexo masculino e feminino, mas com os gêneros mantidos separados em salas de aula segregadas. Em Herat, homens e mulheres são instruídos a comparecer às aulas em horários diferentes durante o dia.

Autoridades de educação disseram que querem classes segregadas por gênero e um currículo baseado em princípios islâmicos, com hijab obrigatório para estudantes do sexo feminino.

"Eu me senti muito ansiosa, o Talebã estava guardando o prédio quando chegamos, mas eles não nos incomodaram", disse Rana, falando à BBC 100 Women no primeiro dia de volta às aulas.

Em universidades menores, os alunos compartilham a mesma sala de aula, mas mantêm distância física.

"Muitas coisas pareciam normais, como eram antes. Mulheres e homens estavam na mesma classe porque nossa universidade é pequena — os meninos estavam sentados na frente e nós atrás", descreveu Rana.

Outros pareciam mais céticos. Uma estudante universitária de uma faculdade de medicina na cidade de Mazar-e-Sharif disse à BBC que "voltar à universidade não é mais uma prioridade".

"Estamos morrendo de fome... Preciso comprar livros e roupas, mas não temos dinheiro."

Janeiro de 2022: O Talebã inicia oficialmente uma campanha obrigatória de uso do hijab

O Ministério da Promoção da Virtude e da Prevenção do Vício coloca cartazes em Cabul promovendo o uso do véu e das coberturas faciais.

A campanha veiculada nas línguas dari, pashto e árabe diz: "Baseado na Sharia [o direito islâmico], uma mulher muçulmana deve usar o hijab".

Os cartazes retratam duas imagens do hijab consideradas aceitáveis: a primeira, o véu preto com cobertura facial, e a segunda, o véu azul com cobertura facial.

26 de dezembro de 2021: As mulheres são proibidas de viajar sozinhas

Uma diretriz do Talebã ordena que as mulheres afegãs que desejam viajar longas distâncias por estrada providenciem um acompanhante masculino para acompanhá-las.

O Ministério da Promoção da Virtude e da Prevenção do Vício afirmou que as mulheres que viajam por mais de 72 km precisam ser acompanhadas por um familiar masculino próximo e os proprietários de veículos devem recusar caronas a mulheres que não usem os véus na cabeça e no rosto.

"Eu me senti muito mal", diz Fátima, uma parteira que mora em Cabul.

"Não posso sair sozinha. O que devo fazer se meu filho estiver doente e meu marido não estiver disponível? O Talebã tirou a felicidade de nós... Perdi a independência e a felicidade."

17 de setembro de 2021: Jornalistas femininas em Cabul são proibidas de trabalhar

A Federação Internacional de Jornalistas diz que profissionais do sexo feminino foram em grande parte proibidas de trabalhar e que 153 meios de comunicação foram fechados desde a tomada do Talebã, incluindo jornais, canais de rádio ou TV e sites.

Anisa Shaheed, que trabalhava na TV Tolo e é considerada uma das repórteres mais importantes do Afeganistão, foi uma das muitas jornalistas que decidiram sair do país.

Em 2021, ela foi nomeada jornalista do ano e "a face da liberdade de expressão" pela rede Free Speech Hub do Afeganistão, além de ser eleita uma das 100 mulheres do ano pela BBC.

"No auge do deslocamento e do desespero, espero ver o Afeganistão em paz. E um dia poder retornar à minha terra natal, à minha casa e ao meu trabalho", afirmou.

19 de setembro de 2021: Funcionárias de governos municipais são instruídas a ficar em casa

O governo Talebã diz às funcionárias do governo da cidade de Cabul que fiquem em casa.

Eles anunciam que apenas funcionárias que não podem ser substituídas por homens devem retornar temporariamente ao trabalho, incluindo algumas que integram os departamentos de design e engenharia e as funcionárias de banheiros públicos femininos.

17 de setembro de 2021: O Ministério dos Assuntos da Mulher é dissolvido

Apenas um mês depois de tomar o poder à força, a nova administração Talebã acaba com o Ministério de Assuntos da Mulher do país.

A placa do gabinete ministerial é substituída por uma do Ministério da Promoção da Virtude e da Prevenção do Vício, órgão conhecido por implantar a chamada polícia da moralidade nas ruas sob o último governo do grupo, uma força que era conhecida por espancar mulheres que consideravam estar vestidas "sem modéstia" ou que foram vistas fora de casa sem um guardião do sexo masculino.

Funcionárias que trabalhavam no complexo do Ministério de Assuntos da Mulher disseram à BBC que foram trancadas do lado de fora do prédio.

"Para as mulheres, não haverá mais nada", disse uma trabalhadora.

"Todos nós temos responsabilidades com nossas famílias... Somos educadas e não queremos nos confinar em casa."

8 de setembro de 2021: O Talebã declara que o esporte feminino é 'desnecessário'

As mulheres afegãs são banidas das competições organizadas depois que o vice-chefe da comissão cultural do Talebã, Ahmadullah Wasiq, declarou que os esportes femininos não eram "nem apropriados, nem necessários".

"No críquete, elas podem enfrentar uma situação em que o rosto e corpo não estarão cobertos. O Islã não permite que as mulheres sejam vistas assim", declarou Wasiq a uma emissora australiana.

O críquete feminino profissional estava à beira de um avanço no Afeganistão quando Cabul foi dominada. Agora, muitas atletas estão no exterior, mas prometem continuar praticando o esporte.

Sahar jogou por um time de futebol local por três anos. Mas quando o Talebã assumiu o controle do país, ela se escondeu com a família, antes de ser levada para outro país.

"Minha família no futebol, os amigos e os professores, era muito grande", disse ela à BBC 100 Women.

"Tive que parar de jogar e fiquei muito triste. Quando olhava para as minhas roupas, chuteiras e bola, eu chorava."

"Tenho muitas esperanças e sonhos para o futuro... Quero ter sucesso para que ninguém possa dizer que as meninas não podem jogar futebol."

7 de setembro de 2021: O Talebã anuncia um gabinete exclusivamente masculino

O Talebã anunciou um gabinete exclusivamente masculino, formado apenas por integrantes de suas próprias fileiras.

O governo anterior teve quatro ministras do sexo feminino, com duas governadoras servindo em regiões do Afeganistão.

5 de setembro de 2021: O Talebã interrompe um protesto pelos direitos das mulheres

Autoridades do Talebã dissolveram a última manifestação que reuniu dezenas de mulheres em Cabul, que exigiam o direito ao trabalho.

Os integrantes do grupo que tomou o poder também usaram gás lacrimogêneo e spray de pimenta para controlar protestos de mulheres na capital e em Herat.

A ativista Razia Barakzai esteve envolvida em alguns dos primeiros protestos pelos direitos das mulheres em Cabul.

"Senti que tinha que fazer alguma coisa e não esperar que os outros agissem. Tomei a decisão de fazer manifestações apesar de todos os riscos envolvidos", contou.

"No primeiro dia em que saímos às ruas, ao redor do portão do palácio, fomos atacadas. Mas, como tínhamos os olhos da mídia em nós, conseguimos continuar nos manifestando."

"Desejo que um dia possamos ver um Afeganistão que está nos sonhos dessas mulheres de espírito livre que buscam justiça", diz Razia.

*Os nomes citados ao longo da reportagem foram alterados para proteger a identidade dos entrevistados