Jamil Chade

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ONU denuncia queima de arquivos sobre crimes de Assad na Síria

A Comissão de Inquérito da ONU sobre os crimes na Síria denuncia a queima de arquivos que poderiam ser fundamentais para determinar o paradeiro de milhares de vítimas do governo de Bashar Al Assad, assim como provas para eventuais processos contra o ex-regime.

O ditador fugiu para a Rússia na semana, encerrando 40 anos de uma dinastia que havia começado com seu pai. A partir de 2011, a guerra civil no país passou a concentrar amplos esforços diplomáticos, sem que um processo negociado de transferência de poder jamais pudesse ser acertado.

A guerra, porém, fez mais de 300 mil mortos e um grande volume de denúncias de torturas, prisões arbitrárias e desaparecimentos. Em nenhum momento, desde a criação da Comissão da ONU em 2011, Damasco permitiu a entrada de seus membros no país. Desde seu início, o mecanismo da ONU foi liderado pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro.

A esperança da ONU era de que, com o fim do regime Assad, o acesso a documentos e locais mantidos em sigilo pudesse ajudar a desvendar a repressão, assim como traçar um caminho para que as famílias encontrassem seus parentes, vivos ou não.

Nesta semana, uma equipe da Comissão de Inquérito visitou antigas prisões e centros de detenção, incluindo a prisão de Sednaya e a Seção 235 da Inteligência Militar.

"A equipe da Comissão ficou consternada ao ver que muitas provas e documentos que poderiam ajudar as famílias a descobrir o paradeiro de seus entes queridos desaparecidos e servir como prova em futuros processos de responsabilização haviam sido danificados, levados ou destruídos", afirmou a ONU, num comunicado emitido nesta sexta-feira.

"Em alguns casos, grandes depósitos de documentos foram incendiados e queimados. As famílias de alguns desses locais estavam vasculhando toda a documentação restante, na esperança de encontrar alguma pista sobre o destino de seus entes queridos", relatou.

A equipe também observou a existência de um grande número de documentos que ainda podiam ser recuperados e recebeu informações de que outros registros foram protegidos em outros locais, seja pelo governo interino ou em outro lugar por organizações da sociedade civil.

A equipe infirmou que a exumação de valas comuns já foi iniciada, tanto por organizações de resgate quanto por particulares.

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"A Comissão alertou que as ações tomadas agora, mesmo que bem-intencionadas, podem complicar os esforços futuros para identificar as pessoas que se perderam e dar um fim às suas famílias. Deve-se tomar o máximo de cuidado para proteger os locais de valas comuns e salvaguardar todos os documentos e evidências em toda a Síria", alertou a ONU, em seu comunicado.

Para ajudar nisso, a Comissão sugeriu que o novo governo estabelecesse uma unidade para liderar e coordenar a proteção e a preservação dos locais das valas comuns, bem como de toda a documentação relevante, até que especialistas sírios e internacionais possam examiná-los e exumar corpos e restos mortais, para proteger o direito das famílias à verdade.

Nos últimos dias, várias entidades nacionais e internacionais de direitos humanos e humanitárias se ofereceram para ajudar na proteção de documentos e locais relacionados a possíveis crimes. Isso seria importante tanto para futuros processos de responsabilização quanto para localizar os desaparecidos e apoiar suas famílias.

A ONU ainda sugeriu ao governo que faça declarações públicas, "exigindo que o público se abstenha de perturbar esses locais e que todos os documentos ou evidências coletados sejam devolvidos, ao mesmo tempo em que comunica que isso facilitará os processos de justiça e responsabilização que se seguirão nos próximos meses e anos".

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