Bolsonaro: os gastos no cartão corporativo que podem entrar na mira da Justiça
Em meio a milhares de despesas, algumas chamam atenção, como gastos elevados com alimentação e abastecimento de combustível em dias que o ex-presidente realizou "motociatas" com apoiadores.
Dezenas de milhões em gastos públicos com cartão corporativo pelos últimos quatro presidentes foram disponibilizados em uma planilha pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Os dados abrangem as despesas de 2003 a 2022, ou seja, os primeiros dois mandatos de Lula e os governos de Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro.
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A disponibilização dos dados atendeu a uma solicitação da organização Fiquem Sabendo, especializada em transparência. Segundo explicou a organização, não se trata de uma decisão que reverteu um dos sigilos de 100 anos estabelecidos pelo governo Bolsonaro, que estão em análise pela Controladoria Geral da União (CGU).
No caso dos gastos com cartão corporativo, a justificativa para o sigilo adotada pelo ex-presidente era baseada em outro trecho da Lei de Acesso a Informação, que estabelece que informações que possam colocar em risco o presidente, o vice-presidente e respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição.
Dessa forma, com o fim do mandato de Bolsonaro, seus dados puderam ser disponibilizados e foram reunidos numa planilha com as despesas de presidentes anteriores. A organização celebrou a divulgação, mas cobrou mais detalhes sobre os gastos.
"Falta ainda divulgar as notas fiscais para maiores detalhamentos, se possível também em transparência ativa, no Portal da Transparência ou semelhante. Até o momento não foram disponibilizadas informações de nenhuma nota fiscal, que mostrariam o produto ou serviço específico adquirido", destacou a Fiquem Sabendo.
Possíveis crimes?
No caso de Bolsonaro, foram gastos R$ 27.621.657,23 em quatro anos, ou seja, mais de R$ 27, 6 milhões. Essa despesa pode incluir gastos do presidente e de sua equipe mais próxima, como seguranças e assessores que acompanham em viagens, por exemplo.
Em meio a milhares de despesas, algumas chamam atenção, como gastos elevados com alimentação e abastecimento de combustível em dias que o ex-presidente realizou motociatas com apoiadores.
Segundo levantamento do jornal O Globo, o uso do cartão corporativo soma R$ 1,5 milhão em dias de motociata.
A maior parte envolve hospedagens em hotéis de alto padrão (R$ 865.787), alimentação (R$ 580.181), apoio logístico (R$ 36.047) e gasolina (R$ 18.691).
Quando Bolsonaro realizou uma motociata em São Paulo no dia 15 de abril de 2022, por exemplo, o cartão da presidência realizou sete compras no valor total de R$ 62.206 na lanchonete Tony e Thais, que fica em Moema.
Nessa mesma data, também foram gastos no total R$ 2614,61 em dois postos de combustível.
As despesas indicam a possibilidade de o cartão da presidência ter sido usado não só para os gastos da equipe presidencial, mas para fornecer lanches e combustível para os apoiadores que participaram da motociata.
Segundo Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal Universidade de São Paulo, se isso tiver ocorrido, o ex-presidente poderia ser enquadrado no crime de peculato (desvio de dinheiro público), que tem pena de 2 a 12 anos de prisão, além de multa.
Além disso, poderia ser cobrado a ressarcir os cofres públicos na esfera civil.
Outras despesas podem levantar esse tipo de suspeita. A planilha revela que Bolsonaro gastou R$ 55 mil em uma padaria no Rio de Janeiro um dia após a festa de casamento do seu filho Eduardo Bolsonaro, que ocorreu na cidade em 25 de maio de 2019.
Já o maior gasto com alimentação foi de R$ 109 mil no restaurante Sabor de Casa, em Roraima, pago no dia 26 de outubro de 2021.
Naquele dia, Bolsonaro visitou as instalações da operação Acolhida, que atende migrantes da Venezuela que entram no Brasil, esteve em celebração na Assembleia de Deus em Boa Vista, e visitou uma comunidade indígena no norte de Roraima.
O portal G1 falou com o estabelecimento que recebeu R$ 109 mil. O local confirmou ter fornecido 659 almoços e quase três mil kits de lanches, a R$ 30 cada, que foram entregues no quartel do Exército, o 7º Batalhão de Infantaria de Selva, em Boa Vista.
Ainda segundo o G1, a assessoria do Exército no estado foi questionada, mas não informou para quem os lanches e os almoços foram servidos no dia da visita de Bolsonaro.
Até a publicação da reportagem, o ex-presidente não comentou publicamente os gastos do seu cartão corporativo.
Comparativos e antigas polêmicas
Os dados da planilha divulgada pelo governo indicam que Temer foi o presidente que menos gastou com o cartão corporativo, seguido de Bolsonaro, Dilma e Lula, mostra levantamento do jornal O Globo.
Apoiadores do atual presidente questionaram nas redes sociais a validade da comparação, afirmando que as regras do cartão corporativo teriam mudado ao longo dos anos, de modo que os gastos registrados no governo Lula incluiriam um número maior de despesas, como gastos de ministros de Estado, que não estariam incluídos nos gastos divulgados sobre Bolsonaro.
A BBC News Brasil não conseguiu confirmar essa informação apenas com base na planilha disponibilizada pelo atual governo. A reportagem solicitou esclarecimentos à Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), mas não obteve retorno até a noite de sexta-feira.
Segundo a reportagem do jornal O Globo calculou, a partir dos dados da planilha, os gastos de Bolsonaro (R$ 27,6 milhões) em quatro anos equivalem a R$ 30,8 milhões em valores atualizados pela inflação, o que dá uma média de R$ 7,7 milhões ao ano.
Já Lula gastou R$ 43.988.509,05 nos oito anos de governo, em valores da época. Corrigido pela inflação, o montante chega a R$ 110,1 milhões, uma média de R$ 13,765 milhões ao ano.
Nos casos de Dilma e Temer, os valores médios anuais atualizados pela inflação ficam, respectivamente, em cerca de R$ 8 milhões e de R$ 5,7 milhões.
Essas despesas têm sido alvo de polêmicas desde que o cartão corporativo foi adotado no governo Fernando Henrique Cardoso, com objetivo de trazer praticidade e transparência à administração federal.
Em 2008, no segundo governo Lula, o Senado chegou a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar o uso dos cartões.
Um dos investigados foi o então ministro dos Esportes, Orlando Silva (PCdoB-SP), que virou alvo após pagar R$ 8,30 em uma tapioca em Brasília com o cartão corporativo.
Ele alegou que se enganou no momento do pagamento e que ressarciu o valor, já que o cartão só poderia ser usado em viagens.
Também foi alvo de polêmica uma despesa de R$ 20.112 com diárias em hotel e alimentação, em uma viagem ao Rio de Janeiro para qual levou a esposa, sua filha bebê e uma babá. Ele argumentou que estava em agenda oficial e que a presença de sua mulher fazia parte do protocolo da viagem.
Apesar disso, Silva decidiu devolver do próprio bolso R$ 30.870,38 gastos com o cartão em dois anos como ministro.
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