Topo

Esse conteúdo é antigo

Terremoto na Síria: "Imagine 12 anos em uma guerra, e agora essa situação"

Socorristas pedem ajuda internacional para réas na Síria afetadas pelo terremoto - White Helmets via REUTERS
Socorristas pedem ajuda internacional para réas na Síria afetadas pelo terremoto Imagem: White Helmets via REUTERS

Margarita Rodríguez

BBC News Mundo

11/02/2023 20h08

"Imagine viver 12 anos em uma guerra, com ataques e bombardeios diários", diz Francisco Otero y Villar, coordenador geral da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) para a Síria. "E agora vem este terremoto devastador".

Estima-se que 25 mil pessoas morreram nos terremotos que atingiram o sul da Turquia e o norte da Síria na segunda-feira (6/2) — 3.300 mortos no território sírio. As Nações Unidas estimam que 10,9 milhões de sírios em várias províncias do noroeste foram afetados.

Antes dos terremotos, a Síria já era o país no mundo com o maior número de deslocados (pessoas obrigadas a saírem de suas casas sem deixar o país). São 15 milhões de pessoas que precisam de ajuda humanitária em anos de guerra civil. Partes do noroeste do país são controladas por facções rivais.

Após os terremotos, a ajuda de países como Irã, Iraque, Jordânia e Venezuela, entre outros, chegou a áreas controladas pelo governo . Na sexta-feira, Damasco deu permissão para o envio de ajuda internacional às vítimas do terremoto em áreas controladas por rebeldes, informou a mídia estatal.

Atualmente, existe apenas uma passagem terrestre entre a Turquia para a Síria , pela qual transitaram dois comboios da ONU.

Veja abaixo a entrevista dada à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, por Otero y Villar, do MSF, que está em Amã, na Jordânia.

Após 12 anos em guerra e agora dois terremotos devastadores no norte do país, como os profissionais dos MSF descrevem a situação na Síria?

A situação é dramática, muito complicada. Após 12 anos de guerra, a população dentro da Síria já estava em uma situação muito vulnerável. Além disso, veio a pandemia de covid, que também afetou muito a população e a estrutura de saúde.

Depois do fim da pandemia, tivemos uma epidemia de cólera que ainda vinhámos enfrentando nas últimas semanas. Nossos centros de tratamento de cólera ainda estão abertos. E então um terremoto devastador nos atinge.

O nível de destruição dentro da Síria também é muito grande. Cidades inteiras, bairros inteiros desabaram, centenas de casas desabaram, levando milhares de pessoas às ruas.

Agora, devido a este terrível terremoto, vemos uma nova situação em que as pessoas precisam deixar suas casas, algo que já vinha ocorrendo devido à guerra.

A ajuda humanitária está demorando, ainda há pessoas na rua que não sabem para onde ir. Algumas estão dormindo em seus veículos. A situação meteorológica é ruim. Antes estava nevando, no dia do terremoto choveu.

Nossa principal prioridade era garantir que os hospitais tivessem suprimentos médicos, suprimentos cirúrgicos e remédios suficientes para tratar esses milhares e milhares de pessoas feridas pelo terremoto.

Desde as primeiras horas, apoiamos mais de 30 hospitais, maternidades, centros de saúde com tudo o que é necessário para tratar politraumatizados. Outra prioridade é garantir o apoio às pessoas que estão desabrigadas.

Em diferentes lugares, distribuímos kits com colchões, cobertores, utensílios de cozinha, roupas. A ajuda humanitária está demorando. Teríamos que ser mais rápidos na instalação de campos, tendas, para os novos desabrigados. O que há dentro da Síria não será suficiente para cobrir todas essas necessidades.

É muito importante que os postos fronteiriços sejam abertos, para que uma ajuda humanitária em massa possa entrar. A resposta a este terremoto tem que ser grande.

A guerra gerou uma situação muito complicada, com estruturas de saúde que não funcionam. As necessidades que existiam antes do terremoto já eram muito grandes. Há pessoas que vivem em campos há 12 anos, em condições insalubres, com pouco acesso à água.

A situação naqueles acampamentos, que já era complicada, vai piorar ainda mais porque vamos ter outros milhares de pessoas desabrigadas, que certamente terão que se juntar aos que estão lá
Francisco Otero y Villar, do MSF

A situação psicológica das pessoas é dramática. Imagine viver 12 anos em uma guerra sem nenhuma perspectiva de futuro, de paz, de futuro econômico, de estudos para os filhos, de trabalho. Viver na insegurança, porque a qualquer momento pode haver um atentado, um bombardeio, apesar dos acordos de paz.

Isso é algo recorrente, todos os dias há bombardeios e ataques de ambas as partes no conflito e as pessoas vivem nessa terrível incerteza. No MSF também estamos tentando apoiar os aspectos de saúde mental em relação ao conflito. E agora ainda mais devemos apoiá-los por causa dessa tragédia que estão vivendo.

Dias depois do terremoto, há a informação de que ainda há pessoas nas ruas e que não sabem para onde ir.

Isso mesmo, e devido ao grande número de tremores secundários que estão ocorrendo, mais de 300 entre as últimas 24 e 48 horas, alguns deles bastante fortes, as pessoas não querem voltar para as suas casas que ainda estão de pé. Eles preferem ficar do lado de fora e ir a lugares onde as barracas foram montadas porque temem que as estruturas ainda possam cair.

Algumas estruturas de saúde, já escassas depois de tantos anos de guerra, foram afetadas pelo terremoto. Por exemplo, tivemos que evacuar uma das maternidades onde trabalhamos no mesmo dia do terremoto. A gente tinha que levar mães, bebês, bebês dentro de incubadoras, para outros lugares em que a maternidade ainda não funciona.

Felizmente, conseguimos instalar outra maternidade, também afetada, em outro local e está funcionando. Uma resposta urgente deve ser dada a este terremoto e aos milhares de feridos. Nos hospitais que o MSF apoia, tratamos quase 4.000 feridos que precisarão de tratamento médico de longo prazo.

Mas também temos que garantir que o sistema de saúde continue funcionando também para aqueles que não foram afetados pelo terremoto, mas que precisam de cuidados médicos regulares.

Temos respondido com os estoques que temos dentro do país, que armazenamos para este tipo de catástrofe, mas são escassos e vão durar apenas algumas semanas. Temos que garantir que todas as organizações que trabalham no noroeste da Síria possam trazer a ajuda humanitária necessária para responder a esta crise e à crise crônica relacionada ao conflito.