De guarda-costas de ditador a ativista
O ativista Lee Young Guk foi guarda-costas de Kim Jong-il - pai do atual líder norte-coreano, Kim Jong-un - até poucos anos antes de o ditador assumir o poder na Coreia do Norte. Ele conviveu com as pessoas mais poderosas do país durante dez anos, a partir do final dos anos 1970. Hoje, Lee vive na capital da Coreia do Sul, Seul, e viaja o mundo para contar sua história.
O homem de 54 anos adotou como missão chamar a atenção para violações dos direitos humanos na Coreia do Norte e levar Kim Jong-un ao Tribunal Penal Internacional. Ele quer a condenação do filho do homem que costumava proteger com a própria vida.
Gesticulando bastante, o dissidente preferia olhar para baixo enquanto concedia uma entrevista à DW, evitando olhar nos olhos da jornalista. A DW não pôde verificar independentemente as declarações de Lee.
Conversas com Kim
Lee era estudante quando recebeu a prestigiada convocação para se tornar o guarda-costas de Kim Jong-il. Na época, todas as escolas participavam de um processo de seleção de larga escala para escolher o guarda-costas do filho de Kim Il-sung, o líder fundador do regime totalitário da Coreia do Norte. Todos os candidatos tinham que passar por amplos testes, que colocavam à prova o corpo e o caráter.
"O fator mais importante era o passado da família", diz Lee. "Eles se concentravam no fato de um dos seus parentes ter sido um prisioneiro político ou ter desertado para a Coreia do Sul."
Lee foi aprovado em todos os testes. Depois de um ano, assumiu a função. Antes de começar, foi submetido a um treinamento que ele diz ter sido uma espécie de lavagem cerebral. "Eles nos falavam repetidamente o quanto Kim Jong-il era divino", diz Lee. "Na minha cabeça, ele era uma grande pessoa."
Quando começou a trabalhar para Kim, Lee diz que a impressão rapidamente mudou. Ele conta que, na época, o futuro ditador era cheio de energia, mas "sua linguagem era vulgar". "Ele não era de forma alguma o homem que eu esperava", explica.
Lee diz que Kim não costumava conversar com seus guarda-costas. Por outro lado, os guardas competiam pela atenção e os favores do chefe. Para os norte-coreanos, Lee e seus colegas viviam bem, recebendo cuidados e não passando fome como a maioria da população.
O outro lado
Apesar do tratamento preferencial, os guarda-costas estavam sempre com medo. Eles temiam cometer algum erro e perder os favores. Lee lembra que mesmo um pequeno incidente poderia ter consequências graves para as famílias de quem trabalhava com a cúpula do governo. Kim era uma pessoa muito instável, afirmou.
"Ele era cruel e não tinha piedade. Se as pessoas falassem dele pelas costas ou rissem dele, ele fazia elas desaparecerem no meio da noite. Mesmo que elas fossem suas confidentes", contou.
Lee diz que nunca matou ninguém por seu antigo chefe. "A minha tarefa era protegê-lo. Outros eram responsáveis por matar", conta.
Questão de consciência
O período de Lee como guarda-costas chegou ao fim em 1988. Não porque não fazia um bom trabalho, mas porque seu primo assumiu a função de motorista particular de Kim Jong-il, e era proibido que dois membros da mesma família trabalhassem diretamente para a família no poder.
Pela primeira vez em uma década, Lee deixou, então, Pyongyang e a redoma em que vivia. Durante todo o tempo em que esteve a serviço do governante, ele foi proibido de contatar a família e ficou chocado com a pobreza no resto da Coreia do Norte.
"Vi que quase nada mudou do lado de fora enquanto eu estava fora. As pessoas estavam em situação pior do que antes. Ainda passavam fome", diz.
Foi aí que Lee começou a duvidar do regime. "Toda propaganda do governo e a mídia sempre diziam que Kim chorava pela população faminta. Ele dizia que não iria comer nada em solidariedade aos demais", diz. Mas Lee afirma que, na verdade, os Kims estavam aproveitando os privilégios do poder.
Quando seu trabalho chegou ao fim, o ex-guarda-costas continuou trabalhando para o governo. Ele usou o seu vínculo com o regime para sair do país e gozar de privilégios especiais. Em 1994, Lee conseguiu um visto para ir à China - por onde queria seguir para a Coreia do Sul e se refugiar.
O plano de Lee não funcionou. Ele diz que foi delatado por um homem que prometia lhe ajudar, deportado para a Coreia do Norte e, então, mandado para o campo de Yodok: a Colônia de Trabalhos Forçados Número 15. "Os prisioneiros eram tratados como animais. Não, pior do que animais.", lembra Lee.
O norte-coreano conta que comeu camundongos e cobras para sobreviver. Praticamente não havia outra comida. "A cada duas semanas, vários prisioneiros eram selecionados e executados", diz. "O restante tinha que observar as execuções a cerca de 10 metros de distância."
Lee passou quatro anos e sete meses no campo antes de ser libertado. "Eu não pensava mais em fugir", salienta. Mas então, tudo mudou. Por algum motivo, as forças de segurança tentaram prendê-lo novamente. Mesmo usando algemas, ele diz que arranjou uma forma de fugir pelo rio na fronteira com a China.
Novo começo
Desde maio de 2000, Lee vive em Seul - a menos de 50 quilômetros de seu país natal. Ele diz que ainda tem medo do regime norte-coreano e teme ser perseguido e grampeado.
"Mas eu não quero que este medo me domine", diz Lee. E, justamente por isso, ele expõe sua história. Talvez também seja uma maneira de lidar com o passado. Mas há um tema em que ele não quer tocar: a própria família na Coreia do Norte. O receio sobre esse assunto ainda é grande demais.
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