Topo

Alemanha quer trazer do Brasil avião sequestrado há 40 anos

O piloto Jürgen Schumann senta na porta aberta do Landshut no aeroporto de Dubai em 15 de outubro de 1977 - Harry Koundakjian/AP
O piloto Jürgen Schumann senta na porta aberta do Landshut no aeroporto de Dubai em 15 de outubro de 1977 Imagem: Harry Koundakjian/AP

Clarissa Neher

03/03/2017 11h47

O governo alemão estuda como trazer de volta do Brasil o Boeing 737-200 que operava o voo Lufthansa 181, sequestrado em 1977 em um dos capítulos mais marcantes da história recente da Alemanha.

A aeronave está no cemitério de aviões do aeroporto de Fortaleza. A intenção é expor a aeronave num museu.

A análise partiu de um pedido pessoal do vice-chanceler federal e ministro do Exterior Sigmar Gabriel, que disse que o "Landshut" – como é chamado o avião na Alemanha – é simbólico para a memória de um tempo difícil e importante no país.

"Os restos do Landshut estão no nordeste do Brasil e enferrujam sob o sol. Muitos, não só no ministério, acreditam que ele mereça talvez um destino melhor, por representar uma parte importante da história alemã", afirmou Martin Schäfer, porta-voz do Ministério do Exterior.

A aeronave foi sequestrada, com mais de 90 pessoas a bordo, por quatro integrantes da Frente Popular para a Libertação da Palestina, que, para liberar os reféns, pedia a soltura de membros da Fração do Exército Vermelho (RAF) presos na Alemanha.

O sequestro é um dos episódios mais marcantes do chamado Outono Alemão, período entre setembro e outubro de 1977 em que as operações da RAF, organização guerrilheira alemã de extrema-esquerda, atingiram o auge do radicalismo.

Depois do sequestro, a aeronave continuou transportando passageiros da Lufthansa até ser vendida pela empresa alemã em 1985. O Landshut teve vários proprietários e passou a levar cargas. Até 2008, ele voou pela TAF, de Fortaleza.

Devido a pendências judiciais da empresa, o avião foi penhorado e há nove anos está parado no cemitério de aviões da capital cearense.

O sequestro

No dia 13 de outubro, a aeronave partiu de Palma de Mallorca, na Espanha, com destino ao aeroporto de Frankfurt. Ao entrar no espaço aéreo francês, os extremistas, armados com pistolas e granadas, anunciaram o sequestro e deram início à jornada de 106 horas que terminaria apenas na Somália.

Para libertar os passageiros, o grupo exigia que o governo alemão soltasse integrantes da RAF presos na Alemanha. O governo alemão se recusou a libertá-los. Antes de pousar em Mogadíscio, durante o sequestro, o avião fez paradas para reabastecer em Roma, Lárnaca, Bahrein, Dubai e Áden.

Após o assassinato do piloto em frente aos passageiros, no dia 16, o copiloto foi obrigado a continuar sozinho a jornada. Na capital somali, forças especiais da polícia federal da Alemanha conseguiram libertar a aeronave. Três dos quatros sequestradores foram mortos na ofensiva.

Depois do fracasso da ação terrorista, Andreas Baader, Jan-Carl Raspe e Gudrun Ensslin, membros destacados da RAF, cometeram suicídio coletivo na prisão.

"A libertação do Landshut representa um momento dramático na história da Alemanha. A ofensiva de violência da RAF pode ser pela primeira vez interrompida graças a circunstâncias afortunadas e a certa determinação do chanceler federal da época e ao risco corrido pelas forças especiais de segurança", lembra o cientista político Wolfgang Kraushaar.

Segundo ele, a libertação pode ter sido a mais decisiva na luta contra o terrorismo na época. O Outono Alemão foi marcado também pela intensificação das práticas de controle do Estado e da presença policial no cotidiano da população, algo que dividiu a sociedade.

Repatriação não é unânime

A volta do Landshut para a Alemanha, no entanto, divide especialistas. Kraushaar é contra. Além dos custos envolvidos na repatriação e reforma da aeronave, o cientista político destaca que o atual avião não se parece mais com o da época do sequestro, assim, não faria sentido expor um objeto que perdeu sua autenticidade ao longo dos anos.

O cientista político Alexander Strassner tem uma opinião diferente e defende a volta da aeronave.

"O Landshut é uma relíquia viva histórica, resquício de um capítulo dominante da história da Alemanha pós-guerra, seu valor simbólico não é superestimado. Uma repatriação é apenas lógica", argumenta.

De acordo com a Infraero, o futuro do Landshut depende de uma decisão judicial. A estatal informou que os custos referentes ao "pouso e permanência do avião estão sendo discutidos judicialmente".

Enquanto a decisão brasileira não sai, o governo alemão avalia cidades que poderiam receber em museus o histórico Landshut. Apesar de o ministério não ter divulgado detalhes, jornais alemães listaram alguns dos possíveis interessados, entre eles está a antiga capital Bonn e a cidade de Flensburg, no norte do país.