Topo

Opinião: O que foi feito do "Nós vamos conseguir" de Merkel

Christoph Strack (av)

29/08/2017 15h25

Dois anos atrás, chanceler dizia slogan mais famoso da crise dos refugiados. São palavras de otimismo e confiança que perderam força, mas ainda simbolizam as possibilidades do país, opina o jornalista Christoph Strack.A chanceler federal Angela Merkel atravessa a Alemanha em campanha eleitoral com uma frase: "Um ano assim não pode e não deve se repetir", exclama nos diversos comícios, diante de milhares de espectadores. Ela se refere a 2015, quando a maioria dos refugiados veio para o país.Leia a cobertura completa sobre aeleição na Alemanha em 2017Só na penúltima semana de agosto ela repetiu a frase em, entre outros lugares, Bayreuth e Bad Kissingen, na Baviera; Fulda, no estado de Hessen; Vechta, no norte; Quedlinburg, na região montanhosa do Harz; Annaberg, na Saxônia. No norte, no sul, no leste, no oeste: ela a diz por toda a Alemanha.Assim fala a combativa presidente da União Democrata Cristã (CDU). E quase parece que a candidata à reeleição quer fazer esquecer uma declaração da chanceler: "A Alemanha é um país forte. A ideia com a qual abordaremos essas coisas deve ser: já conseguimos tanto – nós vamos conseguir isso!"Foi o que ela disse em 31 de agosto de 2015, numa frase que motivou milhares de voluntários. Ela evocava um potencial de realização possível e necessário, e também valores comuns."Nós vamos conseguir" logo se transformou num slogan – mesmo que não tenha sido evocado com frequência demasiada por Merkel, porém em discursos fundamentais. No entanto, quando uma frase se difunde assim, sua aplicabilidade se perde, e o contexto muda para ironia ou crítica mordaz. Pouco mais de um ano depois, a própria chefe de governo iria se distanciar: a frase se transformara "quase numa fórmula vazia", disse.O francamente patético "Nós vamos conseguir" foi lançado na Bundespressekonferenz, a entrevista coletiva diária para jornalistas especializados em temas do governo federal alemão. Indagada dois anos mais tarde a respeito, no mesmo local, a chanceler federal não se manifestou. E, com o usual pragmatismo merkeliano, comentou os diversificados aspectos do êxodo e da migração, a contenção do sistema criminoso de atravessadores, e as possibilidades de rotas de acesso controladas.Uma falha daquelas semanas de setembro de 2015 foi a expectativa de muitos de que a integração se realiza com relativa rapidez, no prazo de alguns anos. Um equívoco: integração é trabalho duro e um projeto para várias gerações. E exige transformação de ambos os lados, tanto da sociedade que acolhe quanto dos que chegam.Num ensaio científico de 1986, Mito da integração rápida, estuda-se a integração dos deslocados e refugiados na República Federal da Alemanha de 1945 a 1971. Um mito é algo em que todos creem, mas que não se sustenta necessariamente à luz de critérios objetivos. Também em 2015, o "mito da integração rápida" não passou de um desejo bem intencionado.A integração ocorre in loco, nas localidades e bairros – pelo menos o tempo dos grandes acampamentos de refugiados se foi. No campo do ensino, apesar de todos os obstáculos, despontam histórias de sucesso de escolares e estudantes universitários. Isso mostra que, para as gerações mais jovens, será mais fácil "chegar" de verdade.No tocante ao mercado de trabalho, o instituto econômico DIW está convencido de que, após as altas taxas de desemprego iniciais, dentro de três a dez anos prevalecerá o "efeito positivo da migração de refugiados sobre o total da economia". E em relação às caixas de aposentadoria, desde o início predomina o alívio entre os especialistas.A eles se contrapõem medos em camadas da população, manifestados a cada caso de terrorismo, qualquer que seja sua motivação. A decisão de Merkel de abrir as fronteiras e de dizer "nós vamos conseguir" não dividiu a sociedade totalmente, mas causou fissuras aqui e ali."Nós vamos conseguir" permanece uma citação histórica. Um exemplo de que, também na tão fria Alemanha, momentos importantes podem arrancar palavras emotivas dos políticos. Mas será que, com isso, a expectativa e também a reivindicação do "Nós vamos conseguir" também passaram a pertencer à história?Ninguém sabe se haverá uma situação comparável para o uso de palavras tão grandes. Mas e se, de repente, centenas de milhares de bálticos se virem forçados a abandonar seus países? E se acontecer uma catástrofe como Fukushima em algum lugar da Europa? Tudo isso é imaginável neste mundo instável. Aí o "Um ano assim não pode e não deve se repetir" soará como desejo em voz alta ou promessa. E o "Nós vamos conseguir", como reserva oculta.