A complicada situação do aborto na Alemanha
Caso de médica levada à Justiça apenas por disponibilizar informações no site de seu consultório chama a atenção para status nebuloso da interrupção da gravidez no país.Uma única palavra valeu à médica Kristina Hänel a condenação a uma multa de 6 mil euros por um tribunal alemão. No website de seu consultório na cidade de Giessen, a clínica geral oferece uma série de serviços, incluindo planejamento familiar, aconselhamento sexual – e abortos.
Ativistas da iniciativa radical Nie Wieder (Nunca Mais) a processaram pela informação pública. Na opinião dos ativistas pró-vida, Hänel estaria transgredindo o Parágrafo 219 do Código Penal da Alemanha. Segundo este, quem "oferece, anuncia ou propaga publicamente" serviços de aborto pode ser condenado a até dois anos de cárcere ou ter que pagar uma multa.
Não é a primeira vez que a médica é processada por antiaborcionistas, mas anteriormente o caso não chegou a ir a juízo. Em 2008, os promotores decidiram que ela simplesmente estava mal informada e a instruíram sobre a legislação. No entanto, como ela optou por manter o anúncio em seu site, desta vez foi aberta ação, com o aval do juiz do tribunal municipal da cidade no centro da Alemanha.
Hänel, que pratica abortos há cerca de 30 anos, considera importante aquelas que estejam considerando interromper a gestação poderem encontrar ajuda quando necessitem dela.
"Quero que as mulheres estejam aptas a tomar decisões informadas, e a internet é onde se encontra informação hoje em dia", explicou à DW. "Não quero que elas tenham que ir aos sites de ativistas antiaborto para obter uma lista dos médicos que realizam a intervenção."
Leis intrincadas
A situação legal do aborto na Alemanha é complicada. Segundo o Parágrafo 218 do Código Penal, uma mulher que interrompa a gravidez pode ser condenada a até três anos de prisão. No entanto, uma emenda modifica a lei: segundo ela, o ato deixa de ser criminoso se a mulher consultar um conselheiro sobre sua decisão e marcar a intervenção para pelo menos três dias após a sessão.
O aborto tampouco é um crime se a gestação coloca a saúde da mãe em risco, ou se foi provocada por estupro. Após a 12ª semana, contudo, a interrupção é ilegal, a menos que se constatem circunstâncias médicas imprevistas.
É raro médicos acusados por ativistas de anunciar que praticam o aborto irem a juízo, e, ainda que o sejam, as punições rigorosas são mais raras ainda. Em 2007 um clínico da Baviera apenas recebeu uma advertência por mencionar online que praticava a intervenção.
Normalmente os promotores nem chegam a abrir processo, ou os profissionais da saúde concordam em pagar uma pequena multa e retirar a informação polêmica de seu site. Hänel, no entanto, não está disposta a acatar a ordem judicial.
"Eu sempre cumpri as regras e normas, mas agora bastou. Essa lei é obsoleta, por isso é raramente aplicada hoje em dia. Ela só é usada para coagir e intimidar os médicos."
Comparação com Holocausto
A Nie Wieder, que abriu a ação contra Kristina Hänel, conta entre os que promulgam o uso mais agressivo do Parágrafo 219a. "Aborto é assassinato", pontifica o website da iniciativa, Babycaust.de – comparando o procedimento ao Holocausto, o genocídio nazista que matou mais de 6 milhões de judeus europeus.
Para reforçar, a página de internet estampa uma foto do campo de concentração de Auschwitz ao lado da de uma mulher numa cadeira ginecológica, afirmando que os atuais procedimentos de aborto são uma "escalada" das atrocidades cometidas pelos nacional-socialistas durante a Segunda Guerra Mundial. Klaus Günter Annen, o presidente da iniciativa antiaborcionista, não respondeu aos pedidos de contato.
"Uma coisa vulgar dessas passa como liberdade de expressão", comenta Monika Frommel, advogada de Hänel e especialista em direitos de aborto. "Mas se as mulheres não têm como encontrar informação online sobre que doutores oferecem abortos, e têm que passar por agências de aconselhamento para lhes indicarem os clínicos, isso viola o direito delas de escolher livremente o próprio médico."
Até a Corte Europeia
Wolfgang Holzgreve, diretor médico e presidente do Hospital Universitário de Bonn, considera a atual situação legal do aborto no país um meio-termo aceitável, alcançado após longas discussões.
No entanto isso não significa que o público passe a ver a interrupção da gravidez como mais uma operação trivial: "É um assunto complicado, emocional. Por isso, de tempos em tempos alguém levanta questões fundamentais, que precisam ser respondidas pelos tribunais."
Para a advogada Frommel, em contrapartida, são "supérfluos" o processo contra Hänel e outros semelhantes, e o Código Penal precisa ser alterado. Se o tribunal de Giessen considerar sua cliente culpada, ambas apelarão. E não pretendem parar na Suprema Corte da Alemanha, promete.
"Se os tribunais alemães decidirem contra ela, estou certa de que a Corte Europeia de Direitos Humanos nos dará razão. O direito de informação é um direito humano, afinal de contas."
Ativistas da iniciativa radical Nie Wieder (Nunca Mais) a processaram pela informação pública. Na opinião dos ativistas pró-vida, Hänel estaria transgredindo o Parágrafo 219 do Código Penal da Alemanha. Segundo este, quem "oferece, anuncia ou propaga publicamente" serviços de aborto pode ser condenado a até dois anos de cárcere ou ter que pagar uma multa.
Não é a primeira vez que a médica é processada por antiaborcionistas, mas anteriormente o caso não chegou a ir a juízo. Em 2008, os promotores decidiram que ela simplesmente estava mal informada e a instruíram sobre a legislação. No entanto, como ela optou por manter o anúncio em seu site, desta vez foi aberta ação, com o aval do juiz do tribunal municipal da cidade no centro da Alemanha.
Hänel, que pratica abortos há cerca de 30 anos, considera importante aquelas que estejam considerando interromper a gestação poderem encontrar ajuda quando necessitem dela.
"Quero que as mulheres estejam aptas a tomar decisões informadas, e a internet é onde se encontra informação hoje em dia", explicou à DW. "Não quero que elas tenham que ir aos sites de ativistas antiaborto para obter uma lista dos médicos que realizam a intervenção."
Leis intrincadas
A situação legal do aborto na Alemanha é complicada. Segundo o Parágrafo 218 do Código Penal, uma mulher que interrompa a gravidez pode ser condenada a até três anos de prisão. No entanto, uma emenda modifica a lei: segundo ela, o ato deixa de ser criminoso se a mulher consultar um conselheiro sobre sua decisão e marcar a intervenção para pelo menos três dias após a sessão.
O aborto tampouco é um crime se a gestação coloca a saúde da mãe em risco, ou se foi provocada por estupro. Após a 12ª semana, contudo, a interrupção é ilegal, a menos que se constatem circunstâncias médicas imprevistas.
É raro médicos acusados por ativistas de anunciar que praticam o aborto irem a juízo, e, ainda que o sejam, as punições rigorosas são mais raras ainda. Em 2007 um clínico da Baviera apenas recebeu uma advertência por mencionar online que praticava a intervenção.
Normalmente os promotores nem chegam a abrir processo, ou os profissionais da saúde concordam em pagar uma pequena multa e retirar a informação polêmica de seu site. Hänel, no entanto, não está disposta a acatar a ordem judicial.
"Eu sempre cumpri as regras e normas, mas agora bastou. Essa lei é obsoleta, por isso é raramente aplicada hoje em dia. Ela só é usada para coagir e intimidar os médicos."
Comparação com Holocausto
A Nie Wieder, que abriu a ação contra Kristina Hänel, conta entre os que promulgam o uso mais agressivo do Parágrafo 219a. "Aborto é assassinato", pontifica o website da iniciativa, Babycaust.de – comparando o procedimento ao Holocausto, o genocídio nazista que matou mais de 6 milhões de judeus europeus.
Para reforçar, a página de internet estampa uma foto do campo de concentração de Auschwitz ao lado da de uma mulher numa cadeira ginecológica, afirmando que os atuais procedimentos de aborto são uma "escalada" das atrocidades cometidas pelos nacional-socialistas durante a Segunda Guerra Mundial. Klaus Günter Annen, o presidente da iniciativa antiaborcionista, não respondeu aos pedidos de contato.
"Uma coisa vulgar dessas passa como liberdade de expressão", comenta Monika Frommel, advogada de Hänel e especialista em direitos de aborto. "Mas se as mulheres não têm como encontrar informação online sobre que doutores oferecem abortos, e têm que passar por agências de aconselhamento para lhes indicarem os clínicos, isso viola o direito delas de escolher livremente o próprio médico."
Até a Corte Europeia
Wolfgang Holzgreve, diretor médico e presidente do Hospital Universitário de Bonn, considera a atual situação legal do aborto no país um meio-termo aceitável, alcançado após longas discussões.
No entanto isso não significa que o público passe a ver a interrupção da gravidez como mais uma operação trivial: "É um assunto complicado, emocional. Por isso, de tempos em tempos alguém levanta questões fundamentais, que precisam ser respondidas pelos tribunais."
Para a advogada Frommel, em contrapartida, são "supérfluos" o processo contra Hänel e outros semelhantes, e o Código Penal precisa ser alterado. Se o tribunal de Giessen considerar sua cliente culpada, ambas apelarão. E não pretendem parar na Suprema Corte da Alemanha, promete.
"Se os tribunais alemães decidirem contra ela, estou certa de que a Corte Europeia de Direitos Humanos nos dará razão. O direito de informação é um direito humano, afinal de contas."
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