As mulheres que ajudaram a desbravar o Brasil
Bertha Lutz teve seu trabalho reconhecido, mas outras não: são muitas as expedicionárias que contribuíram para o entendimento do território e da natureza do país, mas ainda são ignoradas pela história.Bandeirantes, sertanistas, tropeiros e jesuítas. Todos esses bravos homens entraram para a história como os responsáveis por desbravar o interior do inóspito território do Brasil durante o período colonial. Hoje, povoam o imaginário popular, dão nome a festas tradicionais, ruas, escolas e rodovias.
A construção memorial desses expedicionários passa a impressão que "explorador" foi um ofício que se aplicou somente a homens, sem participação das mulheres nesses mais de 500 anos de história pós-cabralina. Mas essa é uma falsa impressão.
Apesar dos registros serem falhos quando se referem às expedicionárias no Brasil, diversas mulheres também empreenderam importantes viagens pelo país a fim de catalogar e registrar povos indígenas, comunidades, fauna e flora e mapear lugares não conhecidos.
A famosa militante e intelectual feminista brasileira Bertha Lutz, conhecida por suas campanhas de direito ao voto feminino, também foi uma importante expedicionária, por exemplo. Mas por que essas informações não chegam até os livros escolares ou não povoam o imaginário brasileiro?
Além do preconceito e do machismo da época com mulheres independentes, foi somente no início do século 20 que órgãos oficiais brasileiros começaram a registrar pessoas que empreendiam esse tipo de viagem pelo país.
Foi também no início do século passado que as mulheres passaram a ser aceitas nas universidades brasileiras e serem reconhecidas oficialmente como antropólogas, biólogas, historiadoras e demais profissões que legitimassem seus registros e descobertas intelectuais.
A questão do sobrenome foi outra barreira: uma vez que se casavam, expedicionárias mudavam o sobrenome para o do marido e, geralmente, perdiam o controle sobre trabalhos anteriores assinados com o nome de solteira. A situação era pior para as que se casavam com cientistas da mesma área, pois assinavam sua produção com o mesmo sobrenome do marido e eram confundidas com ele, perdendo o protagonismo em seus próprios trabalhos.
Na documentação que se tem do extinto Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas do Brasil, criado em 1933 para regular e fiscalizar expedições em território nacional, é possível encontrar diários de pesquisa dessas exploradoras em que elas registraram casos de ridicularização e até agressões físicas.
Bertha Lutz (1894-1976)
É conhecida por ter sido uma das maiores militantes feministas do Brasil no século 20. Poucos sabem, porém, que Bertha era bióloga, naturalista e pesquisadora. Realizava expedições para coleta e estudo de plantas, flores e anfíbios no território brasileiro e descobriu inúmeras espécies de anfíbios.
Na década de 1930, a bióloga se tornou representante do Museu do Conselho de Fiscalização de Expedições. Em função desse cargo, ajudou várias mulheres a organizarem expedições pelo país.
Heloísa Alberto Torres (1895-1977)
A antropóloga Heloísa Alberto Torres empreendeu inúmeras expedições para o norte do Brasil, tendo sido a expedição para a Ilha de Marajó, no Rio Amazonas, a mais famosa. Nesta expedição, catalogou as cerâmicas das tribos marajoaras. Foi uma das poucas a ter reconhecimento internacional pelos seus estudos indigenistas, projetando a importância de se conhecer, preservar e estudar a cultura dos povos originários brasileiros.
Em 1925, Heloísa se tornou uma das primeiras mulheres a trabalhar no Museu Nacional do Brasil. Em 1938, foi nomeada a primeira diretora mulher do Museu. Sua última expedição ocorreu na década de 50, em Arraial do Cabo.
Doris Cochram (1898-1968)
A herpetóloga americana Doris Cochram viajou sozinha para o Brasil por duas semanas em um navio, em 1935, para estudar répteis e anfíbios da América do Sul. Recebeu ajuda de Bertha Lutz para conseguir fazer suas expedições, tendo Bertha acompanhado Doris em várias viagens.
Depois dessa primeira expedição ao Brasil, Doris fez mais uma em 1962, e mais outras duas para Haiti e Colômbia. Nessas viagens, descobriu e nomeou, aproximadamente, cem novas espécies de anfíbios e répteis.
Wanda Hanke (1893-1958)
As expedicionárias estrangeiras também fizeram importantes viagens que contribuíram para o conhecimento do Brasil. Elas vinham de navio, e suas viagens demoravam semanas, até meses.
Foi o caso da austríaca e etnógrafa Wanda Hanke, que foi sozinha ao Brasil, em 1933, com 40 anos, para conhecer as tribos indígenas da América do Sul. Sem apoio de nenhuma instituição, realizou expedições autônomas para o Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia. No Paraguai, Hanke registrou que sofreu agressões físicas. Por 25 anos, a austríaca reuniu várias coleções etnológicas desses povos que hoje são usadas pelos museus brasileiros.
Wanda Hanke morreu durante uma expedição na Amazônia, aos 65 anos, por ter contraído malária.
Betty Meggers (1921-2012)
A arqueóloga americana Betty Meggers chegou ao Brasil pela primeira vez em 1948. Viveu um ano na Amazônia, desbravando a região do Marajó e do rio Madeira, como pioneira nos estudos arqueológicos da América do Sul. Betty realizava o trabalho pesado de escavações do terreno para coletar cacos de cerâmica e ossos dos povos que habitaram o Baixo Amazonas em tempos passados.
O marido de Betty também era um importante arqueólogo, mas a americana nunca adotou o sobrenome do marido. Diferente de outras pesquisadoras casadas com pesquisadores, o seu trabalho recebeu reconhecimento superior ao do companheiro.
Muitos arqueólogos que trabalham nas regiões da Amazônia se baseiam até hoje nas teorias de Betty Meggers de adaptação humana na floresta tropical e de expansão dos povos na América do Sul.
Imperatriz Maria Leopoldina (1797- 1826)
Nenhum livro de história classifica a primeira imperatriz do Brasil, Maria Leopoldina, como uma expedicionária. Mas não há como negar que a mulher de D. Pedro 1º foi uma aventureira. Para se casar com o príncipe português, Leopoldina veio da Áustria para o Brasil em uma viagem de seis semanas de navio.
Naquela época, 200 anos atrás, pouco se sabia do território, povo e geografia brasileiros. Leopoldina possivelmente não fazia ideia do que iria encontrar no novo continente americano. Pensando nisso, a princesa fez da sua viagem de mudança uma expedição: convidou cientistas e pintores europeus e trouxe em seu navio a Missão Científica Austríaca, com o objetivo de catalogar fauna e flora brasileiras. A própria Leopoldina participou de algumas das catalogações sobre a então desconhecida história natural do Brasil, tanto como catalogadora como exploradora, uma vez que caçava pequenos animais.
Os catálogos da história natural do Brasil no século 19, feitos por Leopoldina e pela Missão Científica Austríaca, estão no Museu de História Natural de Viena.
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A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App
A construção memorial desses expedicionários passa a impressão que "explorador" foi um ofício que se aplicou somente a homens, sem participação das mulheres nesses mais de 500 anos de história pós-cabralina. Mas essa é uma falsa impressão.
Apesar dos registros serem falhos quando se referem às expedicionárias no Brasil, diversas mulheres também empreenderam importantes viagens pelo país a fim de catalogar e registrar povos indígenas, comunidades, fauna e flora e mapear lugares não conhecidos.
A famosa militante e intelectual feminista brasileira Bertha Lutz, conhecida por suas campanhas de direito ao voto feminino, também foi uma importante expedicionária, por exemplo. Mas por que essas informações não chegam até os livros escolares ou não povoam o imaginário brasileiro?
Além do preconceito e do machismo da época com mulheres independentes, foi somente no início do século 20 que órgãos oficiais brasileiros começaram a registrar pessoas que empreendiam esse tipo de viagem pelo país.
Foi também no início do século passado que as mulheres passaram a ser aceitas nas universidades brasileiras e serem reconhecidas oficialmente como antropólogas, biólogas, historiadoras e demais profissões que legitimassem seus registros e descobertas intelectuais.
A questão do sobrenome foi outra barreira: uma vez que se casavam, expedicionárias mudavam o sobrenome para o do marido e, geralmente, perdiam o controle sobre trabalhos anteriores assinados com o nome de solteira. A situação era pior para as que se casavam com cientistas da mesma área, pois assinavam sua produção com o mesmo sobrenome do marido e eram confundidas com ele, perdendo o protagonismo em seus próprios trabalhos.
Na documentação que se tem do extinto Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas do Brasil, criado em 1933 para regular e fiscalizar expedições em território nacional, é possível encontrar diários de pesquisa dessas exploradoras em que elas registraram casos de ridicularização e até agressões físicas.
Bertha Lutz (1894-1976)
É conhecida por ter sido uma das maiores militantes feministas do Brasil no século 20. Poucos sabem, porém, que Bertha era bióloga, naturalista e pesquisadora. Realizava expedições para coleta e estudo de plantas, flores e anfíbios no território brasileiro e descobriu inúmeras espécies de anfíbios.
Na década de 1930, a bióloga se tornou representante do Museu do Conselho de Fiscalização de Expedições. Em função desse cargo, ajudou várias mulheres a organizarem expedições pelo país.
Heloísa Alberto Torres (1895-1977)
A antropóloga Heloísa Alberto Torres empreendeu inúmeras expedições para o norte do Brasil, tendo sido a expedição para a Ilha de Marajó, no Rio Amazonas, a mais famosa. Nesta expedição, catalogou as cerâmicas das tribos marajoaras. Foi uma das poucas a ter reconhecimento internacional pelos seus estudos indigenistas, projetando a importância de se conhecer, preservar e estudar a cultura dos povos originários brasileiros.
Em 1925, Heloísa se tornou uma das primeiras mulheres a trabalhar no Museu Nacional do Brasil. Em 1938, foi nomeada a primeira diretora mulher do Museu. Sua última expedição ocorreu na década de 50, em Arraial do Cabo.
Doris Cochram (1898-1968)
A herpetóloga americana Doris Cochram viajou sozinha para o Brasil por duas semanas em um navio, em 1935, para estudar répteis e anfíbios da América do Sul. Recebeu ajuda de Bertha Lutz para conseguir fazer suas expedições, tendo Bertha acompanhado Doris em várias viagens.
Depois dessa primeira expedição ao Brasil, Doris fez mais uma em 1962, e mais outras duas para Haiti e Colômbia. Nessas viagens, descobriu e nomeou, aproximadamente, cem novas espécies de anfíbios e répteis.
Wanda Hanke (1893-1958)
As expedicionárias estrangeiras também fizeram importantes viagens que contribuíram para o conhecimento do Brasil. Elas vinham de navio, e suas viagens demoravam semanas, até meses.
Foi o caso da austríaca e etnógrafa Wanda Hanke, que foi sozinha ao Brasil, em 1933, com 40 anos, para conhecer as tribos indígenas da América do Sul. Sem apoio de nenhuma instituição, realizou expedições autônomas para o Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia. No Paraguai, Hanke registrou que sofreu agressões físicas. Por 25 anos, a austríaca reuniu várias coleções etnológicas desses povos que hoje são usadas pelos museus brasileiros.
Wanda Hanke morreu durante uma expedição na Amazônia, aos 65 anos, por ter contraído malária.
Betty Meggers (1921-2012)
A arqueóloga americana Betty Meggers chegou ao Brasil pela primeira vez em 1948. Viveu um ano na Amazônia, desbravando a região do Marajó e do rio Madeira, como pioneira nos estudos arqueológicos da América do Sul. Betty realizava o trabalho pesado de escavações do terreno para coletar cacos de cerâmica e ossos dos povos que habitaram o Baixo Amazonas em tempos passados.
O marido de Betty também era um importante arqueólogo, mas a americana nunca adotou o sobrenome do marido. Diferente de outras pesquisadoras casadas com pesquisadores, o seu trabalho recebeu reconhecimento superior ao do companheiro.
Muitos arqueólogos que trabalham nas regiões da Amazônia se baseiam até hoje nas teorias de Betty Meggers de adaptação humana na floresta tropical e de expansão dos povos na América do Sul.
Imperatriz Maria Leopoldina (1797- 1826)
Nenhum livro de história classifica a primeira imperatriz do Brasil, Maria Leopoldina, como uma expedicionária. Mas não há como negar que a mulher de D. Pedro 1º foi uma aventureira. Para se casar com o príncipe português, Leopoldina veio da Áustria para o Brasil em uma viagem de seis semanas de navio.
Naquela época, 200 anos atrás, pouco se sabia do território, povo e geografia brasileiros. Leopoldina possivelmente não fazia ideia do que iria encontrar no novo continente americano. Pensando nisso, a princesa fez da sua viagem de mudança uma expedição: convidou cientistas e pintores europeus e trouxe em seu navio a Missão Científica Austríaca, com o objetivo de catalogar fauna e flora brasileiras. A própria Leopoldina participou de algumas das catalogações sobre a então desconhecida história natural do Brasil, tanto como catalogadora como exploradora, uma vez que caçava pequenos animais.
Os catálogos da história natural do Brasil no século 19, feitos por Leopoldina e pela Missão Científica Austríaca, estão no Museu de História Natural de Viena.
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