"Efeito Bolsonaro" deve influenciar candidatos na América Latina
Para analistas, candidatos poderão adotar discurso extremista para vencer eleições. Vitória de Bolsonaro deverá causar alinhamento entre países com lideranças conservadoras, além de mudanças no Mercosul.A eleição de Jair Bolsonaro deverá causar impactos na América Latina e, ainda, no Mercosul. Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, candidatos à presidência de outras nações latino-americanas poderão incorporar um discurso extremista para tentar vencer eleições e pode, ainda, surgir um alinhamento entre países com lideranças conservadoras em prol de uma agenda mais liberal.
O "efeito Bolsonaro" deverá ter um efeito de longo prazo e influenciará não somente candidatos que disputarão os governos da Argentina, da Bolívia e do Uruguai – países que vão às urnas em 2019. Um efeito certo será em relação ao Mercosul, já que Bolsonaro e Paulo Guedes, provável ministro da Fazenda, afirmaram que o Brasil não dará prioridade ao bloco econômico.
"Candidatos vão se inspirar em Bolsonaro e apresentar um discurso parecido com o dele. E, certamente, eles terão apoio do presidente eleito no Brasil", afirma Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "O Brasil sempre teve uma influência mensurável e visível na região e, nesse caso, aumentou-se a probabilidade de haver candidatos extremistas também em países da vizinhança."
Stuenkel diz, ainda, que Bolsonaro se beneficiou de uma situação específica no Brasil: a falta de um trabalho sistemático para analisar os problemas que aconteceram durante a ditadura militar. Para ele, poderá surgir um candidato da extrema direita no Chile que fale bem do ditador Augusto Pinochet. Já na Argentina, um candidato provavelmente não falaria bem da ditadura, já que ela é extremamente mal vista pela população do país.
"Mas, mesmo que os argentinos repudiem o regime no país, isso não será uma proteção contra o surgimento de um candidato de extrema direita", avalia Stuenkel. "Haverá pequenas diferenças de país para país na região, mas, no fundo, é provável que o 'efeito Bolsonaro' faça surgir ao longo dos anos mais candidatos em outros países usando um discurso mais extremista, que irá se adaptar às circunstâncias de cada nação."
Para Ricardo Sennes, senior fellow do observatório Atlantic Council, de Washington, com a eleição de Bolsonaro deverá surgir um alinhamento entre quatro países – Brasil, Argentina, Chile e Colômbia – que possuem lideranças conservadoras. Essa união não teria necessariamente influência nas eleições de outros países, mas na agenda regional.
"Acredito ser possível uma agenda econômica liberal mais forte, com mudanças no campo da política comercial e um forte criticismo contra o protecionismo. Além disso, deverá haver uma virulência em relação à crise na Venezuela", afirma Sennes. "Mas não dá para extrapolar isso, pois, se um peronista for eleito presidente em 2019 na Argentina, ele será uma contramão nesse processo."
Mercosul deixa de ser prioridade
O governo Bolsonaro deverá realizar mudanças importantes no Mercosul, bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela (esta temporariamente suspensa desde o final de 2016). Em entrevistas dadas para emissoras brasileiras nesta segunda-feira (29/10), Bolsonaro confirmou que a união aduaneira não terá prioridade em sua administração.
O presidente eleito disse que o tratamento dado ao bloco tem que mudar. De acordo com Bolsonaro, o Mercosul foi supervalorizado devido a questões ideológicas que protegiam certos países que "burlavam" regras. "Queremos nos livrar de algumas amarras do Mercosul", disse. As regras do bloco impedem que o país feche acordos bilaterais que envolvam tarifas com outros países e se integre de forma mais autônoma ao mercado global.
Segundo dados do governo brasileiro do final de 2017, o Mercosul é a quinta economia do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) de 2,7 trilhões de dólares. Mais de 10% das exportações brasileiras têm como destino os demais países do bloco. As trocas comerciais registradas em 2016 (38 bilhões de dólares) foram 8,5 vezes maiores do que as registradas no ano da fundação do bloco (4,5 bilhões de dólares em 1991).
Para o ex-embaixador José Alfredo Graça Lima, perito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o Mercosul tem sido um sucesso inestimável do ponto de vista político, mas deixa a desejar no ponto de vista comercial.
"Vários fatores contribuíram para que a integração não se realizasse de forma permanente, tais como a área de livre-comércio incompleta e a união aduaneira imperfeita", afirma Graça Lima. "O Mercosul, do jeito que se encontra hoje, está estagnado. Deve ser feito um esforço para revitalizar o bloco ou transformá-lo em outro tipo de bloco institucional e também comercial, que dê mais liberdade para seus países fazerem acordos bilaterais."
Especialistas divergem ainda qual será o efeito Bolsonaro sobre as negociações do acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia, que começaram em 1999, foram interrompidas em 2004 e relançadas em 2010. Em junho, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, disse que, dos mais de 300 pontos de divergência entre os dois blocos, restavam cerca de 50.
"Acredito que há um interesse do governo Bolsonaro de avançar com essa agenda. A questão é que há temas que nos quais a União Europeia deveria ceder mais fortemente, e não só o Mercosul", avalia Sennes. "Acredito que há uma chance de se ampliar a velocidade das negociações, já que Paulo Guedes é a favor de uma abertura unilateral mais forte."
Já Stuenkel diz que, por enquanto, não haverá uma negociação mais forte entre os dois blocos. "Eu tenho muita dúvida sobre o futuro do Mercosul. Acho que será aberta uma nova rodada em outro contexto, talvez com o Brasil sozinho. Mas esse ciclo [atual] de negociações ente Mercosul e União Europeia certamente acabou", afirma.
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A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube
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O "efeito Bolsonaro" deverá ter um efeito de longo prazo e influenciará não somente candidatos que disputarão os governos da Argentina, da Bolívia e do Uruguai – países que vão às urnas em 2019. Um efeito certo será em relação ao Mercosul, já que Bolsonaro e Paulo Guedes, provável ministro da Fazenda, afirmaram que o Brasil não dará prioridade ao bloco econômico.
"Candidatos vão se inspirar em Bolsonaro e apresentar um discurso parecido com o dele. E, certamente, eles terão apoio do presidente eleito no Brasil", afirma Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "O Brasil sempre teve uma influência mensurável e visível na região e, nesse caso, aumentou-se a probabilidade de haver candidatos extremistas também em países da vizinhança."
Stuenkel diz, ainda, que Bolsonaro se beneficiou de uma situação específica no Brasil: a falta de um trabalho sistemático para analisar os problemas que aconteceram durante a ditadura militar. Para ele, poderá surgir um candidato da extrema direita no Chile que fale bem do ditador Augusto Pinochet. Já na Argentina, um candidato provavelmente não falaria bem da ditadura, já que ela é extremamente mal vista pela população do país.
"Mas, mesmo que os argentinos repudiem o regime no país, isso não será uma proteção contra o surgimento de um candidato de extrema direita", avalia Stuenkel. "Haverá pequenas diferenças de país para país na região, mas, no fundo, é provável que o 'efeito Bolsonaro' faça surgir ao longo dos anos mais candidatos em outros países usando um discurso mais extremista, que irá se adaptar às circunstâncias de cada nação."
Para Ricardo Sennes, senior fellow do observatório Atlantic Council, de Washington, com a eleição de Bolsonaro deverá surgir um alinhamento entre quatro países – Brasil, Argentina, Chile e Colômbia – que possuem lideranças conservadoras. Essa união não teria necessariamente influência nas eleições de outros países, mas na agenda regional.
"Acredito ser possível uma agenda econômica liberal mais forte, com mudanças no campo da política comercial e um forte criticismo contra o protecionismo. Além disso, deverá haver uma virulência em relação à crise na Venezuela", afirma Sennes. "Mas não dá para extrapolar isso, pois, se um peronista for eleito presidente em 2019 na Argentina, ele será uma contramão nesse processo."
Mercosul deixa de ser prioridade
O governo Bolsonaro deverá realizar mudanças importantes no Mercosul, bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela (esta temporariamente suspensa desde o final de 2016). Em entrevistas dadas para emissoras brasileiras nesta segunda-feira (29/10), Bolsonaro confirmou que a união aduaneira não terá prioridade em sua administração.
O presidente eleito disse que o tratamento dado ao bloco tem que mudar. De acordo com Bolsonaro, o Mercosul foi supervalorizado devido a questões ideológicas que protegiam certos países que "burlavam" regras. "Queremos nos livrar de algumas amarras do Mercosul", disse. As regras do bloco impedem que o país feche acordos bilaterais que envolvam tarifas com outros países e se integre de forma mais autônoma ao mercado global.
Segundo dados do governo brasileiro do final de 2017, o Mercosul é a quinta economia do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) de 2,7 trilhões de dólares. Mais de 10% das exportações brasileiras têm como destino os demais países do bloco. As trocas comerciais registradas em 2016 (38 bilhões de dólares) foram 8,5 vezes maiores do que as registradas no ano da fundação do bloco (4,5 bilhões de dólares em 1991).
Para o ex-embaixador José Alfredo Graça Lima, perito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o Mercosul tem sido um sucesso inestimável do ponto de vista político, mas deixa a desejar no ponto de vista comercial.
"Vários fatores contribuíram para que a integração não se realizasse de forma permanente, tais como a área de livre-comércio incompleta e a união aduaneira imperfeita", afirma Graça Lima. "O Mercosul, do jeito que se encontra hoje, está estagnado. Deve ser feito um esforço para revitalizar o bloco ou transformá-lo em outro tipo de bloco institucional e também comercial, que dê mais liberdade para seus países fazerem acordos bilaterais."
Especialistas divergem ainda qual será o efeito Bolsonaro sobre as negociações do acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia, que começaram em 1999, foram interrompidas em 2004 e relançadas em 2010. Em junho, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, disse que, dos mais de 300 pontos de divergência entre os dois blocos, restavam cerca de 50.
"Acredito que há um interesse do governo Bolsonaro de avançar com essa agenda. A questão é que há temas que nos quais a União Europeia deveria ceder mais fortemente, e não só o Mercosul", avalia Sennes. "Acredito que há uma chance de se ampliar a velocidade das negociações, já que Paulo Guedes é a favor de uma abertura unilateral mais forte."
Já Stuenkel diz que, por enquanto, não haverá uma negociação mais forte entre os dois blocos. "Eu tenho muita dúvida sobre o futuro do Mercosul. Acho que será aberta uma nova rodada em outro contexto, talvez com o Brasil sozinho. Mas esse ciclo [atual] de negociações ente Mercosul e União Europeia certamente acabou", afirma.
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