Viva a família brasileira!
A família, seja ela tradicional ou não, só fica forte com mulheres fortes. E com políticas públicas que garantam um mínimo de bem-estar e aliviem a luta diária pela sobrevivência, escreve a colunista Astrid Prange.Caros Brasileiros,
Família é igual à democracia: tudo mundo quer defendê-la, mas cada um a define de maneira diferente. A família deveria ser santa e igual à família sagrada de Maria, José e Jesus? Ela é o berço da proteção ou o berço da violência?
Talvez seja isso o único denominador comum possível: por mais que a família mude, só tem uma. Pode-se trocar de marido ou de mulher, se casar ou se divorciar várias vezes: os filhos continuam sempre os mesmos. Pai e mãe não se trocam por nada.
Mas defender a família tradicional é uma coisa, inspirar-se na família sagrada é outra. A primeira está mudando. Uma pesquisa do IBGE mostra isso de maneira drástica: segundo dados publicados em 2015, de cada cem famílias brasileiras, 44 criam cachorros e só 36 tem crianças até 12 anos de idade.
Mesmo que o ideal da família tradicional de pai, mãe e um casal de filhos persista, a família sagrada parece mais perto da realidade de muita gente dentro e fora do Brasil. José e Maria eram um casal jovem, não casados, e pegos de surpresa por uma gravidez precoce. Na época, essa família não parecia nada sagrada, era um casal pobre de refugiados.
Confesso que cansei das eternas campanhas políticas em defesa da família tradicional, mesmo que viva nesse modelo, seja casada há 28 anos e tenha duas filhas. Pois muitas vezes, essa defesa serve como bloqueio de mudanças na sociedade e acaba prejudicando as mulheres.
Sejamos honestos: quantas vezes, o berço familiar vira inferno por causa de violência, abuso e maus-tratos? Quantos sofrimentos e maus-tratos a famosa Maria da Penha tinha que aguentar desde as duas tentativas de assassinato do seu marido em 1983? E quantos anos se passaram até o Congresso Nacional finalmente sancionar, em 22 de setembro 2006, a famosa Lei Maria da Penha contra violência doméstica e familiar contra a mulher?
Por mais que seja compreensível a saudade de uma família inteiramente pacífica, harmônica e intacta: a imagem dessa família é uma ficção. Por isso, a luta da futura ministra da família e dos direitos humanos, Damares Alves, contra a "destruição da família tradicional" é uma luta perdida.
Pois a família de antigamente não vai voltar, e isso é uma ótima notícia. Pois os casamentos onde o homem mantinha mulher e filhos com um salário só são cada vez mais raros. E graças à educação sexual, aumentou o uso de anticoncepcionais e diminuíram as doenças sexualmente transmissíveis.
Além disso, graças à luta pela emancipação, as mulheres não precisam mais pedir licença ao marido ou companheiro para ir trabalhar. Isso se ela ainda tiver marido – pois o número de mulheres chefiando famílias subiu dos 23% de 1995 para 40% hoje.
Seja no Brasil, na Alemanha, ou onde for – a luta pelos direitos da mulher avançou, mas não terminou. Falta muito ainda para viver numa sociedade onde mulheres e homens ganham o mesmo salário pelo mesmo trabalho, dividem o trabalho doméstico e a educação das crianças, e se respeitam mutuamente.
A família, seja ela tradicional ou não, só fica forte com mulheres fortes. E com laços de amor e responsabilidade maior que brigas pelo poder. E com políticas públicas que garantam um mínimo de bem-estar e aliviem a luta diária pela sobrevivência. Todas as famílias precisam desse apoio, inclusive a família sagrada. Nesse sentido, torço para um ano de 2019 melhor e desejo a todas as famílias brasileiras e todos os leitores um feliz Natal.
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.
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Família é igual à democracia: tudo mundo quer defendê-la, mas cada um a define de maneira diferente. A família deveria ser santa e igual à família sagrada de Maria, José e Jesus? Ela é o berço da proteção ou o berço da violência?
Talvez seja isso o único denominador comum possível: por mais que a família mude, só tem uma. Pode-se trocar de marido ou de mulher, se casar ou se divorciar várias vezes: os filhos continuam sempre os mesmos. Pai e mãe não se trocam por nada.
Mas defender a família tradicional é uma coisa, inspirar-se na família sagrada é outra. A primeira está mudando. Uma pesquisa do IBGE mostra isso de maneira drástica: segundo dados publicados em 2015, de cada cem famílias brasileiras, 44 criam cachorros e só 36 tem crianças até 12 anos de idade.
Mesmo que o ideal da família tradicional de pai, mãe e um casal de filhos persista, a família sagrada parece mais perto da realidade de muita gente dentro e fora do Brasil. José e Maria eram um casal jovem, não casados, e pegos de surpresa por uma gravidez precoce. Na época, essa família não parecia nada sagrada, era um casal pobre de refugiados.
Confesso que cansei das eternas campanhas políticas em defesa da família tradicional, mesmo que viva nesse modelo, seja casada há 28 anos e tenha duas filhas. Pois muitas vezes, essa defesa serve como bloqueio de mudanças na sociedade e acaba prejudicando as mulheres.
Sejamos honestos: quantas vezes, o berço familiar vira inferno por causa de violência, abuso e maus-tratos? Quantos sofrimentos e maus-tratos a famosa Maria da Penha tinha que aguentar desde as duas tentativas de assassinato do seu marido em 1983? E quantos anos se passaram até o Congresso Nacional finalmente sancionar, em 22 de setembro 2006, a famosa Lei Maria da Penha contra violência doméstica e familiar contra a mulher?
Por mais que seja compreensível a saudade de uma família inteiramente pacífica, harmônica e intacta: a imagem dessa família é uma ficção. Por isso, a luta da futura ministra da família e dos direitos humanos, Damares Alves, contra a "destruição da família tradicional" é uma luta perdida.
Pois a família de antigamente não vai voltar, e isso é uma ótima notícia. Pois os casamentos onde o homem mantinha mulher e filhos com um salário só são cada vez mais raros. E graças à educação sexual, aumentou o uso de anticoncepcionais e diminuíram as doenças sexualmente transmissíveis.
Além disso, graças à luta pela emancipação, as mulheres não precisam mais pedir licença ao marido ou companheiro para ir trabalhar. Isso se ela ainda tiver marido – pois o número de mulheres chefiando famílias subiu dos 23% de 1995 para 40% hoje.
Seja no Brasil, na Alemanha, ou onde for – a luta pelos direitos da mulher avançou, mas não terminou. Falta muito ainda para viver numa sociedade onde mulheres e homens ganham o mesmo salário pelo mesmo trabalho, dividem o trabalho doméstico e a educação das crianças, e se respeitam mutuamente.
A família, seja ela tradicional ou não, só fica forte com mulheres fortes. E com laços de amor e responsabilidade maior que brigas pelo poder. E com políticas públicas que garantam um mínimo de bem-estar e aliviem a luta diária pela sobrevivência. Todas as famílias precisam desse apoio, inclusive a família sagrada. Nesse sentido, torço para um ano de 2019 melhor e desejo a todas as famílias brasileiras e todos os leitores um feliz Natal.
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.
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