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"Cosmos" reuniu o que Humboldt descobriu sobre o mundo

Timothy Rooks (rw)

30/03/2019 16h19

Humboldt voltou a Berlim em 1827, após trabalhar 20 anos em Paris. Nos 30 anos seguintes, ele se dedicou ao seu projeto mais ambicioso, de reunir tudo o que se sabia sobre o universo em uma única obra, o livro "Cosmos".Com 34 anos de idade, Alexander von Humboldt já havia escalado a montanha mais alta do mundo e gasto uma fortuna em uma expedição sul-americana para coletar plantas, animais, artefatos e fazer milhares de medições. Mas o mais importante foi que ele sobrevivera a uma expedição arriscada, retornando à Europa com muitas histórias surpreendentes para contar.

Durante o resto de sua vida, Humboldt foi procurado por príncipes, reis, chefes de governo, imperadores, artistas e cientistas. Alguns queriam conselhos; outros, simplesmente queriam estar perto de um gênio. Esses contatos o elevaram a uma posição que nunca havia existido e não voltaria a se repetir: a de um cientista se movendo nos altos círculos do poder, um sábio lendário.

Ele retornara em 1804 de sua aventura de cinco anos na América espanhola. Em novembro do ano seguinte, voltaria para Berlim, onde enfrentaria uma época tumultuada, pois o Reino da Prússia e o Império Francês estavam em guerra. Derrotado por Napoleão, o rei e sua família tiveram de fugir em outubro de 1806. Napoleão marchou sobre a capital, a Prússia perdeu metade de seu território e foi obrigada a pagar reparações milionárias.

Humboldt foi enviado a Paris em novembro de 1807 para ajudar na negociação dos pagamentos de reparação. Já desde o início, ele talvez tivesse mais do que os interesses de seu país em mente, pois ele permaneceu na capital francesa por 20 anos. Apesar da dificuldade de ser alemão na França em tempos de guerra, ele não viu outra opção e simplesmente ignorou qualquer acusação de espionagem, mesmo quando as tropas prussianas marcharam sobre a cidade. Ele se via como um cientista em uma missão.

O trabalho em Paris

Humboldt sabia que, na época, Paris já era um centro do mundo acadêmico e dispunha dos ilustradores, gravadores, tipógrafos, impressores e a cooperação científica de que ele precisava para ajudar na publicação dos resultados de sua viagem sul-americana.

Como Humboldt não tinha apoio governamental ou institucional, ele pagou os custos de produção do livro com a própria herança. Mas seu livro não seria apenas um guia de viagem. O que ele publicou foi diferente de qualquer coisa que uma pessoa privada já tinha feito antes.

Feito com manuscritos realmente trabalhados a mão, e com a ajuda de vários colaboradores especializados e muitos artistas, o primeiro livro surgiu em 1807. Havia tanto material, que nos próximos 30 anos seriam lançados mais livros. A série seria finalizada em agosto de 1838, e mesmo assim, ainda havia muito material que não pôde ser usado.

No total, acabaram sendo 32 volumes, embora o número exato varie, dependendo de como os livros foram encadernados. Editados principalmente em francês, os livros abordavam temas tão diversos como botânica, astronomia, zoologia e geofísica, com volumes especiais dedicados a Cuba e México, além de um relato de viagem. Desses volumes, 19 são grandes fólios de luxo ilustrados com mais de 1.400 desenhos suntuosos mostrando cenas, mapas, montanhas, animais, insetos e plantas. Alguns deles são tão pesados que precisam ser carregados por duas pessoas ou lidos de pé.



De volta a Berlim

Mas antes de o longo processo de publicação dos volumes terminar, Humboldt recebeu um telefonema de Berlim. Não era o seu irmão que o queria de volta, mas sim o rei prussiano Frederico Guilherme 3º. Aos 57 anos, Humboldt estava falido. A expedição, sua vida em Paris e a produção de tantos livros científicos opulentos levaram à sua ruína financeira.

Como Humboldt era um súdito prussiano, e suas finanças dependiam completamente do rei, ele fez as malas e voltou para Berlim em 1827. Para o rei, a proximidade do maior cientista do país contribuiu para o prestígio da Prússia.

Humboldt não decepcionou. Quase imediatamente após a chegada, ele poliu o brilho acadêmico da cidade ao dar uma série de 61 palestras sobre natureza e geografia na universidade. A receptividade foi tão grande, que um mês depois ele relançou a série, mas em forma condensada (16 palestras) e em uma sala muito maior.



Espalhadas por cinco meses, essas palestras abertas atraíram tanto o rei da Prússia, quanto cientistas, estudantes e qualquer um que conseguisse um lugar. As palestras provaram ser o evento científico do século na Prússia e dariam direção ao resto da longa vida de Humboldt. Logo ele receberia um contrato para publicar as palestras em um livro. Ele o chamaria de Cosmos.

Da nebulosa ao musgo

Numa carta de 1834 ao seu amigo e autor Karl August Varnhagen von Ense, Humboldt escreveu: "Tenho a grande ideia de descrever todo o mundo material, tudo o que conhecemos hoje sobre os fenômenos do espaço celestial e da vida na Terra, das nebulosas à geografia dos musgos sobre as rochas graníticas, tudo em uma obra, e em um trabalho que ao mesmo tempo estimule a linguagem viva e encante a mente."

Durante a vida de Humboldt, o conhecimento humano crescera de forma exponencial, mas ele achava que ainda conseguiria colocar o universo em um ou dois volumes – desde plantas, astronomia e clima até oceanos, atmosfera e os planetas. E, ao mesmo tempo, ele queria englobar informações sobre todas as conexões subjacentes.

Desta vez, Humboldt decidiu escrever em alemão, sua língua materna. Mas ele escrevia de forma desordenada e sem clareza, e julgou mal o enorme trabalho que tinha pela frente.



Finalmente, quase dez anos mais tarde, o volume inicial de Cosmos era impresso em 1845. O segundo volume seguiu-se logo depois, em 1847, e o terceiro foi publicado em 1851. O contrato com a editora acabara, mas o material a ser publicado ainda não. O quarto volume seria concluído em 1857.

Ele talvez soubesse que nenhum livro poderia incluir toda a ordem do universo. No entanto, mesmo seis semanas antes de morrer, ele ainda estava corrigindo provas do quinto volume, que não veria publicado. O que ele chamou de "obra de sua vida" estava incompleto. O volume final foi compilado por seu assistente Johann Eduard Buschmann. Era a humanidade e sua conexão com o universo - a parte mais complexa de todas.

Talvez ele até teria escrito mais se suas outras obrigações não consumissem tanto tempo. Em 1805, o rei Frederico Guilherme 3º lhe dera o título de camareiro, um funcionário da corte que serve ao rei e o acompanha por toda parte. Isso garantiu a Humboldt uma garantia financeira. Embora o rei tenha lhe dado liberdade para ficar em Paris, o trabalho muitas vezes forçou Humboldt a jantares ou viagens com a comitiva real, incluindo meses inteiros nas férias de verão. Quando Frederico Gilherme 4º se tornou rei, em 1840, ele elevou Humboldt conselheiro particular, ligando-o ainda mais à corte.



As viagens constantes passaram a ser um fardo. Por exemplo em 1845: o ano começou com uma visita de Humboldt ao rei Leopoldo da Bélgica em 1º de janeiro. Seis dias depois, ele se encontrou com o rei Luís Filipe, da França, e acabou ficando em Paris por quatro meses e meio, quando foi eleito presidente da Sociedade Geográfica e conseguiu imprimir o primeiro volume de Cosmos. Depois disso, passou por Frankfurt, Erfurt e Weimar na viagem de volta a Berlim, onde se juntaria ao rei para uma visita de quatro dias a Copenhague em junho.

Em agosto, estaria em Bonn para a inauguração do monumento ao compositor Beethoven. Ali se encontraria com a rainha Vitória, do Reino Unido, e faria experiências antes de retornar a Berlim, onde receberia a czarina da Rússia em setembro. Perto do final do ano, ganharia mais um doutoramento honoris causa, desta vez da Universidade de Tübingen.

Preocupação financeira

Não era assim que ele queria viver a sua vida. Ele precisava do dinheiro da corte, mas não da companhia de príncipes. Solteiro até o fim, ele só queria escrever e estar cercado por pessoas de conhecimento e talento. Em vez disso, sua vida estava cheia de interrupções e repleta de cartas, visitantes e custos.

Sua absoluta prioridade era a publicação de seus livros científicos. A expedição pela América do Sul lhe custara entre 40 mil e 52 mil tálares dos 90 mil que havia ganho de herança. Em 1822, seu extrato bancário mostrava que ele tinha 14.600 tálares. Sete anos mais tarde, ele tinha 2.900 tálares em dívidas.



Ainda sobrecarregado e preocupado com suas dívidas, Alexander von Humboldt morreria em 6 de maio de 1859, a poucos meses do seu 90º aniversário. Nessas nove décadas, ele apertara a mão de personalidades científicas e políticas, como Thomas Jefferson, Napoleão, o Marquês de Lafayette, Charles Darwin e três czares russos. Ele nunca rejeitou um visitante e ajudou a impor uma lei que libertava os escravos quando eles tocasse solo prussiano.

Quando Humboldt ainda era jovem, Johann Wolfgang von Goethe, o mais famoso dos poetas alemães, escreveu: "É incalculável o que ele vai alcançar para a ciência." E ele estaria certo. Para realizar seu sonho, Humboldt sacrificara sua fortuna e uma vida privilegiada para dedicar-se à pesquisa científica. As informações coletadas em suas expedições e publicadas em artigos científicos seriam suficientes para 20 vidas.

Ele era uma academia de um homem só, que mudou a forma de ver o mundo.

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Autor: Timothy Rooks (rw)