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A mulher que desafia o último ditador da Europa

Svetlana Tikhanovskaya em campanha para a Presidência em Minsk, Belarus - 31.jul.2020 - Sergei Gabon/AFP
Svetlana Tikhanovskaya em campanha para a Presidência em Minsk, Belarus Imagem: 31.jul.2020 - Sergei Gabon/AFP

Vladimir Dorokhov e Roman Goncharenko

08/08/2020 08h23

Uma dona de casa de 37 anos é a principal adversária do presidente Alexander Lukashenko, de 65 anos, na eleição presidencial deste domingo (09/08) em Belarus. "Não sou uma política", disse a candidata oposicionista Svetlana Tikhanovskaya num comício eleitoral. "Eu gostaria de ter a minha família de volta e voltar a fritar almôndegas", afirma.

Lukashenko, que busca seu sexto mandato no país, referiu-se à adversária como "pobre menina". No poder desde 1994, ele é conhecido como "o último ditador da Europa" e enfrenta crescente descontentamento na população por causa da sua displicente gestão da pandemia do coronavírus e das dificuldades econômicas.

Belarus, um país de 9,5 milhões de habitantes, tem oficialmente mais de 68 mil casos de covid-19 e cerca de 580 mortes. Críticos afirmam que os números foram manipulados e que a situação real é bem pior. Lukashenko anunciou no mês passado que foi infectado pelo novo coronavírus, mas não apresentou sintomas. Ele defende sua gestão da pandemia e afirma que um lockdown teria piorado ainda mais a situação econômica.

Acaso

Tikhanovskaya virou candidata à presidência por acaso. O marido dela, o popular blogueiro Serguei Tikhanovski, de 41 anos, queria concorrer, mas sua candidatura foi logo barrada. Pouco antes do início da campanha eleitoral, em maio, Tikhanovski foi preso por causa de sua participação em manifestações não autorizadas, no início do ano.

Como o marido não podia concorrer, Tikhanovskaya resolveu entrar na corrida eleitoral no lugar dele. A candidatura dela foi surprendentemente aceita. Depois de deixar a prisão, o marido chegou a comandar a campanha dele, até ser preso de novo. Desde então, ele está em prisão preventiva e é acusado de uso de violência contra policiais. Apoiadores dele falam que a acusação é uma provocação.

Pouco se sabe sobre ela, que nunca teve uma vida pública nem se interessou por política. Tikhanovskaya é oriunda de uma cidade no sudeste de Belarus, uma antiga república soviética. Ela estudou línguas estrangeiras e trabalhou como tradutora em Gomel, a segunda maior cidade do país. Lá conheceu o marido, tornou-se mãe de duas crianças e dona de casa.

Tikhanovskaya diz que conheceu o país acompanhando o marido, que viajava muito por causa do videoblog que ele começara no início de 2019 no YouTube. Nessas viagens, ela aprendeu muito sobre o país e sua gente, afirma a candidata.

Ajuda de pesos-pesados

Depois de recolher as cem mil assinaturas necessárias para a aprovação da sua candidatura, Tikhanovskaya foi aceita pelas autoridades na corrida eleitoral. Sua equipe foi reforçada por dois pesos-pesados da política local que tiveram as candidaturas rejeitadas: o ex-banqueiro Viktor Babariko e o antigo diplomata Valery Tsepkalo, que está no exílio.

Tikhanovskaya também se aliou a outras duas mulheres: Veronika Tsepkalo, casada com o opositor no exílio, e Maria Kolesnikova, diretora de campanha de Babariko.

Os comícios da candidata chegaram a atrair dezenas de milhares de pessoas, o que é pouco comum em Belarus, onde a população tende a se mostrar passiva diante da política. Em 30 de julho, dezenas de milhares de pessoas participaram em Minsk de uma concentração de apoio à principal candidata da oposição, num raro desafio à liderança autocrática de Lukashenko.

O programa eleitoral de Tikhanovskaya foi sendo criado ao longo da campanha. Ele tem apenas alguns pontos centrais: a independência de Belarus, a liberdade para presos políticos (incluindo o marido dela) e eleições livres em seis meses. Depois desse período, Tikhanovskaya quer se afastar da política e voltar a ser dona de casa.

Aprendendo na prática

Nos seus primeiros comícios, Tikhanovskaya demonstrava insegurança, mas seus apoiadores veem nela autenticidade. Desde então, ela demonstra ter aprendido a se apresentar diante de um grande público e demonstra mais autoconfiança. Ela se apresenta hoje como "um símbolo de mudança".

Ela afirma que não é uma especialista em temas complexos, como política externa e reformas econômicas. Ela mostrou que sabe responder à altura as provocações de Lukashenko. O eterno presidente sugeriu que só quem já prestou serviço militar poderia ser chefe de Estado, ao que ela retrucou que só quem já foi mãe é que deveria poder se candidatar.

Em apenas dois meses, Tikhanovskaya experimentou uma grande ascensão na corrida presidencial, o que demonstra que muitos bielorussos estão cansados do seu presidente e querem tirá-lo do poder - pouco importando quem entrará no lugar dele.

Mas a própria candidata reconhece que uma vitória da oposição é muito difícil num país onde o governo controla a sociedade com mão de ferro. "As pessoas acordaram e redescobriram a autoestima'", declarou à agência de notícias AFP. "Mas é preciso ser realista." Ela admitiu estar "sem esperanças" para uma eleição presidencial justa e considerou que já ocorrem "fraudes escandalosas". Depois de sofrer ameaças, ela enviou os filhos ao exterior.

Observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), uma organização internacional para a promoção da democracia e dos direitos humanos, não foram convidados para acompanhar a eleição pelas autoridades de Belarus.