Família Assad construiu um 'império de drogas', revelado após queda do ditador
O fim do regime da família Assad na Síria revelou a existência de enormes estoques de captagon, droga estimulante ilícita, e um esquema de exportação em escala industrial que ajudava a sustentar financeiramente a ditadura. Os rebeldes que tomaram o poder de forma relâmpago na Síria acabaram descobrindo uma abundante - e ilícita - fonte de receita do regime deposto de Bashar al-Assad.
O que aconteceu
Bases militares e centros de distribuição estavam repletos de comprimidos de captagon. A droga foi encontrada em linhas de frente de guerras, canteiros de obras e festas.
Ela ficou conhecida como a "droga dos jihadistas" na Síria. O estimulante foi amplamente usado por combatentes que lutaram na guerra civil do país.
Na quarta-feira (11), os combatentes da HTS (Organização para a Libertação do Levante) disseram ter encontrado uma grande quantidade da droga e prometeram destruí-la.
Jornalistas da agência de notícias AFP foram autorizados a entrar em um armazém, situado em uma pedreira nos arredores de Damasco. No subsolo, milhares de comprimidos de captagon estavam escondidos dentro de componentes elétricos para exportação.
"Depois que entramos e fizemos uma varredura, descobrimos que esta é uma fábrica para Maher al-Assad e seu parceiro Amer Khiti", disse o combatente Abu Malek al-Shami. Maher al-Assad é irmão de Bashar al-Assad, e agora também está supostamente foragido em Moscou. Já o político sírio Khiti foi submetido a sanções em 2023 pelo governo britânico, que o acusou de controlar "vários negócios na Síria que facilitam a produção e o contrabando de drogas".
A droga seria contrabandeada para fora do país. "Encontramos um grande número de dispositivos que estavam recheados com pacotes de comprimidos de captagon destinados a serem contrabandeados para fora do país. É uma quantidade enorme. É impossível dizer", disse Shami.
No armazém, caixas de papelão davam um ar de normalidade ao local, ao lado de sacos de soda cáustica, também chamada de hidróxido de sódio. Esse é um ingrediente fundamental na produção de metanfetamina, outro estimulante. De acordo com a etiqueta nos sacos, a soda cáustica foi fornecida pela Arábia Saudita.
Estoques menores de captagon - mas ainda impressionantes - foram encontradas em instalações militares associadas a unidades sob o comando de Maher Assad, segundo relato da AFP. Parte da droga queimava em uma fogueira na base aérea de Mazzeh, agora nas mãos dos combatentes do HTS.
Captagon sustentou o regime de Assad
A receita proveniente da venda do captagon sustentou o governo de Assad durante os 13 anos de guerra civil na Síria. A droga transformou o país no maior Estado narcotraficante do mundo, segundo analistas.
As vendas eram tão expressivas que se tornaram, de longe, o maior produto de exportação sírio. O captagon superou todas as exportações legais do país reunidas, de acordo com dados oficiais analizados pela AFP.
A droga rendeu bilhões para a Síria e para o Líbano. Um relatório recente do Observatory of Political and Economic Networks sugere que o captagon gerou mais de 7,3 bilhões de dólares na Síria e no Líbano entre 2020 e 2022 (cerca de R$ 44,2 bilhões nesses três anos).
Analistas também apontam que Assad usava a ameaça dos distúrbios provocados pela droga para pressionar governos árabes. O captagon alimentou uma epidemia de abuso de drogas nos ricos estados do Golfo, mesmo quando o antigo líder buscava maneiras de acabar com seu isolamento diplomático entre seus pares, escreveu o pesquisador do Centro Carnegie para o Oriente Médio, Hesham Alghannam.
O tráfico servia de pressão contra outros países. Segundo ele, Assad "alavancou o tráfico de captagon como um meio de exercer pressão sobre os estados do Golfo, principalmente a Arábia Saudita, para reintegrar a Síria ao mundo árabe", o que aconteceu em 2023, quando o país voltou a fazer parte do bloco da Liga Árabe.
Um laboratório de drogas em escala industrial ficava próximo a uma estrada principal no limite oeste de Damasco, cidade que era a sede do poder para a família Assad. Há muito tempo, eles negavam qualquer ligação com o comércio de narcóticos.
O que é o captagon?
O captagon era um medicamento de prescrição médica, semelhante a alguns disponíveis para doenças como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Foi proibido na década de 80 por ser altamente viciante.
A marca original era fabricada na Alemanha na década de 1960. A versão ilícita tem outra fórmula, que pode variar, e é geralmente chamada de captagon, com "c" minúsculo.
O captagon tem efeitos semelhantes aos das anfetaminas - aumenta a dopamina no cérebro, aumentando a sensações de bem-estar, prazer e euforia. Também tem efeito sobre o foco, a concentração e a resistência. Entre seus efeitos colaterais indesejados, estão psicose.
O estimulante sintético é também chamado de "coragem química". O apelido é motivado por relatos sobre a droga ter sido usada por soldados em áreas devastadas pela guerra no Oriente Médio para ajudá-los a se concentrar e ter energia.
A droga teria sido encontrada, por exemplo, em corpos de soldados do Hamas durante o conflito com Israel. Sua fabricação é relativamente simples e barata, o que facilita seu comércio ilegal.
*AFP, ots
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