Alemanha quer investir 1 trilhão de euros - mas não sabe bem como
Alemanha quer investir 1 trilhão de euros - mas não sabe bem como - É importante construir pontes, reformar ferrovias, proteger o clima, equipar as Forças Armadas. Mas dinheiro só não basta: é preciso planejamento rápido, empresas eficientes e especialistas.Nos últimos anos uma série de grandes projetos simplesmente saíram do controle na Alemanha. Por exemplo: o Aeroporto Berlim-Brandemburgo, a sala de concertos Elbphilharmonie em Hamburgo, ou a estação ferroviária Stuttgart 21. Erros de planejamento, defeitos na construção, explosões de custos, disputas legais, anos de atrasos nas obras: a lista é longa.
E há muitas razões para isso, desde planos mal feitos e processos de autorização demorados, até gargalos de pessoal e material nos canteiros de obras. Em Stuttgart, houve incertezas e atrasos porque partes da empresa responsável por montar a infraestrutura digital foram vendidas.
Dinheiro não resolve o problema
Para a Associação Alemã de Contribuintes (BdSt), todos esses empecilhos não são motivo para considerar um equívoco o bilionário pacote financeiro para defesa, infraestrutura e meio ambiente do provável futuro governo federal, formado por conservadores cristãos (CDU/CSU) e social-democratas (SPD).
Depois do Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão, com deputados federais eleitos), o Bundesrat (câmara alta, com representantes dos 16 estados federados) também deu sinal verde para o pacote financiado por novas dívidas. Além dos gastos praticamente ilimitados com defesa, o pacote prevê 500 bilhões de euros para investimentos em infraestrutura nos próximos 12 anos.
Para o presidente do BdSt, Reiner Holznagel, o problema não é necessariamente a ausência de recursos para remediar o atraso nos investimentos no país: "A Alemanha está sufocada pela burocracia e por estruturas ineficientes. Precisamos de licitações mais rápidas e competências claras. Mas um novo fundo de dívida não resolve todas essas questões."
A economista e professora da Universidade Técnica de Nurembergue, Veronika Grimm, concorda: as verbas adicionais do pacote da dívida não podem ser gastos com a rapidez que seria necessária. Como declarou no Comitê de Orçamento do Bundestag, os procedimentos de planejamento e autorização são "um gargalo para o gasto desses fundos".
Ela também urge por "reformas que estimulem o crescimento", já que, até o momento, as projeções indicam que o pacote não deverá dar grande impulso imediato ao crescimento econômico, com um possível efeito moderado em 2026: "Para 2027, dependerá de quão bem os fundos serão aplicados", observa Grimm.
Construção como pedra fundamental
A previsão de economista alemã deve fazer soar o alarme entre os políticos: afinal, os bilhões em dívidas têm como objetivo principal revitalizar a economia da Alemanha o mais rápido possível.
"Podemos começar imediatamente. A construção civil dispõe de capacidade para novas obras e tem a expertise para realizar os projetos de infraestrutura", assegura Felix Pakleppa, diretor executivo da Associação Alemã da Indústria da Construção.
Atualmente, o setor está subutilizado, com 40% de todas as empresas reclamando da falta de encomendas, que, em alguns casos, caíram drasticamente nos últimos dois anos.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, a subsequente crise energética e a inflação impulsionaram os preços significativamente, o que desacelerou a construção civil em particular, já que muitos não conseguem pagar os aluguéis, necessários para cobrir os custos.
Autorizações demoram muito
O setor de construção também pede enfaticamente a redução na burocracia, classificando a situação atual como inaceitável. "Na construção de autoestradas, até 85% do tempo pode ser gasto em processos de planejamento, apenas 15% na construção em si", relata Pakleppa.
Há anos se reivindica a redução da burocracia. Atualmente, uma em cada duas empresas considera que o maior obstáculo para um maior crescimento econômico é a carga de longos procedimentos administrativos, comprovações e verificações de documentação, relatórios estatísticos e requisitos de proteção de dados.
No fim de 2024, o Instituto de Pesquisas Econômicas (IFO) de Munique fez constar de um estudo: "A Alemanha está perdendo até 146 bilhões de euros por ano em produção econômica; devido ao excesso de burocracia."
Mais escassez de mão de obra
Outro problema para o país deve surgir da escassez de mão de obra qualificada, o que vem crescendo há anos. Em parte, o tema sumiu das manchetes porque a Alemanha está em seu terceiro ano de recessão, demissões e contratos de curta duração se tornaram a regra. Mas isso pode mudar rapidamente.
Primeiro, a subutilização atual será sanada, e a "lacuna de produção", estancada, antecipa Grimm. Mas é possível que as empresas tenham muito mais encomendas do que realmente podem atender com suas equipes atuais, e neste caso será necessário aumentar a capacidade.
Oferta e demanda determinam o preço
Mas, afinal, de onde virá a mão de obra? A Alemanha é uma sociedade envelhecida, e um grande número de empregados se aposentará nos próximos anos. Falta sangue novo.
Segundo um estudo da Fundação Bertelsmann, realizado em fins de 2024, serão necessários cerca de 288 mil trabalhadores estrangeiros todos os anos no país, até 2040 – e a pesquisa sequer inclui a demanda que pode surgir justamente a partir do pacote de defesa e infraestrutura.
Veronika Grimm reforça que as verbas adicionais devem "realmente intensificar o potencial de produção, caso contrário, haverá pressão sobre os preços". Se houver mais encomendas do que a capacidade de produção, as empresas também podem fazer seus próprios preços, especialmente nas áreas onde são necessários resultados rápidos.
Transporte no topo da lista
A infraestrutura da Alemanha tem sido negligenciada há décadas. Cerca de 5 mil pontes estão tão dilapidadas que precisam ser reformadas com urgência. A empresa ferroviária Deutsche Bahn, notoriamente sobrecarregada e atrasada, lançou o maior projeto de reforma de sua história e planeja renovar mais de 4 mil quilômetros de trilhos em 40 fases trechos centrais nos próximos anos.
Para reequipar logo as Forças Armadas alemãs, a Bundeswehr, armamentos e equipamentos militares precisam ser adquiridos mais rápido do que nunca. Fabricantes de armas já trabalham no limite, devido à guerra na Ucrânia. Sob comando de Donald Trump, os EUA não são mais um parceiro confiável da Otan. Contratos de defesa devem ser cada vez mais redistribuídos na Europa, o que promete tempos dourados para empresas como a siderúrgica Rheinmetall e a Airbus, de aeronavegação, que poderão praticamente ditar os preços.
O dinheiro vai bastar?
Muito dinheiro desperta cobiça. A Deutsche Bahn já calculou que precisará de 290 bilhões de euros para renovar sua infraestrutura até 2034. Um cálculo do Ministério dos Transportes projeta 140 bilhões de euros só para manter as principais estradas da Alemanha.
Somente com essas duas somas, o recém-lançado pacote de infraestrutura de 500 bilhões de euros para os próximos 12 anos estaria praticamente esgotado. Uma análise atual da consultora Strategy&, subsidiária da empresa de auditoria PwC, confirmou: o valor não será mesmo suficiente. A demanda total, em níveis federal, estadual e municipal, seria de 982,1 bilhões de euros até 2035.
Autor: Sabine Kinkartz
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