A "guerra suja" que deixou milhares desaparecidos na Argentina
Rodrigo García.
Buenos Aires, 23 mar (EFE).- O período mais obscuro da história da Argentina, a ditadura cujo início completará nesta quinta-feira 40 anos, provocou o desaparecimento de 30 mil pessoas e fez com que cerca de 400 jovens ainda hoje desconheçam sua verdadeira identidade.
"Quase ninguém viu por onde os desaparecidos passaram ou teve informação e recuperou os ossos de seus filhos. A maioria foi jogado no mar. Só os que chegaram ao litoral da Argentina e do Uruguai puderam ser identificados", contou à Agência Efe Teobaldo Altamiranda, pai de Omar, desaparecido aos 23 anos.
Piloto comercial e integrante e colaborador da juventude peronista, o jovem desapareceu em 13 de janeiro de 1977, meses depois do golpe de Estado que deu início a última ditadura (1976-1983). Ninguém mais soube dele.
"Estava em Miami e minha filha mais velha me avisou que Omar não tinha ido dormir em casa e que já o davam como desaparecido. Imediatamente voltei no primeiro voo que vinha para Buenos Aires", disse Altamiranda, ex-piloto da Aerolíneas Argentinas, segurando uma fotografia de seu filho.
Foi assim que começou uma incessante e infrutífera busca.
"Fomos à polícia, aos quarteis, a todos os lugares que nos diziam. Não existe nada tão perverso, tão horroroso e desumano do que sumir com pessoas e não te dizerem nada com nada. Simplesmente diziam: desapareceu e não está mais", afirmou ele, visivelmente emocionado.
Ele lembrou que até em uma igreja aonde muitos pais iam para pedir ajuda, um personagem "sinistro" guardava um gravador sob a mesa para "extrair informações" sobre os companheiros de seus filhos, para que tivessem o mesmo destino.
Com 87 anos, Altamiranda disse apenas que pede que Deus "ilumine" os "genocidas" e digam "onde estão os ossos" de seu filho.
"Os que caíram no mar dificilmente serão encontrados, mas muitos outros estão enterrados por todo o país em valas comuns e dos 30 mil desaparecidos (segundo as organizações de Direitos Humanos) só 1% foi encontrado", alegou.
O desaparecimento e a ocultação da identidade de filhos dos detidos desaparecidos foi uma prática sistemática durante a ditadura. Localizar e restituir todas essas crianças às suas legítimas famílias foi durante estes 40 anos parte da incansável luta das mães e avós da Praça de Maio.
"Continuaremos levantando a bandeira de que devem aparecer com vida porque essas criaturas que nasceram já são homens e mulheres. Queremos que voltem para as suas casas e com vida. Essa é a luta mais árdua das mães e das avós. Estava visitando a minha mãe, quando me avisaram que meu filho e meu marido não tinham voltado para casa. Desde esse dia, nunca mais soube o que aconteceu", afirmou à Efe Carmen Ramiro, cujo marido e filho desapareceram juntos em outubro de 1976.
Como tantas outras mulheres, ela procurou por conta própria em hospitais, delegacias e todo lugar onde pudesse ter alguma pista.
"Nunca tivemos resposta. Com os anos, pedimos um habeas corpus e levamos tudo aos tribunais", ressaltou.
Em um dado momento, uma mãe disse que separadamente não conseguiríamos nada.
"Por isso, em 30 de abril de 1977, formamos as Mães da Praça de Maio e começamos a fazer tudo coletivamente", lembrou Carmen, contando que teve que trabalhar mais para sustentar seus outros dois filhos e viu sua família se afastar "por medo", pelo terror implantado na sociedade, na qual o povo "não entrava em contato com os familiares dos desaparecidos".
Ao todo, 119 identidades de bebês foram recuperadas, lembrou à Efe Gisele Teper, membro da organização H.I.J.O.S. (Filhos e Filhas pela Identidade e a Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio). Porém, muitos outros desconhecem sua origem.
"Há cerca de 400 pessoas que hoje não conhecem sua identidade e que nasceram em um centro clandestino da ditadura genocida e algumas foram dadas para a adoção", acrescentou.
María del Socorro Alonso, militante de esquerda de família peronista e detida em agosto de 1976 é outro personagem dessa história. Torturada, presa e com liberdade vigiada até 1978, ela conta que as seções de tortura fizeram com que perdesse o bebê que esperava.
"Quando fui detida era membro da Comissão de Direitos Humanos de capital federal e da primeira comissão de presos desaparecidos", acrescentou María, que em 1982 deixou seu país.
Ela viveu no Brasil e no Canadá. Em 1984, com a democracia recém-lançada, retornou à Argentina. Seu parceiro também foi detido e libertado dois meses depois, mas desapareceu logo em seguida.
María é apenas uma dos vários argentinos que integram a Associação de Familiares de Detidos e Desaparecidos por Razões Políticas, a primeira organização criada em tempos de ditadura. Um grupo que começou a surgir em 1975, após os primeiros desaparecimentos provocados pela Aliança Anticomunista Argentina, conhecida como "Triple A", cuja finalidade era perseguir e exterminar pessoas vinculadas a grupos como ERP e Montoneros.
Buenos Aires, 23 mar (EFE).- O período mais obscuro da história da Argentina, a ditadura cujo início completará nesta quinta-feira 40 anos, provocou o desaparecimento de 30 mil pessoas e fez com que cerca de 400 jovens ainda hoje desconheçam sua verdadeira identidade.
"Quase ninguém viu por onde os desaparecidos passaram ou teve informação e recuperou os ossos de seus filhos. A maioria foi jogado no mar. Só os que chegaram ao litoral da Argentina e do Uruguai puderam ser identificados", contou à Agência Efe Teobaldo Altamiranda, pai de Omar, desaparecido aos 23 anos.
Piloto comercial e integrante e colaborador da juventude peronista, o jovem desapareceu em 13 de janeiro de 1977, meses depois do golpe de Estado que deu início a última ditadura (1976-1983). Ninguém mais soube dele.
"Estava em Miami e minha filha mais velha me avisou que Omar não tinha ido dormir em casa e que já o davam como desaparecido. Imediatamente voltei no primeiro voo que vinha para Buenos Aires", disse Altamiranda, ex-piloto da Aerolíneas Argentinas, segurando uma fotografia de seu filho.
Foi assim que começou uma incessante e infrutífera busca.
"Fomos à polícia, aos quarteis, a todos os lugares que nos diziam. Não existe nada tão perverso, tão horroroso e desumano do que sumir com pessoas e não te dizerem nada com nada. Simplesmente diziam: desapareceu e não está mais", afirmou ele, visivelmente emocionado.
Ele lembrou que até em uma igreja aonde muitos pais iam para pedir ajuda, um personagem "sinistro" guardava um gravador sob a mesa para "extrair informações" sobre os companheiros de seus filhos, para que tivessem o mesmo destino.
Com 87 anos, Altamiranda disse apenas que pede que Deus "ilumine" os "genocidas" e digam "onde estão os ossos" de seu filho.
"Os que caíram no mar dificilmente serão encontrados, mas muitos outros estão enterrados por todo o país em valas comuns e dos 30 mil desaparecidos (segundo as organizações de Direitos Humanos) só 1% foi encontrado", alegou.
O desaparecimento e a ocultação da identidade de filhos dos detidos desaparecidos foi uma prática sistemática durante a ditadura. Localizar e restituir todas essas crianças às suas legítimas famílias foi durante estes 40 anos parte da incansável luta das mães e avós da Praça de Maio.
"Continuaremos levantando a bandeira de que devem aparecer com vida porque essas criaturas que nasceram já são homens e mulheres. Queremos que voltem para as suas casas e com vida. Essa é a luta mais árdua das mães e das avós. Estava visitando a minha mãe, quando me avisaram que meu filho e meu marido não tinham voltado para casa. Desde esse dia, nunca mais soube o que aconteceu", afirmou à Efe Carmen Ramiro, cujo marido e filho desapareceram juntos em outubro de 1976.
Como tantas outras mulheres, ela procurou por conta própria em hospitais, delegacias e todo lugar onde pudesse ter alguma pista.
"Nunca tivemos resposta. Com os anos, pedimos um habeas corpus e levamos tudo aos tribunais", ressaltou.
Em um dado momento, uma mãe disse que separadamente não conseguiríamos nada.
"Por isso, em 30 de abril de 1977, formamos as Mães da Praça de Maio e começamos a fazer tudo coletivamente", lembrou Carmen, contando que teve que trabalhar mais para sustentar seus outros dois filhos e viu sua família se afastar "por medo", pelo terror implantado na sociedade, na qual o povo "não entrava em contato com os familiares dos desaparecidos".
Ao todo, 119 identidades de bebês foram recuperadas, lembrou à Efe Gisele Teper, membro da organização H.I.J.O.S. (Filhos e Filhas pela Identidade e a Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio). Porém, muitos outros desconhecem sua origem.
"Há cerca de 400 pessoas que hoje não conhecem sua identidade e que nasceram em um centro clandestino da ditadura genocida e algumas foram dadas para a adoção", acrescentou.
María del Socorro Alonso, militante de esquerda de família peronista e detida em agosto de 1976 é outro personagem dessa história. Torturada, presa e com liberdade vigiada até 1978, ela conta que as seções de tortura fizeram com que perdesse o bebê que esperava.
"Quando fui detida era membro da Comissão de Direitos Humanos de capital federal e da primeira comissão de presos desaparecidos", acrescentou María, que em 1982 deixou seu país.
Ela viveu no Brasil e no Canadá. Em 1984, com a democracia recém-lançada, retornou à Argentina. Seu parceiro também foi detido e libertado dois meses depois, mas desapareceu logo em seguida.
María é apenas uma dos vários argentinos que integram a Associação de Familiares de Detidos e Desaparecidos por Razões Políticas, a primeira organização criada em tempos de ditadura. Um grupo que começou a surgir em 1975, após os primeiros desaparecimentos provocados pela Aliança Anticomunista Argentina, conhecida como "Triple A", cuja finalidade era perseguir e exterminar pessoas vinculadas a grupos como ERP e Montoneros.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.