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Primeiro salão de beleza trans da Argentina fecha a porta para a prostituição

28/12/2016 10h04

Irene Valiente.

Buenos Aires, 28 dez (EFE).- Andrea Vargas não tem mais medo de ir à rua porque sabe que vai conseguir voltar para casa. Ela é uma das dez transexuais que deram a volta por cima e saíram do mundo da prostituição na cidade argentina de La Plata para montar o primeiro salão de cabeleireiro que luta contra a discriminação LGBT no país.

"Agora me sinto diferente. Já não tenho medo de ir trabalhar e não saber se vou voltar para casa. Nas ruas acontece de tudo, somos roubadas, apanhamos. Aqui me sinto mais protegida porque estou trabalhando de dia e não tenho medo", conta ela em entrevista à Agência Efe.

Há duas semanas, a jovem de 26 anos começou a trabalhar com outras nove amigas no "Las Charapas", um salão de beleza na capital da província de Buenos Aires que quer empoderar travestis, transexuais e transgêneros, especialmente as que vem de outros países, e derrubar preconceitos. Por trás de tudo isso está Claudia Vásquez, a presidente da Otrans, associação civil que surgiu em 2012 em La Plata e que há três anos começou a criar este espaço trans autogerido, sem qualquer tipo de auxílio público.

Para isso, ajudou na formação de dez pessoas que até a inauguração do local, no começo de dezembro, continuavam a se prostituir.

"Fizeram o processo de forma didática porque foram rompendo estereótipos da sociedade", explica Claudia, de 46 anos, em entrevista à Efe, comemorando o fato de o projeto ter permitido dar "uma identidade" às meninas.

A ativista, que conseguiu fugir do "perverso" mundo da prostituição, insiste na necessidade de o Estado gerar alternativas para as mulheres saírem de uma situação que as "coisifica" e "desvaloriza" e que afeta 90% das trans do país.

Foi por isso que ela deu início a esta iniciativa que já mudou a vida de dez pessoas. Entre elas a de Andrea, que há dois anos chegou do Peru com a ideia de continuar se dedicando ao ramo da beleza, no qual é formada, mas terminou "caindo na rua".

"Não foi porque eu quis. Tinha vergonha das pessoas me olhando quando eu estava parada, mas não tinha dinheiro", lembra ela, admitindo que quando alguém chega a esse nível de exclusão, "a rua contagia" e torna a pessoa "disposta a tudo".

Ela fica emocionada a cada vez que fala do salão, onde pôde conhecer novas pessoas, ter outras conversas e até voltar a sonhar.

"É outra vida: muda a sua cabeça e você passa a ver as coisas de outra maneira. Quando você está na rua, não pensa em estudar. Agora, por exemplo, eu quero fazer Jornalismo ou Direito, para ajudar minhas companheiras", confessa, entusiasmada.

Para Claudia, a cooperativa tem dois papéis: a militância e a inclusão social, já que assim os moradores podem vê-las "em outros horários e em outros espaços" e deixam de associá-las ao "show business", às drogas e ao crime. A maioria delas é imigrante, algo que se replica no restante do coletivo trans da Argentina e, segundo Claudia, este fator faz com que a "terrível perseguição" que sofrem nas ruas, principalmente da polícia, duplique.

"É muito duro lutar contra a violência institucional da Justiça e da Polícia", diz, antes de denunciar que estas agressões "aumentaram" há um ano, com a chegada de Mauricio Macri à presidência argentina e o estabelecimento de "um governo de direita, que impõe políticas xenofóbicas e rígidas".

A isto se somam as dificuldades que elas enfrentam na hora de conseguir um emprego e até mesmo um aluguel. No caso de "Las Charapas", por exemplo, elas se viram obrigadas a trabalhar na casa de Claudia por conta das "desculpas" que vários locadores deram.

Segundo a presidente da Otrans, esta discriminação chegou a tal ponto que três transexuais foram assassinados em outubro. Em todo o ano de 2016, foram registradas 15 mortes violentas de trans. Por isso é imprescindível que o Estado inicie políticas públicas de proteção e denuncie que a lei de cota "trans", aprovada em setembro de 2015 na província de Buenos Aires, ainda não tenha sido regulamentada, apesar da necessidade de conter a perseguição e continuar a avançar nos direitos obtidos após a sanção da lei de identidade de gênero em 2012.

Quando chegou do Peru, há 16 anos, Claudia cortava cabelo em comunidades carentes em troca de comida. Agora, além de uma incansável ativista, é pesquisadora e professora no curso de Jornalismo da Universidade Nacional de La Plata.

"Lutei muito para não acabar na rua. O único (fator) que nos abriga e nos fortalece é a união", revela, ao explicar que a cooperativa é uma espécie de alívio para elas.