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Referendo para vetar casamento gay na Romênia incentiva a discriminação

Voluntário de extrema-direita distribui jornal pedindo voto contra o casamento gay em estação de metrô de Bucareste, capital da Romênia - Daniel Mihalescu/AFP Photo
Voluntário de extrema-direita distribui jornal pedindo voto contra o casamento gay em estação de metrô de Bucareste, capital da Romênia Imagem: Daniel Mihalescu/AFP Photo

Por Raúl Sánchez Costa

Em Bucareste

05/10/2018 06h01

Ativistas e ONGs da Romênia denunciam que o referendo que será votado neste fim de semana para vetar o casamento entre pessoas do mesmo sexo aumentará a discriminação que os homossexuais sofrem no país e, se o "sim" vencer o pleito, os condenará a serem cidadãos de segunda categoria.

A Romênia - que despenalizou as relações homossexuais no ano de 2001 - não permite as uniões civis de pessoas do mesmo sexo, e, no entanto, votará para restringir a definição constitucional de casamento explicitamente para a união entre um homem e uma mulher.

De fato, a consulta, que conta com o apoio do governamental e populista Partido Social Democrata (PSD), procura vetar o casamento gay.

O referendo, que requer a participação de 30% do eleitorado para ser considerado válido, foi impulsionado pelos 3 milhões de assinaturas coletadas pelo movimento conservador "Coalizão para a Família", que alega que o termo neutro "cônjuge", empregado na Constituição, poderia permitir o casamento homossexual no futuro.

Algumas ONGs como a Anistia Internacional (AI) qualificam o referendo como "homofóbico", e jovens ativistas não escondem sua "preocupação" e "temor" pelo aumento da discriminação e do discurso de ódio no país.

"A campanha já gerou ódio até cotas intoleráveis. Nunca tinha visto tantos episódios de homofobia como até agora; não quero imaginar o que pode acontecer se o sim vencer", lamentou à Agência Efe David, integrante da organização LGBT Accept.

"O referendo monopoliza todas as conversas entre os amigos e as notícias dos veículos de imprensa. Mas ninguém sabe o que pode acontecer e isso provoca mais ansiedade, que nos afeta diretamente", frisou David, que tem 26 anos.

Em relação ao risco de que a baixa participação do eleitorado anule o resultado, já que são necessários pelo menos 6 milhões de votos (30%) para que o referendo seja considerado válido, o governo social-democrata decidiu ampliar a consulta para dois dias.

A "Coalizão para a Família", por sua vez, empreendeu uma extensa campanha em defesa da "família tradicional", recorrendo inclusive a mensagens falsas como: "Se não votar, dois homens poderão adotar seus filhos".

O líder da coalizão, Mihai Gheorghiu, explicou para a Efe que "o referendo não tem nada a ver com a minoria LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) na Romênia, mas busca determinar um modelo de família diante daqueles que desejam trocá-lo".

O ideário conservador de Gheorghiu, que também quer proibir o aborto, é apoiado com entusiasmo pela Igreja Ortodoxa Romena como "patriótico, cristão e profundamente democrático".

"É preciso defender o presente sagrado da vida de uma pessoa nascida do amor conjugal de um homem e uma mulher", afirmou recentemente a Igreja Ortodoxa em comunicado.

De maneira surpreendente, o governante partido PSD apoia o "sim", apesar de a primeira-ministra, Viorica Dancila, ter manifestado à União Europeia (UE) na semana passada que sua legenda não se posicionaria em favor de nenhuma opção.

O líder do PSD e presidente do Congresso dos Deputados, Liviu Dragnea, disse: "Minha educação é ortodoxa, cresci em um povoado, no campo, cercado de famílias tradicionais; tudo isso me faz dizer 'sim'".

Além disso, o PSD pagou por anúncios nas emissoras públicas de televisão com a mensagem: "Queremos família, crianças e futuro", e nas quais enfatizava que o "sim" significa apoiar o casamento como a união entre um homem e uma mulher.

A maioria dos eleitores do PSD, que surgiu do antigo Partido Comunista, vive na zona rural e tem idade mais avançada.

Por isso, alguns analistas asseguram que os social-democratas não tinham a intenção de se distanciar de suas bases em um momento de baixa popularidade por causa de uma controversa reforma da Justiça e de vários escândalos de corrupção.

Por outro lado, a oposição de centro-direita - que agrupa o voto urbano - e as ONGs solicitaram um boicote ao referendo já que consideram que a consulta incita à discriminação e à homofobia.

Os pedidos de boicote e as dúvidas sobre a participação e o sentido do voto tornam difícil prever o resultado do referendo.

Além disso, a consulta acontece em um momento delicado para Dragnea, o homem forte do PSD, que está prestes a conhecer uma sentença definitiva sobre corrupção que pode acabar com sua vida política.

"(Dragnea) organizou o referendo para fazer uma cortina de fumaça em relação a seus vários problemas na Justiça, mas também para cortar a sangria da perda de apoio entre seus eleitores, que são majoritariamente das zonas rurais", explicou à Efe Sorin Ionita, do laboratório de ideias Expert Forum.

O especialista acredita que o referendo não trata tanto sobre o casamento homossexual, mas servirá para consolidar seu nicho de votos com uma ruptura com os valores liberais do Ocidente e da União Europeia.

"Trata-se de dinamizar o sentimento antiocidental na Romênia e criar uma fratura social, que se ampliará", assinalou Ionita.