Brasil enfrenta desafio de encarar trágicos números de feminicídios
Alba Santandreu.
São Paulo, 14 fev (EFE).- Quatro mulheres foram assassinadas por dia neste ano no país, que concentra 40% dos feminicídios na América Latina e onde essa violência crescente alarma organizações humanitárias nacionais e internacionais.
"Aqui os casos e as histórias só mudam de nome", lamentou Barbara Penna, que ainda tem na pele as marcas da violência sofrida pelas mãos do ex-companheiro.
Neste ano, o Brasil registrou pelo menos 138 assassinatos de mulheres por motivos de gênero e 77 tentativas de homicídio, segundo um relatório elaborado pelo especialista em Direito Internacional e ativista de direitos humanos Jefferson Nascimento.
Iolanda Crisóstomo, Maria Dalvina Dantas, Elizangela Pereira de Almeida e Katiele Rodrigues Santos são algumas das mais de 100 mulheres assassinadas em 2019 e que aparecem na lista elaborada por Nascimento com base em casos publicados na imprensa.
Em 2013, o companheiro de Bárbara tentou afogá-la com as mãos e depois ateou fogo na casa em que morava. Os dois filhos morreram no incêndio, e ela sofreu queimaduras por todo o corpo.
Bárbara, por sua vez, sobreviveu à crueldade, criou uma ONG em Porto Alegre para ajudar outras mulheres a seguir em frente.
"Quando começou a tragédia na minha vida, não tinha exemplo, amparo, nada que pudesse me salvar. Na época, não se falava tanto dos direitos das mulheres. Minha história foi o ápice de uma violência abusiva", contou ela à Agência Efe.
A milhares de quilômetros de distância, em São Paulo, Maria (nome fictício) também se refugiou em uma ONG dedicada a mulheres quando começou a sofrer violência física e psicológica: primeiro por parte do seu irmão - que sofre de esquizofrenia - e depois do noivo.
Quando quis se separar, foi espancada e ameaçada de morte. Maria denunciou o caso à polícia, mas um juiz negou uma ordem de afastamento porque, de acordo com ela, "considerou que era pouco o que tinha acontecido" e "que não havia perigo".
Para Maria, decisões judiciais como esta significam o atestado de morte de muitas outras mulheres no Brasil.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) manifestou na semana passada sua preocupação com os feminicídios no país e denunciou que "as mulheres assassinadas haviam denunciado anteriormente seus agressores, enfrentado graves fatos de violência doméstica ou sofrido ataques ou tentativas de homicídio anterior".
A presidente da CIDH e relatora para os Direitos das Mulheres, Margarette May Macaulay, considerou "inadmissível que mulheres com ordens de proteção sejam assassinadas, que não disponham de suficientes refúgios ou que suas denúncias não sejam devidamente levadas em consideração".
Maria relatou que, após a denúncia apresentada no final do ano passado, a única ajuda que recebeu foi da ONG Nova Mulher e da sua nova amiga Antônia (nome fictício), que no passado também foi vítima de violência por parte do marido.
O primeiro casamento de Antônia, de 42 anos, esteve marcado pela violência e ela chegou a ser espancada pelo marido com uma pistola.
Uma violência similar sofreu Maria da Penha, que sobreviveu a duas tentativas de assassinato por parte de seu marido na década de 1980 e deu nome à lei sancionada em 2006 destinada a combater a violência sexual no Brasil.
Em entrevista à Agência Efe, Maria da Penha reconheceu que o país avançou nos últimos anos contra os maus-tratos, mas ressaltou que ainda faltam mais políticas públicas, uma reivindicação também efetuada pela CIDH.
Apesar de admitir que a lei que tipifica o feminicídio no Brasil "representou um passo fundamental para visibilizar o caráter discriminatório que têm os assassinatos de mulheres em razão do seu gênero", a Comissão afirma como "indispensável reforçar as medidas de prevenção e de proteção".
Em seu último relatório anual, apresentado em janeiro, a ONG Human Rights Watch (HRW) denunciou que no Brasil, país com mais de 200 milhões de habitantes, só existem 74 abrigos de emergência para mulheres vítimas de maus-tratos e destacou "que a polícia não investiga milhares de casos de violência doméstica".
"Fazer uma denúncia na delegacia da mulher às vezes é muito complicado, às vezes as mulheres precisam de uma medida de proteção e não a oferecem. Verificamos que as mulheres estão falando mais, mas ainda não se sentem seguras para fazer a denúncia", disse à Efe Marcia Victoriano, socióloga e diretora da ONG Nova Mulher. EFE
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