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Sauditas tentam driblar polêmico aplicativo do governo para fugir do país

24/02/2019 06h02

Isaac J. Martín.

Cairo, 24 fev (EFE).- Quando fez 20 anos, Ran tentou usar o Absher - aplicativo criado pelo governo para oferecer serviços para cidadãos e residentes - para viajar para fora do país, mas o pai negou a permissão através do mesmo sistema, que organizações de direitos humanos querem que seja desativado da App Store e do Google Play.

Certo dia, Ran - que pediu para ser identificada com esse nome por motivos de segurança, já que ainda vive na Arábia Saudita - pediu ao pai e tutor para que autorizasse a emissão do seu passaporte através do aplicativo, obrigatório para homens e que permite a eles ter acesso ao movimento de suas filhas, esposas ou qualquer mulher com quem tenham algum vínculo.

"Nós não viajamos para fora. Por que precisamos?", perguntou o pai sobre a necessidade do documento, conforme contou Ran, por telefone, à Agência Efe.

Suspeitando da sua tentativa de escapar, ele negou a autorização, mas isso não desestimulou a jovem. Ela conseguiu descobrir a senha do pai e pediu o passaporte no Absher em nome do tutor, que depois foi enviado para a sua casa.

"Muitas mulheres sauditas fazem como eu. Muitos pais são mais velhos e precisam dos filhos e filhas para abrir a conta e fazer os trâmites online, então muitas mulheres conhecem as contas e aproveitam para usá-las a seu favor", explicou ela.

Uma vez com o passaporte na mão, restava o passo final: pegar o avião para um destino desconhecido. Ran acabou desistindo, como acontece com muitas sauditas, já que é preciso ter a autorização através do celular também no momento do embarque.

"O aplicativo acompanha o movimento das mulheres, persegue, e envia ao tutor uma mensagem com o nome dela, o aeroporto em que está e o voo, antes da decolagem. Ele pode recusar a viagem do próprio aparelho no último momento, caso a mulher tenha usado a conta sem o seu consentimento ou, simplesmente, se mudar de opinião. Esse é o grande obstáculo que as mulheres sauditas enfrentam quando tentam escapar", lamentou.

Através do Absher, criado pelo Ministério de Interior, os cidadãos podem fazer grande parte dos trâmites burocráticos sem a necessidade de ir a um local físico. Além da emissão do passaporte e da autorização de viagem, é possível, entre outras funções, registrar mulheres e menores que estão sob a sua tutela e conceder ou negar permissão para a matrícula na escola e para se casar.

A base disso tudo é o regime de tutela do homem, o que significa que a vida de uma mulher na Arábia Saudita é controlada do nascimento à morte.

A situação das sauditas ganhou mais visibilidade nos últimos meses. O caso mais recente foi o de Rahaf Mohammed al-Qunun, que fugiu da família, de um casamento arranjado e conseguiu asilo no Canadá em janeiro.

Amani al-Ahmadi, conselheira da organização Euro-Mediterranean Human Rights Monitor para Arábia Saudita e que também escapou do país, afirmou à Efe que o aplicativo é "imoral" e deveria ser retirado das plataformas da Apple e do Google.

Na semana passada, o executivo-chefe da Apple, Tim Cook, disse em entrevista à rádio pública americana "NPR" que "não tinha ouvido" nada sobre a questão, mas que "consideraria" fazer uma investigação sobre o seu uso.

Para Amani, no entanto, tirar o programa do ar seria apenas "quebrar a superfície". Segundo ela, é preciso ir além e eliminar o regime de tutela que "humilha" mulheres.

O governo saudita parece saber da polêmica criada. No último dia 16, condenou a "campanha tendenciosa" contra o aplicativo e disse que essa não é "uma ferramenta de controle", mas sim para realizar os trâmites administrativos "a qualquer momento e de qualquer lugar".

Esta versão é defendida pelo saudita Mohammed al Youssef, de 36 anos. Para ele, essa é uma "propaganda exagerada".

"Este sistema facilita a vida tanto de homens quanto de mulheres. Antes, os pais tinham preguiça de ir aos órgãos públicos para conseguir uma permissão de viagem por causa do trânsito e da burocracia das instituições governamentais. Agora, podem fazer tudo através do celular", argumentou à Efe. EFE