Tunísia vive dilema para administrar "legião estrangeira" de jihadistas
Natalia Román.
Túnis, 23 mar (EFE).- Considerado o quarto país em número de integrantes na "legião estrangeira" que se uniu à organização Estado Islâmico, a Tunísia enfrenta com uma mistura de política penitenciária rígida e programas de reinserção do cidadão o grave problema dessas pessoas que retornam ao seu território.
Firmeza com os presos mais perigosos - aqueles com capacidade de influenciar outros detentos e que ficam isolados - e planos de reeducação para os demais - autorizados a viver em sociedade, embora submetidos a uma vigilância contínua.
"Para os que ultrapassaram o ponto de não retorno na violência ou da ideologia radical, é muito difícil falar em reinserção social, mas para o restante é uma oportunidade para começar de novo como civil", declarou à Agência Efe Fakhreddine Louati, pesquisador do Instituto Tunisiano de Estudos Estratégicos (Ites), que nos últimos meses entrevistou aproximadamente 100 presos, a maioria com idades entre 18 e 35 anos.
Segundo a prestigiada instituição de pesquisa e análise privada The Soufan Group, a Tunísia é o quarto país em origem dos combatentes estrangeiros do Estado Islâmico, com três mil participantes, atrás de Rússia, Arábia Saudita e Jordânia.
Desse total, cerca de 1.000 já voltaram para o país, sendo que 800 estão presos e 200 soltos sob monitoramento judicial.
De acordo com Louati, entre as principais causas de retorno estão a pressão familiar, o chamado para uma nova missão no país de origem e a decepção, esta última a mais frequente.
"A maioria volta por decepção com as promessas de dinheiro, estabilidade e reconhecimento. É uma decisão de cliente e não ideológica. O que lamentam é não terem escolhido outro grupo jihadista mais alinhado com as suas aspirações", explicou.
Alguns inclusive, segundo o pesquisador, voltam ao país onde nasceram, mas praticamente não o conhecem, já que nunca viveram lá.
São chamados de "binacionais", a maioria europeus de origem norte-africana, que se tornam objeto de "uma corrida para ver quem é o primeiro a retirar a nacionalidade dessa pessoa", uma vez que o outro país não pode fazer o mesmo porque a lei internacional impede que haja apátridas.
Mohamed Iqbal, presidente da Associação de Resgate de Tunisianos Presos no Exterior (Ratta), viu de perto o drama do regresso de um retornado. Seu irmão mais novo, com deficiência física, tentou se juntar aos jihadistas em 2013, mas a família conseguiu denunciar e ele foi detido cinco dias depois, quando tentava atravessar a fronteira da Turquia com a Síria.
Desde então, este ativista defende o direito a uma "segunda chance" para os que saíram para a jihad e a reabilitação das vítimas "do recrutamento radical" que não chegaram a se armar.
Seu principal objetivo é a repatriação dos chamados "Filhos do Califado", 93 crianças, com idades entre dois e seis anos, cujos pais estão presos ou em campos de refugiados na Líbia.
De acordo com Iqbal, o diálogo com as autoridades é pouco produtivo e o governo dificulta o processo de retorno desses menores exigindo exame de DNA.
"A única coisa que falta é uma autorização do Estado. O Crescente Vermelho da Líbia se encarrega de tudo. As autoridades líbias querem que os governos recuperem seus cidadãos, as crianças, presos e corpos, mas a Tunísia não parece disposta a aceitar", afirmou.
Organizações de defesa dos direitos humanos denunciam, por sua vez, que, com a chancela da luta antiterrorista, a Tunísia aplica também outras medidas "abusivas", como a detenção preventiva e a pena de morte. Ao todo, 77 pessoas foram condenadas à morte, apesar de esta não ser aplicada desde a moratória de 1991.
"É o Estado e a lei antiterrorista que criam os terroristas", argumentou Ahmed, um jovem de Mahdia, cidade a 200 quilômetros da capital, cujo controle policial atua em sua vida há três anos.
Em 2016, seu irmão Sofian, de 24 anos, foi detido e acusado de pertencer a uma célula jihadista.
"Disseram que entre os seus contatos do Facebook tinha um suposto terrorista, um morador do bairro. A lei permite deter sem julgamento uma pessoa por 14 meses e, um mês antes do prazo acabar, o juiz o soltou por falta de provas", contou.
Desde então, Ahmed e os dois irmãos sofrem as consequências do "S17", um procedimento judicial que permite ao Ministério do Interior da Tunísia controlar os deslocamentos, tanto dentro quanto fora do país, das pessoas suspeitas de radicalização.
Segundo a Anistia Internacional, essa medida é aplicada a 30 mil pessoas - de uma população de 11 milhões -, mas carece de base jurídica e contradiz o direito à liberdade de circulação.
"Você pode ser detido a qualquer momento, passar horas em um interrogatório e até ser proibido de fazer uma viagem sem qualquer motivo", criticou Ahmed, que trabalha em um lava-jato.
Seu sonho? Poder rever a mulher na Holanda e deixar para trás um país onde, segundo garantiu, tudo parece ter mudado, menos as práticas do antigo regime ditatorial. EFE
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