Dilma vê pressão popular insuficiente para propiciar impeachment de Bolsonaro
A ex-presidente Dilma Rousseff afirmou ver uma mobilização popular insuficiente para propiciar a abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, apesar de alguns recentes protestos no país terem encampado a pauta.
Dilma conhece bem o tema. Ela, em 2016, e Fernando Collor, em 1992, foram os únicos presidentes submetidos ao tortuoso processo de destituição desde a redemocratização do Brasil, que foi concluída com a promulgação da Constituição de 1988.
Em entrevista à Agência Efe, a ex-presidente - que perdeu o cargo por crime de responsabilidade pelas chamadas "pedaladas" fiscais e ao editar decretos suplementares sem prévia autorização do Congresso Nacional - voltou a alegar que foi vítima de um "golpe de Estado".
Por outro lado, em relação a Bolsonaro, ela defende que o atual mandatário deveria ser alvo de um julgamento político, mas considera que "a direita e a centro-direita" são "forças que não querem o impeachment".
"E tem um centro que está em cima do muro, vacilando. (O impeachment) depende dos acontecimentos e de como vai se desenrolar. No Brasil, neste momento, falta um fator, sempre será importante a manifestação popular, para o bem ou mal, e não há isso num quadro de pandemia de forma sustentada", declarou.
Dilma também afirmou que vê Bolsonaro em "uma situação de maior fragilidade" devido à investigação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma suposta rede de disseminação de notícias falsas em portais de internet e redes sociais, além de ameaças a ministros da Corte.
"A eles (direita e centro-direita) não interessa o impeachment, e não é porque estamos em uma pandemia. Justamente porque estamos em uma pandemia era imprescindível retirar o Bolsonaro da gestão do país, porque não há gestão na área de saúde", opinou.
Agência Efe: Onde e como a senhora está passando a quarentena?
Dilma Rousseff: Estou passando aqui em Porto Alegre. Tenho feito bastante lives, leio muito, escuto músicas, enfim, faço tudo que as pessoas são obrigadas a fazer e faço os exercícios físicos. Então, dentro do possível, apesar de toda a pressão que é ficar em quarentena, tenho conseguido criar uma rotina de trabalho e de vida bastante produtiva, mas há uma pressão imensa, porque, em um dia de sol, você olha para rua e quer dar uma volta, mas não é possível.
Efe: Como a senhora vê a atual situação política do país?
Dilma: Enfrentamos a pandemia com três coisas graves: um desmonte na área de saúde, um desmonte na rede de proteção social e todo um processo de redução do papel do Estado no atendimento da população mais pobre do país, e isso levou a reformas trabalhistas que criaram o maior nível de informalidade e precarização do trabalho.
Acrescento a crise política. Temos uma permanente crise política provocada pela agenda neoliberal de reformas no Brasil que só conseguiram implantá-la por meio de um golpe em 2016 (referindo-se a seu processo de impeachment) e da eleição da ultradireita em 2018.
Eles (as forças neoliberais) supuseram que tutelavam a ultradireita, e não tutelaram até agora, principalmente seu representante máximo, que é o presidente. Parece estar sob controle, mas tenho dúvidas se isso permanecerá.
Efe: O que a senhora quis dizer quando falou que Bolsonaro "parece estar sob controle"? Controle de quem?
Dilma: Acho que tem havido uma negociação, porque à direita no Brasil, à centro-direita e a segmentos de centro sempre interessou o Bolsonaro, para que ele aplicasse a agenda neoliberal, e quem representa essa agenda dentro do governo Bolsonaro? O ministro da Economia, Paulo Guedes, que tem o apoio de amplos setores da direita, da centro-direita, da mídia. Hoje, alguns são contra e romperam com Bolsonaro, mas apoiam o Paulo Guedes, e isso fica claro em algumas posições de lideranças políticas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que recentemente disse que a gente tinha de ter paciência com o senhor Bolsonaro e que era contra o impeachment.
O presidente está em uma situação de maior fragilidade, porque há no Supremo uma investigação sobre 'fake news', sobre as milícias, e há a prisão do (ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, Fabrício) Queiroz. Diante desse quadro, ficou claro que ele tinha algum nível de acordo com esses grupos, ou ele progressivamente seria levado ao impeachment, e a eles (direita e centro-direita) não interessa o impeachment, e não é porque estamos em uma pandemia. Justamente porque estamos em uma pandemia era imprescindível retirar o Bolsonaro da gestão do país, porque não há gestão na área de saúde.
Efe: Então a senhora considera que não vai haver impeachment contra Bolsonaro?
Dilma: Não. Eu acho é que não está garantido. Estou dizendo que há forças que não querem o impeachment. Quem são elas? A direita e a centro-direita. E tem um centro que está em cima do muro, vacilando. Depende dos acontecimentos e de como vai se desenrolar. No Brasil, neste momento, falta um fator, sempre será importante a manifestação popular, para o bem ou mal, e não há isso num quadro de pandemia de forma sustentada. A situação, eu te diria, é mais de um equilíbrio catastrófico. E qual é a catástrofe? É essa mistura de neoliberalismo com coronavírus e busca de brechas autoritárias. Essa é a catástrofe, e há um equilíbrio, porque não há uma clara definição para que lado as forças irão.
Efe: Houve protestos nas ruas, panelaços, entre outras manifestações. A senhora acha que não foi suficiente toda essa mobilização para justificar o impeachment?
Dilma: Isso. Não é para justificar, mas para impulsionar o impeachment.
Efe: A senhora considera que, após a pandemia, o impeachment poderá acontecer?
Dilma: Acho que a gente não consegue responder isso de uma forma definitiva hoje. Eu não posso dizer nem que sim, nem que não.
Efe: Parte do seu legado é associado a uma queda muito grande da economia em 2015 e 2016. A senhora se sente corresponsável pela atual situação do Brasil?
Dilma: Não, porque a queda naquele período teve razões. Coincidiu com uma queda de China (principal parceiro comercial do país), do preço das commodities, como petróleo, gás, minério e alimentos (...) além de um maior período de seca no Brasil. Esses fatores foram vistos como condições básicas pela elite brasileira para atuar em cima disso.
O golpe que sofri não se dá por conta da crise econômica, mas ao inverso, a crise econômica ocorre por conta da necessidade de criar condições para esse golpe. Isso foi reconhecido pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que disse que o PSDB tinha que responder por três coisas, e uma delas era não ter adotado e votado a favor de medidas que eram visivelmente para beneficiar a economia brasileira.
Naquela época, a dívida bruta tinha caído a 36%, tinha uma taxa de desemprego, que foi o que me reelegeu, a menor taxa de desemprego, de 4,3%. Aí, no ano de 2015 e início de 2016, destroem a economia, aproveitam a crise, aproveita o que já tinha de ruim e intensifica, paralisa o Brasil.
Efe: Quais são as piores lembranças do processo de impeachment?
Dilma: A minha pior lembrança é necessariamente a percepção de que o golpe era inexorável, que eles estavam levando o golpe até às últimas consequências. Só que eu nunca imaginei que as últimas consequências chegariam em Bolsonaro.
Naquela época, em que Bolsonaro votou, ele era simplesmente um deputado federal do baixo clero, reconhecidamente como uma pessoa incapaz de governar, uma pessoa inadequada, antidemocrática, uma pessoa que abraçava a tortura. Daí, o discurso dele a favor do coronel (ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, Carlos Alberto) Brilhante Ustra e a favor da tortura, não surpreendeu tanto. Me surpreendeu mais o que fizeram os pseudodemocratas ao aderirem ao golpe. Me surpreendeu e me estarreceu mais. A minha pior lembrança é a lembrança das falas no Senado, quando eu vi lideranças até então democráticas, que tinham trajetória de vida democrática, rasgarem as suas respectivas biografias e aceitarem um golpe de Estado.
Do passado recente, a minha pior lembrança é a campanha contra o Lula, o processo que leva à prisão do Lula. Primeiro, o julgamento do Lula, depois a condenação, a condenação em segunda instância, a votação no Supremo Tribunal Federal (STF), até chegar à interdição dele. Foi um processo extremamente doloroso. Essa foi uma campanha que dá para perceber que eles estavam criando as condições para que subisse um líder de extrema-direita.
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