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Michel Temer: Impeachment está virando moda, não é bom para o país

Do UOL, em São Paulo

06/07/2020 12h36

Resumo da notícia

  • Ex-presidente disse que, no atual momento, não vê impeachment para Jair Bolsonaro
  • Temer disse que ligou para Bolsonaro a fim de dar "palpite" sobre gestão da pandemia
  • Ele falou ainda que Brasil não tem cacife político ou econômico para o isolacionismo
  • Sobre o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Temer diz ter "pena"

O ex-presidente Michel Temer (MDB) disse, em declaração ao UOL Entrevista, que não enxerga no atual momento um cenário para o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). De acordo com Temer, um terceiro processo de impedimento desde a redemocratização do Brasil, em 1985, não seria bom para o país.

Na entrevista conduzida pelo colunista Tales Faria, o ex-presidente ainda disse que impeachment "está virando moda no país", com pedidos também em relação a governadores e municípios. Temer assumiu a presidência em 2016 depois do processo de impedimento contra Dilma Rousseff, mas traça diferença entre as situações.

"Hoje, quando é terceiro [processo], fala-se com mais acento, as pessoas dizem 'não é possível'. E agora pegou um pouco de moda, viu? E não é mais só impeachment na União, é impeachment nos estados, municípios, pegou um pouco de moda e é preciso tomar cuidado com essas coisas, penso eu", disse.

Temer, porém, fez a ressalva de que não é contra o impeachment de uma forma geral. Citando o governo Bolsonaro, ele disse que, apesar de hoje não ver um cenário propício, o impedimento pode se tornar inevitável diante da imprevisibilidade do futuro.

Virou moda [falar em pedir impeachment]. Não quero dizer isso, porque, me perdoe, se você colocar uma manchete, 'impeachment virou moda', parece que eu sou contra. Não. Neste momento, o presidente Bolsonaro acho que não está correndo esse risco. Não sei o que vai acontecer daqui dois meses, pode acontecer algo desastroso e daí o impedimento é inevitável.

No momento, porém, Temer acredita que não existem elementos que apontem para este caminho. "Não vejo movimentos condizentes a esse afastamento, porque quem derruba presidente é o povo na rua, porque isso sensibiliza o Congresso Nacional. Quando eu digo povo, eu digo milhões de pessoas nas ruas. Eu não vejo isso, pode até ser em função da pandemia, não sei dizer", disse.

"O segundo ponto é que nos contatos que as pessoas têm comigo, não vejo essa disposição do Congresso. Pelo contrário, vejo uma certa preocupação. Nós somos uma nação ainda jovem, você ter um terceiro impedimento não é uma coisa boa ao país. Se ele puder continuar, quando chegar em 2022, o povo diz se quer que continue ou não. Você vai pelo sistema democrático. Eu não vejo utilidade nesse movimento", completou.

Palpite a Bolsonaro

Na entrevista, o ex-presidente afirmou que chegou a ligar para Jair Bolsonaro para dar um "palpite" sobre como deveria ser feita a gestão da pandemia do novo coronavírus. Ele sugeriu um decreto de isolamento por "12 ou 15 dias" que fosse revisado periodicamente.

"Ele agradeceu muito, já havia me telefonado no Natal para dizer, brincando, 'você não quer trocar de lugar comigo?'", contou.

Temer diz que os dois têm "estilos" diferentes de governar. "Na minha cabeça, a palavra do presidente é muito forte, ela pauta o país. (...) Então eu dei palpites nessa direção, como muitos outros deram. E, portanto, eu acho que de uns tempos pra cá ele deixou de fazer aquelas entrevistas de manhã deixou de comparecer naqueles atos contra o STF e o Congresso. Acho que foi bom para ele e para o país."

Isolamento internacional

Temer criticou o que chamou de isolamento internacional do Brasil, se alinhando aos críticos das negociações multilaterais, caso dos Estados Unidos do presidente Donald Trump. Jair Bolsonaro tem acumulado críticas da comunidade internacional por causa de seu alinhamento automático aos EUA, contrariando posições históricas do Itamaraty.

Temer também comentou a relação do Brasil com a China — principal parceiro comercial do país e que se tornou alvo de ataques durante a gestão de Bolsonaro.

"Você pode até, nessa multilateralidade, fazer críticas a sistemas internos dos países, mas a relação de estado a estado é institucional. Os maiores parceiros comerciais do Brasil são China e Estados Unidos, e há uma distância entre os dois, mas você tem que manter boas relações. A multilateralidade é uma coisa importantíssima", avaliou o emedebista, acrescentando o país não tem "cacife político ou econômico para o isolacionismo, temos que ser universalistas."

O ex-presidente também lembrou as visitas de Bolsonaro à China e aos países árabes no começo do mandato, e ressaltou que suas ações posteriores não foram condizentes com a política diplomática que tentou transparecer. "A palavra dele não fez sentido com a ação", disse Temer.

Aras e Janot

Protagonizando uma rusga com a Operação Lava Jato e suas respectivas forças-tarefa, o procurador-geral da República Augusto Aras foi citado por Temer como quem "pode criar um organismo central" de combate à corrupção — uma das pautas que aprofundou a crise entre PGR e Lava Jato.

"Juridicamente não é a Lava Jato quem produz efeito [na Justiça], é a corrupção. Essa expressão de Lava Jato como se fosse algo fora da normalidade, ela é de uma singeleza extraordinária", disse Temer, que é réu em ao menos seis processos, entre eles um relacionado à frase "tem que manter isso aí, viu?", gravada pelo empresário Joesley Batista e que teria relação com propinas ao então presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB).

Ele chegou a ser preso duas vezes no âmbito das investigações da Lava Jato no Rio de Janeiro, que apuram um suposto esquema de corrupção envolvendo a Eletronuclear e a usina de Angra 3.

Em relação a Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, Temer disse ter "pena". "O Janot, você se lembra daquelas entrevistas que ele dizia, 'eu ofereço uma denúncia, se não aceitar, ofereço outra'? Isso é, 'estou perseguindo'. Essas coisas ganharam notoriedade, o povo aplaude. (...) Eu tenho pena dele, ele quis meu mal, fez mal ao país. Eu quero o bem dele. Espero que Deus o ajude para que ele se recupere dessas coisas todas", disse.

Temer foi denunciado duas vezes perante o STF por Janot. Ele foi o primeiro presidente a ser denunciado por crime comum (corrupção passiva e organização criminosa) durante o exercício do mandato.