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Brasileiro desconhece causa de câncer de fígado e não se previne, diz estudo

13/10/2021 18h03

São Paulo, 13 out (EFE).- Um estudo realizado pelo Instituto Datafolha e divulgado recentemente revelou que 63% dos brasileiros associam o desenvolvimento da doença ao alcoolismo ou ao consumo excessivo de álcool, e 47% ao tabagismo, quando as principais causas são a cirrose e as hepatites B e C.

Além disso, a pesquisa encomendada pelo Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig), vinculado à Sociedade Brasileira de Hepatologia, apontou que 56% dos 1.995 entrevistados nunca fizeram qualquer tipo de exame para avaliar a saúde do maior órgão maciço do corpo humano, o que revela um baixo compromisso da população com a prevenção, principalmente, devido à falta de sintomas.

Um cenário preocupante que marca o lançamento, nesta quarta-feira, de uma campanha mundial para o combate ao câncer de fígado.

O estudo, que apresenta uma margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos, dentro do nível de confiança de 95%, também indicou que cerca de dois em cada três brasileiros maiores de 18 anos tomaram a vacina contra hepatite B, e que 48% da população fez o exame, porcentagem que cai para 40% no caso da hepatite C - para a qual não há vacina.

Com o objetivo de investigar os conhecimentos da população brasileira a respeito de doenças hepáticas e hábitos de saúde como vacinação e testes para hepatites, a pesquisa, realizada entre 8 e 15 de setembro deste ano com pessoas de 129 municípios de todo o Brasil, também mostrou que aqueles com maior escolaridade e classificação econômica se cuidam mais.

DESINFORMAÇÃO E DIAGNÓSTICO TARDIO.

Além da desinformação, outro fator que preocupa é o fato de as doenças que acometem a maior glândula do corpo humano são muito silenciosas, o que leva a diagnósticos em estágios mais avançados tanto da cirrose quanto do hepatocarcinoma, responsável por mais de 80% dos tumores primários de fígado, segundo dados do Ibrafig.

Nesse sentido, o presidente do instituto, Paulo Bittencourt, destacou, em entrevista à Agência Efe, a importância de dismistificar a ideia de que o sexto câncer mais comum do mundo, e terceiro em mortalidade - sobretudo devido ao diagnóstico tardio - "é coisa de quem bebe e de quem fuma".

"Acreditamos que temos entre 5.000 e 8.000 novos casos de câncer de fígado por ano no Brasil (...), mas muita gente não está mais fumando nem bebendo tanto no país. A frequência de consumo abusivo de álcool é de apenas 18,8%. Mesmo assim, quem não bebe acha que não corre riscos, mas a gordura no fígado e as hepatites B e C são fatores mais importantes do que o álcool", explicou o especialista.

De acordo com dados do Ibrafig, cerca de 90% dos pacientes com hepatocarcinoma apresentam cirrose, doença grave associada às hepatites B ou C (principal causa), ao alcoolismo ou à gordura no fígado.

Segundo um estudo baseado em dados do Sistema Único de Saúde (SUS) publicado em 2020 pela revista especializada "Journal of Gastrointestinal Cancer", 28.822 pessoas no Brasil foram diagnosticadas com hepatocarcinoma entre julho de 2011 e junho de 2016, 76% delas em fase tardia.

Além disso, 67% das pessoas que não sabiam que tinham cirrose também foram diagnosticadas em fase terminal, número que cai para 21% entre aquelas que sabiam que eram portadoras da doença.

Por isso, o instituto brasileiro se somou à força-tarefa global para a eliminação das hepatites virais até 2030, pactuada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e o governo brasileiro, e se juntou também a campanhas públicas de conscientização sobre câncer de fígado, integrando desde 2021 a International Liver Cancer Network, rede global que lançou a campanha de combate ao hepatocarcinoma nesta quarta-feira.

"É uma problema que não é só nosso, fazemos parte de uma coalizão de mais de 40 instituições mundo afora, mas no Brasil ele se reveste de uma gravidade maior, com uma taxa muito alta de pessoas com diagnóstico de câncer primário de fígado em estágio D, no qual o tratamento curativo inexiste, e a taxa de sobrevida média é de apenas 3 meses. Isso é muito duro", lamentou o hepatologista.

ACESSO A TRATAMENTOS E O PREÇO DA FALTA DE PREVENÇÃO.

Outra questão levantada pelo presidente do Ibrafig foi a dificuldade do acesso a tratamentos, principalmente para aqueles com menor poder aquisitivo e que dependem do sistema público de saúde.

"A jornada no SUS é árdua para conseguir realizar o diagnóstico de cirrose ou câncer e para fazer o tratamento", afirmou Bittencourt, que lembrou que muitas vezes é excedido o período de 30 dias para a obtenção de diagnóstico de câncer e de 60 dias para o início do tratamento, apesar de serem prazos determinados por lei.

"Apesar disso, temos uma rede gigantesca que funciona para atenção primária e podemos orientar a população. É muito simples do ponto de vista teórico, mas é um grande desafio", reconheceu o médico, que ressaltou que o câncer de fígado é a principal causa dos transplantes desse órgão no Brasil (30%).

Diante desse cenário, Bittencourt defendeu a prevenção como principal ferramenta disponível para mudar o contexto atual, pelo qual o Brasil paga um alto preço, tanto em número de vidas quanto financeiro, já que tanto os tratamentos que aumentam a expectativa de vida dos pacientes quanto a realização de transplantes apresentam custos extremamente elevados.

"O Brasil é o segundo país do mundo em número de transplantes de fígado, e isso é muito mais caro do que um teste de hepatite ou uma intervenção de conscientização sobre fatores e hábitos de risco", detalhou Bittencourt.

"Essa é uma questão cultural que a gente precisa mudar, porque a medicina está mudando, adotando uma estratégia mais inteligente que prioriza a prevenção, porque é melhor investir em ter uma vida mais saudável do que em tratamentos", concluiu.