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Me engana que eu gosto: leis de fake news praticamente não terão utilidade

Taís Gasparian

Especial para o UOL

13/03/2018 06h01

Na semana passada foi publicado um estudo na Revista Science que analisou o modo de propagação de informação na Internet. Pesquisadores do MIT (Massachusets Institute of Technology, nos EUA) trilharam o caminho de mais de 126 mil notícias falsas no Twitter e acabaram concluindo que notícias falsas agradam muito mais, e são muito mais disseminadas, que notícias por assim dizer verdadeiras. Descobriram que notícias falsas foram retuitadas 70% mais do que as verdadeiras.

Quais os fatores que contribuiriam para isso? Quase nenhuma surpresa se a resposta disser respeito à natureza sensacionalista das notícias falsas. Um mapeamento das emoções suscitadas por algumas palavras chave aponta que as notícias falsas evocam emoções como forte surpresa e, muitas vezes, repugnância. As verdadeiras, pelo contrário, são mornas, mais previsíveis, dizem respeito à rotina, e podem, é claro, alegrar ou entristecer, mas sem grandes picos.

Evidente que, se a emoção é um fator que contribui fortemente para a viralização de uma informação falsa, o comportamento humano tem forte participação.

Diferentemente do que se supunha até então, no sentido de que os bots, ou seja, contas automatizadas que simulam pessoas reais, eram os grandes responsáveis pela disseminação de informações falsas, agora as conclusões apontam que são mesmo as pessoas que tratam de espalhar a mentira. Os bots aceleram a disseminação de um modo jamais visto, e isso é fato. Basta lembrar que uma companhia americana, especialista em criar e vender perfis falsos em mídias sociais, é dona de ao menos 3,5 milhões de contas automatizadas.

De um modo ou de outro, trata-se de um problema global, que faz da desinformação uma estratégia de negócio. Há muito dinheiro e tecnologia de ponta envolvidos nesse novo business. Não será, portanto, uma medida formal que irá impedir que esse novo negócio continue se desenvolvendo.

Com a proximidade das eleições, muitas ideias surgiram. Grande parte delas, infelizmente, traduziram-se em iniciativas de leis – que praticamente nenhuma utilidade prática terão. Considerando que o fenômeno das "fake  news" tem ramificações em diversos países, certamente que uma lei local não vai sequer encaminhar a questão.  A começar pela Jurisdição. Nas eleições norte-americanas de 2016, mais de 100 sites que divulgaram notícias falsas para favorecer Trump operavam da Macedônia, nos Bálcãs. Qual o alcance que uma determinação judicial ou mesmo policial, proferida no Brasil, poderia ter nesse cenário? Ainda que tivesse, quanto tempo demoraria para surtir efeito? O período eleitoral está significativamente reduzido. São 45 dias de propaganda eleitoral. Qualquer atitude tem que ser eficiente nesse curto intervalo.

Outra ponderação a ser feita diz respeito ao significado de notícia falsa. Uma informação pode ser falsa aos olhos de uns e verdadeira do ponto de vista de outros. Quem vai determinar o que é falso? Um site humorístico, ao divulgar uma brincadeira, poderia ser enquadrado como originador de mentira? Informações erradas são, necessariamente, fake news? Uma das iniciativas que tramita no Congresso comina multa de R$ 50 milhões aos que divulgarem informações “prejudicialmente incompletas” em detrimento de pessoas físicas. O grau de subjetividade é imenso, e disso certamente pode advir decisões completamente equivocadas e de natureza censória.

Estratégias manipuladoras não são novidade. O novo filme de Spielberg tratou da revelação trazida pelos papéis do Pentágono no início da década de 70 – que, aliás, já haviam sido objeto de reflexões por Hannah  Arendt muito tempo antes – justamente mostrando o viés político da mentira e sua influência na sociedade.

Existem algoritmos que detectam a velocidade com que um compartilhamento é reproduzido. A partir desse dado pode-se chegar à informação divulgada, checar sua veracidade e rapidamente desmenti-la, quando falsa. O que mais importa, em períodos de tensão aguda, é neutralizar os efeitos nocivos. Com o tempo pode-se buscar a origem e os responsáveis. Mas a situação exige ação eficiente e rápida. Na França, em 2017, um grupo de trabalho formado por 67 veículos, plataformas digitais e redes sociais juntaram-se em uma iniciativa chamada CrossCheck (https://crosscheck.firstdraftnews.org/france-fr/) e conseguiram, a partir de um padrão de checagem de informações, impedir que as falsas influenciassem a eleição.

No Brasil, o Projeto Credibilidade (https://www.manualdacredibilidade.com.br/), em colaboração com o First Draft (https://firstdraftnews.org/) e com o Trust Project (https://thetrustproject.org/), está empenhado em combater a desinformação que atinge o país. A boa notícia, então, é que não será necessário inventar a roda.

TAÍS GASPARIAN, 52, mestre pela Faculdade de Direito da USP, é sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian - Advogados.