Reuniões, áudios e depoimentos: os elos de Bolsonaro com tentativa de golpe
O STF (Supremo Tribunal Federal) não retirou, até o momento, o sigilo do relatório da Polícia Federal que indiciou Jair Bolsonaro (PL) por suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. Desde o ano passado, porém, a PF já revelou uma série de indícios que apontam o envolvimento do ex-presidente.
O que aconteceu
A PF coletou áudios, vídeos, depoimentos e outros elementos sobre a atuação de Bolsonaro. As evidências apontam que ele liderou ataques ao sistema eleitoral e, após a derrota, pediu e aprovou mudanças em propostas de decreto para mantê-lo no poder, envolveu ministros e auxiliares nesse planejamento e autorizou militares a tentar uma ação golpista até 31 de dezembro de 2022, quando o governo dele terminaria.
Bolsonaro e mais 36 pessoas foram indiciados na última quinta-feira (21). A PF aponta que o grupo cometeu os crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. A PGR (Procuradoria-Geral da República) vai analisar o relatório da PF e decidir se apresenta ou não uma denúncia contra eles ao STF, o que só deve ocorrer no ano que vem.
Novos indícios vieram à tona na última terça (19). Segundo a PF, pelo menos quatro militares e um policial federal planejaram matar o ministro do STF Alexandre de Moraes, o presidente Lula (PT) e o vice Geraldo Alckmin (PSB). A operação que prendeu os cinco suspeitos apontou que esse plano foi impresso e levado duas vezes para onde Bolsonaro estava, em Brasília.
A operação também acrescentou indícios contra militares. O general da reserva Mario Fernandes, que chegou a ser ministro interino da Secretaria-Geral da Presidência, tinha um plano pronto para o governo que assumiria o país quando Lula fosse tirado do poder. Segundo o documento, esse "gabinete de gestão da crise" seria comandado pelos ex-ministros militares Walter Braga Netto e Augusto Heleno, que foram indiciados.
A PF afirma que Bolsonaro teve reuniões com ministros e comandantes militares para tratar de minutas golpistas. Os documentos eram rascunhos de decretos que ele assinaria para reverter o desfecho das eleições por meio de medidas de exceção, como estado de defesa e estado de sítio, ou a prisão de Moraes e de outras autoridades.
Bolsonaro nega ter tentado um golpe de Estado. O ex-presidente tem afirmado que não propôs nenhuma ruptura democrática porque as minutas tinham base na Constituição e precisariam de aval do Congresso. Bolsonaro também negou, na última sexta (22), ter discutido qualquer plano para matar autoridades.
Ataques às urnas
A PF aponta que Bolsonaro incitou a cúpula de seu governo a atacar o sistema eleitoral. O coronel Mauro Cid, que era ajudante de ordens da Presidência e fechou um acordo de delação, revelou aos investigadores o vídeo de uma reunião de 5 de julho de 2022. Dos 23 ministros à época, 22 estavam no encontro.
Bolsonaro cobrou que todos os ministros endossassem o discurso de fraude nas urnas. Ele sugeriu que teria 70% dos votos devido à aprovação da PEC dos Auxílios, que liberou R$ 41 bilhões em benefícios a poucas semanas das eleições, mas que perderia nas urnas por manipulação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). "Daqui para frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar. Se o ministro não quiser falar, ele vai vir falar para mim por que que ele não quer falar", ordenou.
Na mesma reunião, Augusto Heleno disse que o governo deveria "agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas" antes das eleições. Segundo o general, que comandava o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), qualquer ação contra os opositores não funcionaria após o resultado das urnas. "Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições".
As minutas do golpe
A PF já descobriu pelo menos três versões de minuta golpista. Uma delas foi apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em janeiro de 2023, e as outras duas foram reveladas à PF por Cid, em delação.
Depoimentos apontam que o assunto foi discutido com Bolsonaro. O general Marco Antonio Freire Gomes, à época comandante do Exército, disse à PF que tratou do assunto com o ex-presidente em uma reunião no Palácio da Alvorada com Paulo Sergio Nogueira, ex-ministro da Defesa, Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, e Filipe Martins, ex-assessor de assuntos internacionais da Presidência.
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Quero receberUma das minutas propunha decretação de estado de defesa no TSE. O documento estabelecia a medida "com o objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral". Segundo a Constituição, o estado de defesa permite ao governo restringir direitos de reunião e quebrar sigilos de correspondência e de comunicações.
Outro documento previa decretar estado de sítio e operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem). O estado de sítio, que é uma medida alternativa e mais grave que o estado de defesa, pode ser decretado pelo prazo de 30 dias, segundo a Constituição, em caso de guerra ou "comoção grave de repercussão nacional". O estado de sítio permite não apenas a violação de comunicações, mas também detenções, requisições de bens, intervenções em empresas públicas e suspensão do direito de reunião.
O terceiro documento, que Cid revelou à PF, pedia a prisão de autoridades: de Moraes, do ministro do STF Gilmar Mendes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Segundo a PF, Bolsonaro pediu e aprovou alterações no documento a Filipe Martins, em reuniões que teriam ocorrido na sede de campanha do PL em Brasília.
Os planos para matar autoridades
A PF aponta que um plano para matar Lula, Alckmin e Moraes foi levado duas vezes para onde Bolsonaro estava. O general Mario Fernandes, que imprimiu o documento nas duas ocasiões, trabalhava na Secretaria-Geral da Presidência e teve pelo menos uma conversa com Bolsonaro em dezembro de 2022, segundo indicam as investigações.
Fernandes imprimiu os documentos no Palácio do Planalto, onde trabalhava. Na primeira ocasião, em 9 de novembro de 2022, a PF afirma que ele imprimiu o plano no Planalto e foi até o Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência.
Na segunda vez, o plano foi impresso no Planalto minutos após Bolsonaro chegar ao prédio. No dia 6 de dezembro, os militares Mauro Cid e Rafael Oliveira monitoraram o trajeto do então presidente por Brasília. Às 17h56, eles foram avisados que Bolsonaro havia chegado ao Planalto e, às 18h09, o plano foi impresso na sala de Mario Fernandes.
Até o momento, não foi revelada prova de que Bolsonaro tenha sido informado do plano ou dado aval a ele. Mario Fernandes e Rafael Oliveira, presos na última terça (19), ficaram em silêncio em depoimento à PF em fevereiro deste ano, quando foram alvos de busca e apreensão.
Bolsonaro afirma que nunca soube do plano. Em entrevista à revista Veja, na última sexta (22), ele disse que jamais teve qualquer discussão sobre o assunto. "Lá na Presidência, havia mais ou menos 3.000 pessoas naquele prédio. Se um cara bola um negócio qualquer, o que eu tenho a ver com isso? Discutir comigo um plano para matar alguém, isso nunca aconteceu".
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