Caminhoneiros mantêm protestos apesar de acordo; governo usará forças federais para liberar rodovias
Por Leonardo Goy e José Roberto Gomes
BRASÍLIA/SÃO PAULO (Reuters) - Os protestos de caminhoneiros contra a alta do diesel continuavam por todo Brasil nesta sexta-feira, apesar de anúncio na véspera de um acordo entre a categoria e o governo federal, e o presidente Michel Temer anunciou o uso de forças federais para desobstruir rodovias, afirmando que os manifestantes "não têm o direito" de parar o país.
A decisão de recorrer às forças federais foi tomada em uma reunião no Palácio do Planalto da qual participam o presidente e ministros, no quinto dia de um paralisação que tem levado ao desabastecimento em várias cidades e afetado a produção em diversos setores da economia.
"Quem bloqueia estradas, quem age de maneira radical, está prejudicando a população e, saliento, será responsabilizado. Vamos garantir a livre circulação, vamos garantir o abastecimento", disse Temer em pronunciamento no Palácio do Planalto, ao anunciar que acionou um plano de segurança que inclui o uso de tropas federais.
Após o anúncio de Temer, a Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para o desbloqueio imediato de estradas, pedindo autorização para o uso da Polícia Rodoviária Federal, da Força Nacional e das polícias militares para liberar a passagem nas rodovias e acostamentos. [L2N1SW1EF]
Os protestos continuavam nesta sexta-feira mesmo após o governo e representantes da categoria anunciarem na noite de quinta, após sete horas de reunião, um acordo que prevê o congelamento do preço do diesel nos níveis anunciados pela Petrobras nesta semana por 30 dias.
Em troca, os representantes dos caminhoneiros consultariam a categoria para suspender a greve por 15 dias.
De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o Rio Grande do Sul lidera no número de bloqueios em rodovias, com o Paraná logo na sequência, à frente de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Na Via Dutra, principal eixo de ligação entre São Paulo e Rio de Janeiro, havia ao menos quatro pontos de interdição.
Devido aos problemas de abastecimento gerados pela greve, a Prefeitura de São Paulo decidiu decretar estado de emergência na cidade, enquanto no Rio de Janeiro praticamente não há mais combustíveis nos postos. A escassez fez com que o tráfego em grandes cidades fosse reduzido significativamente no horário de pico da manhã desta sexta.
"Acabou aqui, e sem perspectiva de voltar", disse um frentista em um posto da zona sul da capital fluminense. Em alguns mercados faltam produtos alimentícios como frutas, hortaliças e legumes, e o sindicato dos bares e restaurantes alertou para falta de produtos nos cardápios. Alguns estabelecimentos disseram que podem fechar as portas no fim de semana.
Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), 61 por cento do transporte de carga do país é feito por rodovia, e a frota brasileira é de 1,77 milhão de caminhões.
PORTOS E AEROPORTOS
Os protestos também voltaram a afetar diversos portos do país, incluindo o de Santos (SP), o maior e mais importante do Brasil. De acordo com a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), o fluxo de caminhões no local praticamente não está ocorrendo e verifica-se redução nas operações de recepção e entrega de mercadorias pelos terminais, embora as operações de carga e descarga de navios continuem a ser realizadas.
No porto de Paranaguá (PR), a última atualização é de que os protestos reduziram em 27 por cento o movimento normal de cargas para esta época do ano. O terminal registrou uma queda nas exportações de granéis, ao passo que a importação de fertilizantes foi interrompida em berços de atracação em que o transporte da carga é feito por caminhões.
Além dos portos, a falta de combustíveis resultante da paralisação está afetando aeroportos, com empresas aéreas cancelando voos e adotando medidas como liberar a remarcação de passagens sem custos para os clientes.
O aeroporto de Brasília ficou sem as reservas de querosene de aviação nesta manhã, de forma que as aeronaves que pousarem no terminal e que necessitarem de abastecimento ficarão em solo até que o fornecimento no aeroporto seja normalizado.
As montadoras de veículos foram forçadas a interromper a produção a partir desta sexta por causa do impacto da greve dos caminhoneiros, segundo a associação que representa o setor, Anfavea, o que pode pesar sobre um dos poucos setores a apresentar recuperação vigorosa neste ano em meio a um desempenho fraco da economia.
Empresas varejistas sentirão o impacto da greve de caminhoneiros por cerca de dois meses, com muitas reclamações de consumidores por atrasos em entregas, segundo diretor-executivo do Reclame Aqui, Edu Neves, e outras grandes empresas, como Votorantim Cimentos, a maior fábrica de cimentos do país, disseram estar com dificuldades e que podem parar atividades durante o fim de semana.
Os protestos têm levantado ainda temores quanto ao risco sanitário no país, à medida que o fornecimento de rações e o transporte de animais e cargas refrigeradas estão comprometidos pelas manifestações.
"PERMANEÇAM FIRMES"
Apesar do anúncio do acordo, representantes dos caminhoneiros disseram que têm demandas ainda não atendidas pelo governo. A Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), uma das principais associações por trás do movimento, reiterou que segue "firme" em seu pedido de isenção da alíquota PIS/Cofins sobre o diesel e que somente irá desmobilizar quando a medida for publicada no Diário Oficial da União, depois de ser votada e aprovada no Congresso.
A Abcam afirmou em uma nota que "repudia" o acordo fechado entre o governo e outras entidades do setor de transporte rodoviário, e disse que deixará para os caminhoneiros a decisão sobre encerrar as manifestações.
"Se eles acham que a proposta apresentada pelo governo é justa, que voltem para suas casas. Mas se consideram que o governo não atendeu às suas necessidades, que permaneçam firmes", afirmou a Abcam no comunicado.
Segundo outra associação de caminhoneiros, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), as entidades presentes nas negociações com o governo "jamais aceitaram as pressões para suspender a paralisação", e caberá a cada grupo manifestante decidir se suspende ou não o movimento.
O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que o governo cumprirá o acordo à medida que houver a contrapartida por parte da categoria, e acrescentou que confia no fim do movimento apesar da manutenção da paralisação.
De acordo com o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, o governo investigará se houve locaute, quando empresários impedem funcionários de trabalharem, na paralisação dos caminhoneiros.
"Nós temos indícios de que existe uma aliança, um acordo, entre os caminhoneiros autônomos, as distribuidoras e as transportadoras", disse Jungmann. "Isso é grave, porque isso apresenta indícios de locaute, evidentemente que nós estamos verificando isso, porque locaute é ilegal", acrescentou.
(Reportagem adicional de Eduardo Simões, Alberto Alerigi Jr. e Flávia Bohone, em São Paulo; Maria Carolina Marcello, em Brasília, e Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro; Texto de Pedro Fonseca)
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