Toffoli anula provas de leniência da Odebrecht e diz que prisão de Lula foi "armação"

Por Ricardo Brito

BRASÍLIA (Reuters) - O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou nesta quarta-feira todas as provas e atos decorrentes do acordo de leniência firmado pela extinta força-tarefa da operação Lava Jato com a Odebrecht e disse que a prisão do agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi uma "armação" e um dos maiores erros judiciários da história do país.

Em uma dura decisão individual, Toffoli atendeu a pedido da defesa de Lula para suspender qualquer tipo de repercussão do acordo de leniência da Odebrecht e de ações que envolvem a empreiteira pela Lava Jato relacionadas ao petista.

O magistrado, em uma decisão de 135 páginas, tomou como base diálogos revelados pela operação Spoofing, nas quais se apontou um conluio entre o então juiz da Lava Jato e atual senador Sergio Moro (União-PR) com procuradores da operação em Curitiba.

Essas mensagens foram obtidas pelo hacker Walter Delgatti e posteriormente publicadas em reportagens do Intercept Brasil, dando origem ao que se chamou de Vaza Jato. Elas levaram à anulação de condenações de Lula, devolvendo ao petista o direito de disputar eleições, o que permitiu que concorresse em 2022 e fosse eleito novamente presidente. Ele havia deixado a prisão anteriormente, quando o STF mudou seu entendimento sobre prisão após condenação em segunda instância.

"Pela gravidade das situações estarrecedoras postas nestes autos, somadas a outras tantas decisões exaradas pelo STF e também tornadas públicas e notórias, já seria possível, simplesmente, concluir que a prisão do reclamante, Luiz Inácio Lula da Silva, até poder-se-ia chamar de um dos maiores erros judiciários da história do país", disse Toffoli.

"Tratou-se de uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem (contra a lei)", reforçou o ministro do STF.

O recurso de Lula julgado por Dias Toffoli, indicado pelo petista ao Supremo em 2009, foi apresentado pelo ex-advogado de Lula e hoje ministro do STF Cristiano Zanin, também indicado pelo petista a uma cadeia na Suprema Corte.

Toffoli destacou ainda que, "sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF".

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"Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos", frisou.

O ministro salientou ainda que os agentes não respeitaram o devido processo legal, subverteram provas, agiram com parcialidade e fora da competência, e, em última análise, "não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos".

"Valeram-se, como já disse em julgamento da Segunda Turma, de uma verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do Século 21, para obter 'provas' contra inocentes", ressaltou.

No início da tarde, em postagem na rede social X, anteriormente conhecida como Twitter, Moro defendeu a atuação da Lava Jato, embora não tenha comentado o conteúdo da decisão de Toffoli.

"A corrupção nos governos do PT foi real, criminosos confessaram e mais de seis bilhões de reais foram recuperados para a Petrobras. Esse foi o trabalho da Lava Jato, dentro da lei, com as decisões confirmadas durante anos pelos Tribunais Superiores", disse.

"Os brasileiros viram, apoiaram e conhecem a verdade. Respeitamos as instituições e toda a nossa ação foi legal. Lutaremos, no Senado, pelo direito à verdade, pela integridade e pela democracia. Sempre!", afirmou.

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FUNDAMENTO

Um dos principais fundamentos apontados por Toffoli em sua decisão foi o fato de que a cooperação internacional para se fechar o acordo da Odebrecht não passou pelos canais legais, que seria o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), vinculado ao Ministério da Justiça.

O ministro do Supremo determinou ainda a uma série de autoridades como a Procuradoria-Geral da República, Advocacia-Geral da União (AGU), entre outras instituições, para apurar responsabilidades pelo uso desse tipo de acordo para punir pessoas.

Em comunicado, a AGU disse que vai criar uma força-tarefa para apurar desvios de agentes públicos e promover reparações de danos causados pela Vara Federal de Curitiba responsável pela Lava Jato e também os membros do Ministério Público Federal (MPF) contra Lula no âmbito da operação.

Segundo o advogado-geral da União, Jorge Messias, será dado cumprimento à decisão e “uma vez reconhecido os danos causados, os desvios funcionais serão apurados, tudo nos exatos termos do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal”.

"Após a devida apuração, poderão ser cobrados dos agentes públicos, em ação regressiva, o ressarcimento à União relativo às indenizações pagas, sem prejuízo da oportuna apuração de danos causados diretamente à União pelas condutas desses agentes", explicou.

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O ministro da Justiça, Flávio Dino, também foi às redes sociais dizer que a decisão de Toffoli tem dois alcances: o de reafirmar a inocência de Lula, indevidamente julgado sem o devido processo legal; e outro de natureza política porque fica o registro dos absurdos perpetrados em uma "página trevosa" da história.

"Quando o Ministério da Justiça receber oficialmente a decisão, enviarei à Polícia Federal para cumprimento da determinação de apuração de responsabilidade criminal de agentes públicos", afirmou na rede social X.

Na prática, a decisão de Toffoli poderá levar a outras anulações de penas e punições que tiveram como base questões referentes ao acordo da Odebrecht.

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