Cuidado com os robôs: eles estão ativos nas redes sociais e querem ganhar o seu voto no grito
Da enviada especial ao Rio de Janeiro
Levantamentos feitos pela Sala da Democracia Digital (#observa2018), projeto da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP) que monitora as trocas no Twitter, Instagram e Facebook, não deixam dúvida: os debates sobre questões de gênero ganharam grande importância nessas eleições.
A facada sofrida pelo candidato da extrema direita foi um divisor de águas. “Tem uma campanha antes do ataque e outra depois”, constata o sociólogo Amaro Grassi, coordenador do projeto #observa2018. Além dos comentários questionando a veracidade da agressão e as mensagens de apoiadores, emergiu uma discussão sobre as políticas de segurança pública, como a flexibilização do Estatuto do Desarmamento e a liberação do porte de armas para civis, proposta defendida por Bolsonaro e João Amôedo, do partido Novo. Após a agressão em Juiz de Fora, muitas pessoas criticaram discursos de apologia à violência e lembraram casos como o da ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em março passado.
Em entrevista à RFI, Grassi conta como as redes estão reagindo à campanha.
RFI – Além dos políticos, algum tema domina o bate-papo ou o bate-boca nas redes?
Amaro Grassi – A hashtag #EleNão, criada por mulheres pregando um voto útil contra Bolsonaro por seu discurso misógino, tem gerado discussão com simpatizantes do candidato do PSL, que tentam desconstruir a imagem de um homem machista. A segurança pública, que foi amplificada pelo atentado a Bolsonaro, é também um tema de intensa discussão. Muita pessoas comentaram que, em vez de uma faca, o ataque poderia ter sido praticado com uma arma. Em geral, as redes sociais têm respondido ao noticiário da campanha.
RFI – Quem tem discurso mais agressivo, dá para saber? Homens ou mulheres?
AM – Limitações das plataformas impedem recortes para saber quem está falando, mas pela temática dá para entender quem está comentando um assunto. Não é de hoje que o eleitorado feminino vem crescendo, isto é muito forte, e agora a gente viu que se tornou um tema central. Eu não saberia dizer quem é mais agressivo ou não, porque a campanha toda está muito acirrada, pelo menos entre os dois polos tradicionais.
Os discursos acabam se estruturando muito em termos de apoio ao seu candidato e de oposição muito forte ao seu adversário. O antipetismo e o antibolsonarismo acirram muito os ânimos, geram um clima muito polarizado que não contribui para um debate mais programático. No caso mais recente, do ataque à página Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, no Facebook, o ciberataque comporta em si uma radicalização, uma certa agressividade, que também pode ser observada em outros campos políticos, não é uma exclusividade dos apoiadores de Bolsonaro.
RFI – Como estão atuando os robôs nesta campanha, os perfis falsos programados para influenciar as discussões?
AM – A presença de perfis automatizados está muito ligada à questão da polarização e da radicalização. Os perfis falsos começaram a crescer depois da oficialização de Haddad, na segunda semana de setembro, porque eles são tão mais presentes quanto mais claramente definida é a posição do polo político. A presença dos robôs cresce no momento em que se acirra a discussão, porque os lados querem ganhar no grito. Os robôs fazem um hashtag subir nas redes, provocando uma reação dos apoiadores, que irão dizer que aquela hashtag reflete um apoio da população àquela questão específica. Fica um debate de quem fala mais alto e aí os recursos utilizados para isso são os mais diversos. Isso tem uma relação direta com a radicalização, porque de certa forma essa lógica de oposição radical captura o debate. Mesmo que alguns grupos queiram debater alguns assuntos com mais moderação, com mais aprofundamento, esta intenção acaba sendo apagada. É como se algumas pessoas tentassem conversar, mas fossem impedidas por dois grupos gritando no mesmo ambiente. O debate é capturado por uma lógica de disputa mais acirrada.
RFI – O uso de robôs é proibido pela legislação eleitoral. As equipes das redes sociais têm fiscalizado e excluído esses perfis?
AM – Depois dos precedentes de tentativa de manipulação das eleições nos Estados Unidos e na França, o Facebook e o Twitter vêm adotando uma série de medidas para inibir a atuação dos robôs, proibidos por lei, mas as plataformas ainda pecam pela falta de transparência nas informações que nos permitam entender o que essas empresas estão fazendo. Fica na base de uma relação de confiança, porque eles informam o número de robôs desativados, mas desconhecemos os critérios adotados e o impacto que aqueles perfis falsos tiveram enquanto estiveram atuantes. Esta falta de transparência também abre espaço para um questionamento sobre a isenção dessas plataformas. Grupos mais à direita acusam as plataformas de perseguição, sem muita prova, mas só de abrir margem para esse tipo de discurso já é prejudicial em termos de debate público. Tudo isso vai tornando muito conturbado o processo e o entendimento do que se passa no debate eleitoral nas redes.
RFI – Dá para perceber se estamos conversando com um robô nas redes?
AM – Mesmo para quem está treinado, é praticamente impossível identificar um robô. Eles vão se aprimorando com muita velocidade. Mesmo as técnicas de identificação de robô precisam se renovar para conseguir acompanhar a complexidade que essas práticas vão adquirindo.
Torna-se muito difícil para um olho humano identificar isso com clareza. Mas se fala muito sobre isso. As pessoas estão ficando mais desconfiadas. Entra uma postagem que vai subindo muito rápido, elas vão olhar quantos seguidores tem aquele perfil, se ele foi criado há muito pouco tempo. Mas isso é prática de usuário assíduo. Para a maioria das pessoas, é difícil acompanhar a velocidade que esse tipo de processo adquire.
RFI – As redes estão inundadas de fake news, aqui e no exterior. Vocês checam a desinformação?
AM – O projeto da Sala da Democracia Digital é bastante pioneiro, mas logicamente também buscamos inspiração em referências fora do Brasil. A gente conhece experiências bem-sucedidas, e a França é um dos casos de coalizões de veículos de mídia que se uniram para combater notícias falsas e fazer checagens, isto está acontecendo no Brasil. Nosso principal objetivo é monitorar o debate público, mas compreendemos desde o início que era preciso ter proximidade com agências de checagem de notícias (fact-checking). A gente se depara o tempo todo com conteúdos suspeitos. A gente pega esses conteúdos e passa a uma agência parceira, no caso a Lupa, para fazer uma checagem. A Lupa, por sua vez, quando vê um conteúdo se disseminando muito, nos procura para medir o alcance, ver o impacto que aquela notícia falsa teve.
RFI – As pessoas se interessam de fato em saber se um post que receberam é verdadeiro ou fabricado?
AM – As pessoas não vão ativamente checar uma informação. Mas o fato de uma informação ter sido checada, acaba, em primeiro lugar, muitas vezes coibindo a proliferação daquele conteúdo e ele termina, indiretamente, chegando a um público mais amplo, porque é compartilhado pela pessoa e pelos grupos que têm interesse em conter aquela informação falsa. O fact-checking qualifica a informação que circula na rede.
RFI – Já é possível dimensionar o peso das redes sociais em relação a outras mídias nesta eleição?
AM – Esta é a grande questão desta eleição, pelo menos uma das principais. Havia dúvidas se as redes ou a televisão teriam maior impacto. É muito difícil separar as duas coisas de forma direta. Os principais momentos nas redes se deram a partir de momentos na televisão, sejam debates ou sabatinas nos telejornais.
Os vídeos mais visualizados no Youtube sobre os candidatos são vídeos que replicam os conteúdos da televisão. A TV ainda tem uma influência muito grande sobre a rede. Só que, por outro lado, a campanha tradicional da televisão e os programas eleitorais gratuitos não estão surtindo os efeitos que costumavam ter. O candidato que mais tempo tem na TV, Geraldo Alckmin, não está conseguindo subir nas pesquisas, e o candidato líder nas pesquisas é um concorrente que quase não tem tempo de televisão, que estrutura toda a campanha dele nas redes sociais. E não é só Facebook e Twitter, são também os grupos de Whatsapp, essas redes mais fechadas por onde circula muita informação.
Eu acho que não há dúvida de que esta é a eleição com maior impacto das redes sociais, isto já está mais do que comprovado e é muito provável que seja decisivo no resultado da votação. Mas também não dá para dizer que a TV não tenha importância, porque os fatos políticos respondem muito aos eventos televisivos.
RFI – Vocês estão atentos a uma eventual interferência externa?
AM – No início do ano publicamos uma análise ainda sobre a eleição de 2014 sobre as redes de robôs com diversos indícios de que foram criados na Rússia. Agora, isso não quer dizer que era a Rússia tentando influenciar as eleições brasileiras. Muito provavelmente eram atores brasileiros, grupos do Brasil, comprando serviços fora daqui para poder ativar esses robôs e influenciar os debates dentro Brasil. Isto a gente vê: perfis que atuam em outros países da América do Sul, da América Latina, perfis que atuam em países mais distantes, como a Rússia, por exemplo, mas não dá para afirmar que temos indícios muito claros de interesse de interferência politicamente orientada de atores de fora. Embora não possamos de forma alguma descartar esta possibilidade. O Brasil é um país que tem uma dimensão continental, uma economia gigantesca, uma população enorme, uma série de interesses que estão colocados e podem levar países a interferir. Mas, por enquanto, não tem nenhum episódio explícito nesse sentido. Na eleição americana, muita coisa se soube só posteriormente. A gente espera que isso não aconteça aqui. Temos ficado bastante atentos em relação a isso.
RFI – As redes são hoje o meio mais barato e eficaz para fazer campanha política?
AM – O custo para esse tipo de atividade é muito baixo. Tecnicamente ele é simples e financeiramente ele é barato, por isso prolifera tanto e é tão utilizado hoje em dia. Vamos ter de nos acostumar a enfrentar esta realidade, porque é próprio do momento e da sociedade digitalizada, da sociedade em rede na qual a gente vive agora e que vamos continuar convivendo daqui para a frente.
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