Choque cultural de europeus com o Brasil é tema de leituras em Paris
"La découverte de l'autre", (A descoberta do outro, em português) é um evento que apresenta, na Casa da América Latina de Paris, nesta terça-feira (29), um conjunto de textos escritos no século XVI que relatam as impressões e as experiências dos europeus que desembarcaram no Brasil.
“La découverte de l’autre”, (A descoberta do outro, em português) é um evento que apresenta, na Casa da América Latina de Paris, nesta terça-feira (29), um conjunto de textos escritos no século XVI que relatam as impressões e as experiências dos europeus que desembarcaram no Brasil.
A coletânea foi selecionada pelo escritor e poeta Maurício Vieira a partir de leituras da obras de Jean de Léry, chamado por Claude Lévy-Strauss de primeiro etnógrafo do Brasil. Léry foi um pastor protestante que se juntou à missão de Villegagon na chamada França Antártica, colônia fundada por franceses no Rio de Janeiro, entre 1955 e 1960.
Em uma das passagens que mais o emocionou, o poeta paulista cita o trecho em que um idoso indígena pergunta ao francês Jean de Léry a razão pela qual ele viajou tão longe para buscar madeira. “'Não tem madeira onde vocês moram? O que vocês fazem com ela?' Só o fato de Jean de Léry ter dado voz a esse questionamento eu achei fantástico”, ressaltou Maurício, impressionado pela capacidade e tentativa do francês de tentar dar voz ao “outro”.
Este foi o ponto de partida para seu projeto. Sua preocupação, disse na entrevista à RFI, foi de encontrar textos que dessem coerência ao propósito de mostrar a abertura e a curiosidade pelo “outro” da parte de um estrangeiro.
De escrivão a mercenário
Na busca por coerência, o escritor paulista definiu que o espetáculo deveria começar com a carta do escrivão Pero Vaz de Caminha, responsável pelo “primeiro registro da chegada e a primeira impressão do choque cultural entre os europeus e o povo autoctone, os indígenas, que, aliás, é patrimônio da Unesco”, lembra.
O roteiro literário tem na sequência passagens de cartas do padre jesuíta Manoel da Nóbrega e do aventureiro alemão Hans Staden, enviado pelos portugueses e que foi prisioneiro dos índios Tupinambás.
Para concluir, ensaios de Michel de Montaigne, filósofo e diplomata francês considerado o precursor das ciências humanas e históricas do país. “Decidi fechar com o Michel Montaigne para dar uma gama não exaustiva, mas coerente de ‘ver o outro’”, justificou Mauricio.
Depois de uma primeira apresentação na Embaixada do Brasil, Mauricio e um grupo de escritores e artistas que fazem a leitura dos textos decidiram levar adiante a iniciativa. A dinâmica da sociedade contemporânea permite um novo fôlego ao estranhamento relatado cinco séculos atrás, de acordo com o escritor.
“Da mesma forma que aquela época foi de um grande choque cultural, e sabemos qual foi o olhar que prevaleceu e as consequências, para o dia de hoje acho importante esse debate e os diversos questionamentos das diversas maneiras de olhar. Porque, hoje em dia, também há um grande choque entre culturas, diferentes maneiras de olhar e, ao mesmo tempo, existe uma grande fragmentação social”, explica.
Segundo o escritor, essa fragmentação, também econômica e cultural, é resultado das variadas fontes de informação atuais, como as redes sociais, que dividem a atenção das pessoas.
“Por meio desses textos, cada um de nós vai poder refletir melhor sobre como é arbitrário e como é possível exercermos um senso crítico ao invés de somente uma desconfiança. Isso acontece hoje em dia pela perda da legitimidade e confiança nos grandes atores sociais que são os Estados, seus representantes e as empresas, devido ao que nós observamos hoje em dia e à falta de ética”, sustenta.
“Estamos perdendo a capacidade de ter senso crítico, buscando apenas desconfiança. Espero que a leitura desses textos possa fazer com que sejamos um pouco como Jean de Léry e ouvir o que o outro tem a dizer, mesmo que não concordemos com ele”, afirma.
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