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"Tinha 4% de vida", diz brasileiro que sobreviveu à Covid-19 na França

28/04/2020 12h44

O brasileiro Julio Cesar Marcílio, 39 anos, é instalador de esquadrias de alumínio e mora na França desde 2017. Ele tinha uma vida saudável e não fazia parte de qualquer grupo de risco, antes de ser infectado pelo novo coronavírus. Quando foi hospitalizado em 27 de março, "tinha 4% de vida", contou o mineiro ainda em recuperação da Covid-19.

Julio Cesar Marcílio falou à RFI pelo telefone de uma clínica de reabilitação em Choisy-le-Roi, subúrbio a 17 km de Paris, onde se recupera dos 20 dias que passou em coma, sendo 17 entubado, e quase um mês de internação. "Renasci de novo. Fiquei nas mãos dos médicos e nas mãos de Deus, que me deu uma nova chance. Eu já acreditava nele e agora é que acredito mesmo", afirma o mineiro, natural de Ipaba. Milagre é também outra palavra usada por ele. "Uni famílias que nunca tinham ajoelhado juntas para rezar por mim", diz.

O brasileiro começou a ter os sintomas da doença em fevereiro, no início da epidemia no país, mas achou que era "só uma gripezinha, como o homem falou", lembra, fazendo uma referência à fala do presidente Jair Bolsonaro. Julio perdeu o apetite, começou a tossir muito, ter muita febre e sentia o corpo fraco. Na farmácia, foi aconselhado a tomar paracetamol e vitamina C. Somente no dia 27 de março, quando estava se sentindo muito mal, procurou um médico. O profissional desconfiou que ele estava com a Covid-19, mas o mandou para casa com a recomendação que, se não melhorasse, voltasse a procurá-lo.

Quando chegou em casa em Champigny-sur-Marne, na região parisiense, o mineiro começou a ter falta de ar e ligou para o médico, que mandou uma ambulância buscá-lo. Julio foi internado no Hospital Saint-Camille, de Bry-sur-Marne, onde chegou "entre a vida e a morte" e "delirando". "Os médicos chegaram a pedir para preparar minha família para o pior", recorda. As irmãs, que moram em Portugal e nos Estados Unidos, e os pais, que residem em Minas Gerais, conseguiram ter notícias de Julio com a ajuda do Consulado do Brasil de Paris. Na França, o anjo da guarda do brasileiro foi seu patrão, que assumiu toda a responsabilidade por ele durante a internação.

Gravidade do caso

A gravidade do caso de Julio pôde ser avaliada em uma reportagem do canal de TV francês M6. As imagens mostram o brasileiro na UTI. O chefe do serviço de reanimação do hospital, Sergio Carrera, explica que o paciente, "um operário, não tinha nenhum problema de saúde antes de contrair o novo coronavírus". "Parece que não é só o vírus que ataca o organismo. Há algo que chamamos de 'tempestade de citocina', que é uma reação do corpo desproporcional, que cria estragos em vários órgãos, e em particular, no pulmão", disse o médico na reportagem. No vídeo, pode-se ouvir o médico comentando com uma enfermeira que o estado de saúde do paciente "não é nada bom".

O brasileiro completou seu 39° aniversário na UTI, no dia 8 de abril. Ele saiu do coma em 16 de abril. Acordou um pouco atordoado, confundindo as datas. Os médicos chegaram a suspeitar de um AVC, mas aos poucos a memória foi voltando e, uma semana depois, Julio era transferido para a clínica de recuperação. "Me chamaram de guerreiro e todo mundo no hospital ficou alegre de me ver andando", conta.

Julio agradece muito a equipe médica francesa. Afirma que teve "um tratamento impecável e se estivesse no Brasil, não sabe o que aconteceria". Com o sistema público de saúde na França, não pagou nada pela hospitalização. A clínica, onde deve ficar até o fim de maio fazendo fisioterapia e recuperando os mais de 15 kg perdidos com a doença, custa € 20 por dia, mas o patrão está bancando a despesa.

"Tomem cuidado"

Além da provação, Julio vai guardar para o resto da vida uma cicatriz no canto da boca, resultado de um corte necessário para a intubação. Ele não tem ainda muitos planos para o futuro. Deve ir a Portugal ficar alguns dias com a irmã e, depois de recuperado, ao Brasil visitar a família, antes de voltar para a França onde tem um emprego e vive bem. "Vou viver um dia após o outro", filosofa.

O brasileiro aproveita para mandar um recado para quem não acredita no vírus: "Podem acreditar e peço para tomarem cuidado. O vírus quase tirou a minha vida e está solto".