Em Dia da Independência, argentinos protestam contra "quarentena eterna"
Protestos neste 9 de julho, dia da Independência da Argentina, ilustram a perda acelerada de capital político do presidente Alberto Fernández, a um dia de completar sete meses de governo, em que quase quatro foram de uma quarentena que parece nunca ter fim.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
Se a adesão for considerável, milhares de argentinos vão quebrar o isolamento total para protestar contra a rigidez de um confinamento que paralisa a economia e já causa transtornos psicológicos na população.
A manifestação, prevista para começar às 16 horas (horário local), foi convocada pelas redes sociais por comerciantes, pequenos empresários, profissionais autônomos e trabalhadores afetados pela mais prolongada quarentena do mundo que, na área metropolitana de Buenos Aires, a mais rica do país, acontece em sistema de lockdown.
Os que vão protestar a pé, em carreatas ou batendo panelas das janelas pretendem dar um segundo grito simbólico de liberdade no dia da Independência. "Liberdade", aliás, é o lema da mobilização.
Os manifestantes também protestam contra o que chamam de "infectadura", uma mistura de infecção com ditadura. O termo parece exagerado, mas procura explicar que Alberto Fernández governa por decretos, enquanto o Congresso não se reúne, e a Justiça decidiu continuar em quarentena.
Os argentinos estão exaustos
De acordo com a mais recente sondagem, da consultora Giacobbe & Asociados, 49,6% dos argentinos concordam em estender até o final do mês a quarentena prevista para terminar em 17 de julho, enquanto 38,6% são contrários.
"Esses 38,6% são os que podem se rebelar e não cumprir com as medidas de prevenção, desobediência que o governo teme. Mas, mesmo os 49,6% que estão de acordo também dizem que não conseguem mais cumprir a quarentena. A fase racional da quarentena acabou. Agora, os argentinos estão exaustos", explica à RFI o analista político Jorge Giacobbe.
Nesse contexto, a perda de capital político do governo tem sido acelerada e constante. As consequências das medidas, depois de quase quatro meses de confinamento, levaram o presidente argentino a perder praticamente toda a popularidade que tinha acumulado graças ao bom desempenho da Argentina na questão da gestão sanitária.
Imagem em queda livre
A sondagem da Giacobbe & Asociados indica que o presidente perdeu 25 dos 30 pontos que havia acumulado quando, no dia 20 de março, instaurou a quarentena e apareceu no imaginário popular argentino como "um pai protetor". A pesquisa aponta que a palavra que agora mais identifica o presidente argentino é "mentiroso". "É um vertiginoso processo de desilusão", define o analista Jorge Giacobbe.
Alberto Fernández tem agora 43% de imagem positiva, muito próximo dos 40% com que assumiu o cargo em dezembro. Longe ficaram os 67,8% de março, quando os argentinos tinham medo e clamavam por medidas de proteção pela saúde. E o processo teria ainda outras dimensões: a econômica e a psicológica.
"O governo conseguiu compreender a primeira demanda da sociedade: a de saúde, que se sustentava no medo do coronavírus. Mas os governantes querem sempre repetir o sucesso com a mesma fórmula. Quando surgiram os outros problemas, a retração da economia e a angústia pela paralisação econômica, o governo rejeitou essa questão. E desconectou-se totalmente quando surgiu o agravante psicológico", observa Giacobbe.
Argentina endurece enquanto vizinhos flexibilizam
Apesar de exibir resultados da gestão da crise sanitária que causariam inveja em vizinhos como Brasil, Chile e Peru, a Argentina endurece as restrições. O país tem cerca de 1700 mortos em um universo de 45 milhões de habitantes. Cerca de 59,7% das UTIs estão ocupadas.
O governo argentino projeta que, se a curva de contágios chegar ao auge no final de julho, as UTIs vão entrar em colapso. Alberto Fernández olha para os países vizinhos, Brasil, Peru e Chile, e não quer essa realidade. Quer ser reconhecido como o presidente que mais vidas salvou na América Latina. "No aspecto econômico, ele vai jogar a culpa no governo anterior e no coronavírus, ficando, pelo menos, com o título de ter salvo mais vidas", indica Giacobbe.
Por outro lado, a quarentena é a única estratégia eficaz do governo. A Argentina não tem sido eficiente nem em testar maciçamente, nem em isolar, nem em rastrear os contatos dos contagiados. "Apenas 8,2% dos argentinos acreditam que a quarentena termine em 17 de julho. Quase 92% acham que se estenderá e, desses, a maior parte estima que essa ainda vai durar mais três meses. É desesperante para a maioria", afirma Jorge Giacobbe.
A oposição e os que protestam neste 9 de julho acusam o governo de "estar apaixonado pela quarentena". Ele nega e responde que "está apaixonado pela vida". Quando questionado sobre a situação econômica, o presidente argentino responde que "a economia se recupera, a vida de um ser querido não". E quando a questão é a angústia dos argentinos, Alberto Fernández minimiza: "Angústia é perder um ser querido".
"Ele está apaixonado pelo primeiro acerto em relação à Saúde. Não quis mudar de estratégia. Tornou-se refém do seu próprio sucesso", conclui o analista Jorge Giacobbe em entrevista à RFI.
Efeitos colaterais
O lockdown no país vai até pelo menos dia 17 de julho na área metropolitana de Buenos Aires, responsável pela metade do Produto Interno Bruto do país. É a região de maior consumo, item responsável por 70% do PIB argentino.
A área em lockdown inclui a capital argentina, com 3 milhões de habitantes, além de dez municípios vizinhos na província de Buenos Aires, com outros 13 milhões, somando 16 milhões de pessoas em confinamento, cerca de 35% da população.
A Federação de Comércio e Indústria da Cidade de Buenos Aires calcula que 24 mil lojas, 20% do total, já faliram apenas na capital. A Câmara de Comércio Argentina prevê que outras 100 mil empresas quebrem nos próximos meses em todo o país.
De acordo com um estudo da Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires, o confinamento já afeta a saúde mental de 80,3% dos argentinos. Medo, depressão e ansiedade estão entre os problemas que afetam a maior parte da população. E no país do mundo onde as pessoas mais recorrem aos psicólogos, os profissionais da saúde mental também estão proibidos de atender.
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