Cineasta documenta memória visual coletiva de tribo amazônica entre 'progresso' e ancestralidade
O RFI Convida a diretora Ana Vaz, autora do curta metragem Apiyemiyekî?, um dos destaques da 16ª edição do festival de documentarios Brésil en Mouvements, que acontece entre 2 e 4 de outubro em Paris. Selecionado para a Berlinale, para o festival parisiense de documentarios Cinéma du Réel e o Festival Internacional de Cinema de Rotterdam, o filme retraça o processo de alfabetização dos Waimiri-Atroari, povos nativos da Amazônia brasileira, misturando arquivos de desenhos, sons e fotografias se combinam para documentar e construir uma memória visual coletiva da tribo.
* Para assistir a entrevista na íntegra, clique na foto acima
"São histórias trágicas. São mais de 3.000 desenhos feitos durante a primeira experiência de alfabetização em português e na língua dos Waimiri-Atroari em 1985", conta a diretora Ana Vaz. "Os organizadores deste processo, previamente inspirados pela filosofia e pedagogia do Paulo Freire, entendem que não faria sentido entrar na tribo apenas para ensinar o português. Que seria importante que aquela tribo pudesse comunicar aquilo de que realmente precisavam naquele momento da história deles", detalha.
Angústia "civilizatória"
"A chegada da 'civilização' deve vir entre aspas, porque é a chegada da barbárie, da modernidade à floresta amazônica, ao que vivemos novamente agora de forma tão trágica", diz Vaz. "Os arquivos são historicamente objetos e documentos que representam de certa forma essa violência da modernidade ocidental. Tive muita hesitação em trabalhar com os desenhos como um arquivo morto, inerte, classificado, com nomes e categorias. O que eu queria que sobressaíse destes desenhos é a corporalidade e a materialidade deles, é a maneira como eles carregam o traço da presença destes corpos que estavam ali desenhando, sem querer desenhar essas atrocidades que aconteceram com eles", diz a diretora.
Misturadas aos desenhos da tribo dos Waimiri-Atroari, Ana Vaz surpreende o espectador com imagens recentes rodadas em 16mm, revestindo a narrativa da película com uma emulação não necessariamente intencional de um "documento histórico". "Estranhamente, a maneira como eu filmo Brasília em 16mm, em preto e branco, claramente eu volto ao passado. Parece que estamos na inauguração da cidade, em 1960. Isso me interessava muito, em jogo de temporalidades - passado, presente e futuro - que são as camadas que a gente vê no filme", afirma.
"É importante sublinhar o fato de que o Apiyemiyekî? faz parte de uma constelação maior, que foi uma exposição realizada no ano passado no Sesc Belenzinho, em São Paulo, chamada "Meta-Arquivo, 1964 a 1985, espaço de escuta e leitura das histórias da ditadura militar no Brasil", lembra a diretora. "Foi um esforço muito importante e sensível da curadora Ana Pato, que fala muito sobre questões de arquivo e memória, ou falta de memória no Brasil, e que trabalha trazendo artistas para pensar e dialogar com os arquivos públicos do país", afirmou.
"A ideia era expandir a compreensão desse período histórico no Brasil para além do centro econômico, para além dos 400 desaparecidos da era da ditadura militar, entender o que foi esse período nessas regiões brasileiras. Minha pesquisa começa no Centro-Oeste, em Brasília, onde nasci. Entendo que Brasília é um eixo fundamental para a chamada interiorização do país, que é uma espécie de recolonização do país por dentro", conclui a cineasta.
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