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Brasil é um dos países onde meninas e jovens mulheres mais sofrem assédio on-line, aponta estudo

08/10/2020 07h24

Uma pesquisa global sobre assédio on-line realizada pela Ong Plan Internacional revela que as meninas e jovens mulheres brasileiras estão entre as que mais sofrem agressões e ataques por meio da internet e redes sociais. O levantamento feito em 22 países mostrou que, em média, 58% das entrevistadas sofreram algum tipo de assédio virtual. No Brasil, esse índice é bem superior, de 77%, de acordo com os dados.

No total, o estudo intitulado "Liberdade on-line? - Como meninas e jovens mulheres lidam com o assédio nas redes sociais virtual" ouviu 14 mil adolescentes e jovens com idades entre 15 e 25 anos de idade de diferentes regiões do mundo. Elas relataram ser vítimas de vários tipos de assédio no ambiente virtual, que vai desde conotação sexual, aparência física, comentários racistas ou relacionados à comunidade LGBTQ+ ou até por expressar opiniões políticas.

Uma dos motivos para o Brasil ter apresentado um índice de agressões acima da média global é pelo fato de o país estar em segundo lugar na lista dos que mais acessam as redes sociais e internet, de acordo com a Plan Internacional, que cita uma pesquisa realizada em 2019.

"No Brasil, 99% delas as utilizam, por isso é impossível pedir para que essas meninas saiam das redes sociais e da internet. Essa é uma realidade hoje, principalmente neste contexto de pandemia em que as pessoas estão cada vez mais conectadas seja pelo lazer, estudos ou para expressar suas opiniões", explica Ana Paula de Andrade, gerente de marketing e de comunicação da Plan International Brasil.

"É mais uma questão de a gente tornar esse ambiente mais saudável e mais seguro do que pedir que essas meninas e jovens mulheres não frequentem (as redes)", diz sobre o objetivo desse levantamento.

No país, o levantamento feito com 500 meninas e jovens mulheres identificou que as plataformas digitais mais usadas são o WhatsApp (94%), o Instagram (78%) e o Facebook (64%). No entanto, quando se trata de assédio, as entrevistadas disseram que os ataques mais frequentes vêm do Facebook (62%), seguido do Instagram (44%) e Whatsapp (40%).

Entre os assédios que as brasileiras ouvidas disseram já ter enfrentado ou afirmaram conhecer meninas dos quais já foram vítimas estão a linguagem abusiva e insultuosa (58%), body shaming (aparência física) (54%), constrangimento proposital (52%) e assédio sexual (48%). Os comentários racistas atingem 41% dos casos relatados, ligeiramente superior aos comentários anti LGBTQI+ (40%), segundo os dados coletados.

"As meninas estão mais do que nunca on-line. Não só estudando, se relacionado como expressando suas opiniões. E elas sofrem violências justamente por serem meninas. Tem toda uma cultura machista e patriarcal envolvida. Aqueles assédios que elas sofrem nas ruas, se reflete também no ambiente virtual. É o mesmo fenômeno. O agravante no caso das redes sociais é que os agressores se escondem atrás do anonimato. Quando eles são bloqueados, eles criam novas contas e as agressões e o assédio continuam", relata Ana Paula.

De fato, o estudo mostra que a maior parte dos ataques por meio das redes sociais vem de estranhos (47%), seguido de usuários anônimos e de redes sociais (38%) e de pessoas em redes sociais que não são amigas (38%).

O levantamento aponta que, apesar de virtuais, os ataques provocam consequências reais e concretas na vida dessas meninas. Na pesquisa, 41% expressaram sentir estresse mental e emocional com impactos no comportamento e autoestima.

"Elas ficam inseguras, perdem a confiança em falar. Uma em cada cinco deixa de usar as redes sociais ou reduzem muito. 12% mudam o jeito de se expressar, ou seja, elas começam a ficar com medo de dizer o que pensam. A baixa estima também é relatada", diz Ana Paula, que chama a atenção ainda para o baixo índice de vítimas, 20%, que têm o reflexo de desafiar seus agressores.

Por outro lado, destaca, 46% disseram denunciar o assédio. "Esse índice é muito bom, mas ainda temos muita gente que precisa ser conscientizada sobre a importância de denunciar", afirma.

Assédio a partir dos 8 anos

Outro ponto destacado pela Plan International Brasil é que 4% das entrevistadas não sabem exatamente o que é assédio e não sabem reconhecer quando são alvos de ataques. "Temos que educar as meninas para que elas reconheçam essas agressões e consigam se proteger", afirma.

Outro dado que soou como alerta para a Ong Plan International foi a idade em que as meninas e jovens mulheres afirmaram ter identificado pela primeira vez terem sido alvo de assédio. A maioria, 42%, disseram que tinham entre 12 e 16 anos quando se sentiram assediadas.

No entanto, revela o documento, houve casos de um primeiro assédio a partir dos 8 anos de idade, o que expõe um outro problema. "Há relatos de primeiros assédio entre 8 e 11 anos. Em teoria, essas meninas nem poderiam estar em redes sociais, não deveriam ter perfil pois os termos de uso do Facebook e Instagram determinam a idade mínima de 13 anos. Mas a gente sabe que, na realidade, as crianças estão acessando e muitas vezes sem a supervisão dos pais", argumenta Ana Paula.

"Por isso é importante é ter esse olhar e educar as crianças desde cedo para que elas saibam o risco que estão correndo ali dentro e como se proteger, onde denunciar e como contar para os pais. Passa muito pela questão da educação", acrescenta.

Na apresentação do relatório, a Ong diz querer alertar e debater com a sociedade, além de fazer uma série de recomendações como uma atualização da legislação sobre crimes cibernéticos com enfoque nas mulheres e mais leis que responsabilizem as redes sociais e plataformas digitais para dar mais importância aos mecanismos de proteção para as vítimas de ataques virtuais.

"Nossa intenção não é alarmar, mas trazer a sociedade para esse debate. Temos que discutir por que estamos tendo tanto assédio e tantas pessoas se sentem no direito de assediar as meninas nas redes sociais", diz Ana Paula.

A Plan International Brasil garante já ter iniciado um processo para discutir e mobilizar as plataformas digitais para enfrentar esse fenômeno. "A nossa proposta é que elas escutem as meninas e suas experiências. Os mecanismos [de proteção] ainda não estão 100% efetivos. Se 77% das entrevistas brasileiras disseram ter sofrido assédio e 53% relatam que continuam a sofrer frequentemente, é porque tem um gap que ainda precisa ser preenchido".

A Plan International Brasil publicou uma carta aberta no seu site sugerindo que as plataformas e redes sociais entrem em contato com a Ong e as meninas e jovens mulheres para discutirem o problema e formularem soluções conjuntas.

"Queremos aprimorar os canais de denúncia e garantir que esses agressores sejam realmente punidos e que as meninas se sintam mais seguras, que tenham liberdade para se expressarem. É um direito que elas têm. A falta de liberdade de expressão acaba sendo um obstáculo para o desenvolvimento delas, e uma forma de não participarem socialmente ou, pelo menos, não plenamente", conclui.